Batalha de Maria da Penha inspira mulheres na luta contra a violência
Maria da Penha Maia Fernandes, mulher, brasileira e nordestina. Não bastassem essas adversidades de uma vida minimamente árdua, ela carregou o fardo de anos de violência do seu então marido, que culminou em uma tentativa de homicídio. Enquanto Maria dormia, ele disparou contra ela, deixando-a paraplégica. À época, em 1993, o agressor ficou impune. Maria, que se calava às crueldades cotidianas sofridas na pele e na alma, renascia na dor.
Por Yasmin Neves*, especial para o Vermelho
“A cicatriz ou o trauma, em qualquer uma de nós, é uma cicatriz e trauma em todas nós”
Uma história triste e trágica, que nos causa asco e repúdio, mas que talvez não esteja tão distante de nós. Poderia ter acontecido com qualquer mulher. A sobrevivente Maria da Penha, como ficou conhecida nacional e internacionalmente, se tornou um dos maiores expoentes da luta pela erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Após anos de lutas e debates, em 07 de agosto de 2006, a Lei Federal nº 11.340 – Lei Maria da Penha – foi publicada. A Lei, em seus termos, tem por objetivo criar “mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, garantindo a “toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião (…) as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.”
A Lei ainda define como hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”, por agressor que tenha relação de afeto à familiar com a vítima.
Ou seja, a Lei Maria da Penha veio garantir amparo à mulher vítima de violência física, psicológica, sexual, moral ou patrimonial. Se tornando o principal instrumento legal de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil.
Sem dúvida, nos últimos 10 anos, houve uma grande difusão da Lei Maria da Penha e seu papel de proteção à mulher, segundo pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, de 2013, em conjunto com o Data Popular: 98% da população brasileira já havia ouvido falar na Lei. O que até então, há 10 anos, era considerando parte da esfera privada dos lares brasileiros, agora é encarado e punido como crime.
Neste domingo (7), em seu 10º aniversário, comemoramos um dos maiores marcos da luta feminina no Brasil. A Lei Maria da Penha abriu caminho para o fortalecimento e ascensão do empoderamento feminino, possibilitando que vivamos, o que alguns chamam de, Primavera Feminista.
Maria da Penha deu seu nome à lei, mas não podemos esquecer das outras Marias, Claras, Elzas, Ritas, Genís, mães, avós, tias, filhas, amigas, vizinhas ou até mesmo você. Quantas mais mulheres precisam continuar a sofrer na pele as violências constantes e reiteradas? É necessário o debate exaustivo do problema da violência contra a mulher, até que nenhuma outra mulher seja violentada.
Apesar do notório avanço, a violência contra a mulher continua presente, assombrando milhares de mulheres. Portanto, é dever do Estado garantir amparo legal às vítimas, juntamente com apoio psicológico e social. Entretanto, ainda hoje, grande parte dos crimes de violência não são denunciados.
Mas o que te cala, mulher? Por quê renuncias ao teu direito?
A coação moral e física, situação que todas nós estamos expostas, intensificada pelo fantasma da culpabilização da vítima, patrocinada e sustentada por uma sociedade patriarcal, talvez sejam fatores relevantes. Temos ainda o medo, a vergonha, o receio de julgamento pela sociedade e inúmeros outros fatores. Não restam dúvidas, que o processo é longo e depende, e muito, de políticas afirmativas por parte do Estado em conjunto com setores da sociedade. É um trabalho intenso.
Não basta a lei por ela mesma, se não há um aparato estatal e legal para lhe garantir sustentação. Pesquisa do Instituto Avon em conjunto com o Data Popular, de novembro de 2014, identificou que homens que presenciaram atos violentos contra a mãe praticam mais violência contra as mulheres, se comparado aos que não presenciaram, 67% contra 47% respectivamente.
Os dados dessa pesquisa deixam evidente o impacto da violência doméstica no futuro das gerações mais novas, servindo de base para outras formas de violência, perpetuando os traços de uma sociedade primitiva.
Dados da Secretaria de Políticas para Mulher, referente ao balanço dos primeiros 10 meses de 2015 no atendimento do Ligue 180, mostram que dos 63.090 relatos de violência ocorridos no período, 49,82% foram de violência física e 30,40% de violência psicológica. Números estarrecedores mostram que 38,72% dos casos de violência são diários e 33,86% são semanais.
A luta diária para a emancipação e autonomia da mulher, que busca também a sonhada igualdade e dignidade, está longe de acabar. É uma luta pelos direitos humanos. É preciso garantir apoio e condições para que a vítima denuncie, que se sinta forte o suficiente para livrar-se daquele relacionamento, que tenha a certeza que aquele é o melhor para seus filhos e para ela mesma. Que se sinta apoiada, protegida e jamais julgada.
Assim nos sentiremos seguras e empoderadas para livrar-nos de nossos medos e culpa. Para sermos mulheres, donas de nós mesmas.
Vamos continuar o debate incansável, o apoio incondicional às vítimas, até que não exista uma alma sendo violentada. A cicatriz ou o trauma, em qualquer uma de nós, é uma cicatriz e trauma em todas nós.
Denuncie – Ligue 180!
*Yassmin Issa Neves é advogada