Bolsas do governo impulsionam ensino privado

Nicola Pamplona  

Embaladas por programas do governo, como Prouni e Fies, universidades privadas veem o número de alunos se multiplicar.

Com uma megafusão e dois lançamentos de ações em curso, o setor de educação entra no segundo ciclo de consolidação, impulsionado pelo financiamento federal a alunos de ensino superior no Brasil.

Depois da criação de grandes conglomerados, a partir da aquisição de pequenas empresas com a participação de investidores estrangeiros, o próximo passo, segundo analistas, é a associação entre os maiores grupos, a exemplo da operação envolvendo Kroton e Anhanguera – em análise pelos órgãos de defesa da concorrência, que vai criar o maior operador educacional do mundo, com mais de 1 milhão de alunos. Especialistas, porém, veem riscos à qualidade do ensino.

O setor, cuja evolução em bolsa de valores destoa do restante da economia, é visto por analistas de mercado como um dos mais promissores para os próximos anos. “Acredito que, pelo menos no médio prazo, as empresas manterão o bom desempenho”, comenta o analista Mário Bernardes Junior, do Banco do Brasil Investimentos. “O Brasil tem 200 milhões de habitantes, com enorme demanda reprimida por educação. E, com o aumento da renda, cada vez mais pessoas podem pagar para estudar”, completa o analista. Hoje, quatro grandes grupos têm ações em bolsa – Kroton, Anhanguera, Estácio e Abril Educação – e dois se preparam para lançar ações – SER Educacional e Anima.

Entre as primeiras, apenas a Abril Educação tem mostrado desempenho modesto na bolsa, com impacto de suas operações com livros didáticos. Em um ano, enquanto a bolsa caiu 11%, as ações da Anhanguera tiveram alta de 15% e as da Estácio e Kroton subiram 41% e 69%, respectivamente. “O setor é hoje o principal foco de investimentos para fundos estrangeiros no Brasil”, diz o analista Marcelo Torto, da corretora Ativa.De fato, as maiores companhias têm participação de investidores internacionais, como a Advent International, sócia da Kroton, que possui 53 unidades em 10 Estados.

Desde 2007, quando a primeira empresa abriu capital, houve uma onda de aquisições de pequenas companhias no setor, lembra o sócio da consultoria KPMG, Luis Motta- foram 133 operações desde 2008, quando o setor passou a ser coberto separadamente pela consultoria. “Agora vemos um freio de arrumação. A consolidação do segmento entra em nova dinâmica, com grandes fusões. A tendência é de queda no número de operações, mas com aumento do valor de cada uma”, diz o sócio da consultoria KPMG Luis Motta, citando a associação entre Kroton e Anhanguera como exemplo.

Segundo ele, a tendência é que o Brasil siga o modelo europeu, com grandes grupos dominando cidades de maior porte e pequenas instituições em cidades menores. “Com maior volume de alunos, os grupos ganham escala e poder de barganha com fornecedores, conseguindo boa redução de custos”, analisa o especialista. No primeiro semestre, além de aumento no número de alunos, todos as empresas anunciaram melhores resultados. Na Kroton, por exemplo, o lucro acumulado em 2013, de R$ 271 milhões, representa um crescimento de 132% com relação ao verificado no mesmo período do ano anterior.

Além do maior poder aquisitivo da população, os analistas são unânimes em apontar os programas federais, principalmente o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos (Prouni), como os principais motores do crescimento. Com desembolsos de R$ 10 bilhões entre sua reformulação, em 2010, e o ano passado, o Fies financia o aluno em universidades privadas credenciadas. Já o Prouni garante incentivos fiscais a empresas privadas que cederem vagas a alunos de baixa renda. Desde 2005 até 2012, foram R$ 3,6 bilhões em renúncias.

“O principal risco de longo prazo do setor é uma eventual suspensão ou redução dos financiamentos federais”, diz o analista do Banco do Brasil Investimentos. Números divulgados pelas empresas confirmam a dependência dos programas educacionais. No prospecto de lançamento de ações divulgado na semana passada, a SER Educacional, baseada em Recife, informa que 40% de seus alunos são bolsistas do Fies. Na paulista Anhanguera, 21% dos alunos são beneficiados pelo programa, segundo dados do balanço do segundo trimestre.

Embora as empresas tenham negócios também em educação fundamental, as apostas ainda estão focadas no ensino superior, irrigado por recursos do governo federal. Com a regulamentação, este ano do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), que financiará alunos de escolas técnicas, é possível que novos investimentos sejam feitos neste segmento, para aproveitar a injeção de recursos do governo federal. Em setembro, foi lançada nova etapa do programa, com bolsas ligadas à indústria e expectativa de concessão de 120 mil bolsas em um primeiro momento.

Outra aposta do setor de educação é o ensino à distância, foco de atuação de todas as grandes operadoras, com bom potencial de retorno a custos baixos. A Anhanguera, por exemplo, investiu no primeiro semestre R$ 20,7 milhões em tecnologias para educação à distância. A SER acredita que, a partir do ano que vem, poderá oferecer 20 mil vagas nesta modalidade.

NÚMEROS

69%: Foi a valorização das ações da Kroton nos últimos 12 meses. Já as da Estácio subiram 41% e as da Anhanguera, 15% no período. A queda do Ibovespa foi de 11%.

40%: é o percentual de alunos do SER Educacional financiados pelo Fies.

Para especialista, há riscos na terceirização da educação

O destaque à “perda ou redução das políticas de financiamento e/ou benefícios fiscais” entre os fatores de risco do prospecto de lançamento de ações da SER Educacional dá uma dimensão do papel que os recursos federais desempenham no crescimento do setor de educação do país. Apontado por analistas de mercado como o principal fator de risco ao setor nos próximos anos, a transferência de recursos do governo para as universidades privadas é alvo de críticas de especialistas em educação. “O ensino superior foi oferecido como um nicho de mercado para as empresas privadas”, diz a professora Olinda Evangelista, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Especialista em políticas de educação, Olinda lembra que o apoio federal a alunos de instituições privadas foi iniciado no governo Fernando Henrique Cardoso e ganhou força no governo Luiz Inácio Lula da Silva. “É uma política de transferência de responsabilidade para a iniciativa privada de tarefas, em princípio, do Estado”, afirma ela, citando riscos à qualidade do ensino e de desnacionalização do conhecimento. “Os controladores internacionais podem trazer seus valores para o âmbito da formação da inteligência nacional”, completa.

“O problema da educação é que não há um conceito tão definido sobre o que é boa educação. É diferente medir qualidade de educação com qualidade de produtos”, argumenta Lucas Pybb Nechi, doutorando no tema pela Universidade do Paraná (UFPR). “As grandes empresas têm visão de lucro, pensando no retorno, mas a educação tem que ser vista como um fim em si mesmo”, conclui o especialista.

“Independentemente de participarem do Prouni ou do Fies, a avaliação das instituições de educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes é realizada no âmbito do Sinaes – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior”, informou o Ministério da Educação, em nota enviada ao Brasil Econômico. As universidades são avaliadas a partir de uma série de indicadores, como número de professores, a carga horária e, principalmente, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) – ontem, o MEC divulgou resultados dos exames, com reprovação de 30% dos cursos avaliados.

Do Brasil Econômico

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