Bolsonaro bota a cara no fogo, mas ela nem queima

Por Gilson Reis*

O Twitter, às vezes, traz sínteses precisas sobre os acontecimentos. O resumo mais exato da última segunda-feira (28) foi o tuíte de Matheus Agostin, que viralizou nas redes: “Cai o pior ministro da educação da História. Ele sucedeu o pior ministro da educação da História e deve ser sucedido pelo pior ministro da educação da História”. No mesmo dia, o perfil ficcional Coronel Siqueira — cujo autor, imbuído do personagem, é colunista da Carta Capital — tuitou em letras garrafais, como de costume, sua própria candidatura ao cargo:

“CARO BOLSONARO,

ESTOU DISPONÍVEL PARA OCUPAR A NOVA VAGA DE MINISTRO, CASO NECESSÁRIO.

TENHO MORAL DUVIDOSA, NÃO SEI NADA SOBRE EDUCAÇÃO E NÃO TENHO NENHUMA EXPERIÊNCIA NA ÁREA — COMO TODOS OS MINISTROS ANTERIORES. DESTA FORMA, CREIO ESTAR À ALTURA DO CARGO.

GRATO,
SIQUEIRA”

O coronel de mentirinha foi preterido, ao menos interinamente, por Victor Godoy Veiga, que respondia pela Secretaria Executiva do Ministério da Educação desde julho de 2020. A verdade, porém, é que ele ou qualquer outro personagem, de ficção ou carne e osso, ao que tudo indica, cumpririam o mesmo papel. Se Godoy será alçado ao posto de titular ou logo substituído, também muda pouco o cenário. O novo ministro interino é o quarto a ocupar o comando do MEC desde o início do governo Bolsonaro. Poderia ser o quinto se o escândalo provado pela denúncia de uma série de informações falsas em seu currículo não tivesse feito Carlos Alberto Decotelli da Silva pedir demissão antes mesmo de assumir. E, até agora, cada escolhido pelo presidente deu seu quinhão para cumprir à risca a proposta de desmanche da educação pública, gratuita, laica, democrática, inclusiva e de qualidade socialmente referenciada.

No início de tudo, a pasta foi entregue ao conservadorismo e reacionarismo obscurantista representado por Ricardo Vélez Rodríguez, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Na época, professores e técnicos administrativos presentes no 20° Conselho Sindical (Consind) da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), realizado, em Brasília, de 22 a 24 de novembro de 2018 — antes mesmo, portanto, de Bolsonaro assumir a Presidência —, manifestaram seu repúdio ao anúncio da nomeação de Vélez Rodríguez.

A nota pública tinha razão de ser, porque o filósofo e professor aposentado ainda nem era ministro e já demonstrava desconhecer duas coisas básicas para fazer jus ao seu próprio currículo: a importância do pensamento livre e crítico — do qual a filosofia é símbolo há milênios — e o papel da educação na construção da cidadania, do qual a universidade pública é um exemplo. Na verdade, foi o primeiro escolhido precisamente por esse “desconhecimento”, ou seja, por ser, como afirmava a nota, “o representante de um discurso perigoso e hidrófobo, que, entre outros absurdos, exalta o golpe de 1964, acusa o magistério de ‘doutrinação marxista’ e vocifera contra uma suposta ‘ideologia de gênero’, opondo-se frontalmente à concepção de uma educação plural, reflexiva, inclusiva e voltada para o combate a todos os tipos de discriminação”.

Quando Vélez Rodríguez caiu, seu substituto conseguiu, como vaticinou o tuíte viralizado esta semana e citado há pouco, ser ainda pior. De um lado, Abraham Weintraub manteve o viés antidemocrático e defensor da pauta ultrarreacionária de perseguição ideológica a professores, estudantes, técnicos administrativos e ao próprio conhecimento científico. Enquanto isso, de outro lado, colocou-se como entusiasta e acelerador da privatização da educação pública e dos processos de mercantilização e financeirização do ensino. Como se não bastasse, investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por ataques a membros do STF e crime de racismo contra cidadãos chineses, saiu fugido do Brasil, valendo-se do passaporte diplomático garantido pelo cargo, uma vez que viajou antes que sua exoneração fosse publicada no Diário Oficial da União.

Milton Ribeiro, o terceiro da lista — menos falastrão que os antecessores, sobretudo Weintraub, mas igualmente nocivo — não foi único, nota-se, a não resistir às pressões em cima do governo para deixar, no último dia 28, o comando do MEC. Quatro dias antes, Bolsonaro havia dito publicamente que botava a cara no fogo por Ribeiro. Na última quinta (31), porém, em depoimento à Polícia Federal, o pastor que era ministro confirmou que o próprio Bolsonaro (PL) lhe pediu para receber um dos pastores acusados de negociar verbas do ministério para prefeitos em troca de propinas em barras de ouro.

Pelo visto, mesmo no fogo, a cara de Bolsonaro nem queima. É ele — e não apenas uma sequência de ministros incompetentes e subservientes — o verdadeiro responsável pela tragédia que vivemos na educação. Não basta, portanto, que o pastor Milton Ribeiro tenha saído e que em seu lugar tenha sido deixado o segundo da hierarquia do MEC, que participou das reuniões com os pastores envolvidos com corrupção e desvio de verbas. É preciso sinalizar crime de responsabilidade de JAIR BOLSONARO. A culpa central é do PRESIDENTE.

CPI DA EDUCAÇÃO, TRANSPARÊNCIA NO MEC E FORA BOLSONARO!

*Gilson Reis é coordenador-geral da Confederação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee

Da Carta Capital

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