Bolsonaro faz comício em assembleia da ONU e encerra com lema do fascismo
Fala do brasileiro na ONU, construída por sua campanha eleitoral, tem festival de mentiras como sucesso econômico, respeito a mulheres, sustentabilidade, liberdade religiosa e direitos humanos
São Paulo – Como esperado, o discurso do presidente brasileiro na Assembleia Geral das Nações Unidas, nesta terça-feira (20), foi construído para alimentar sua campanha eleitoral. Ele chega a enaltecer um “sucesso econômico” que na realidade não existe. Fala em respeito às mulheres, sustentabilidade, liberdade religiosa, e direitos humanos, assuntos incompatíveis com seu discurso e prática no Brasil. E Jair Bolsonaro coroa sua fala na ONU mencionando lema do fascismo, ampliado com o termo “liberdade”, ao comentar o 7 de setembro, do qual se apropriou também com fins eleitorais.
“Milhões de brasileiros foram às ruas convocados pelo seu presidente trajando as cores da nossa bandeira. Foi a maior demonstração cívica da história do nosso país. Um povo que acredita em Deus, pátria, família e liberdade”, disse, antes de agradecer e encerrar. O lema do fascismo de Plínio Salgado era “Deus, pátria e família”.
A maior parte do discurso teve como alvo o público interno brasileiro, contrariando o que se consagrou nas Nações Unidas e na Assembleia Geral da ONU em particular, em que se discutem os temas mais importantes para a comunidade internacional e o planeta. Atualmente, a guerra entre Rússia e Ucrânia e meio ambiente.
Diferentemente da prática de seu governo, seus seguidores e principalmente ele mesmo, Bolsonaro destacou o que chamou de “compromisso” de sua gestão com a “proteção das mulheres”. A “prova cabal” desse esforço foi o ato de sancionar “mais de 70 normas legais” desde o inicio da gestão. Até hoje, não se sabe que normas são essas, que ele citou também em debate no dia 28.
A “liberdade de expressão” bolsonarista
“Combatemos a violência contra as mulheres com todo rigor”, disse, omitindo seus ataques sistemáticos às mulheres, o que seu séquito imita. “Trabalhamos para ter mulheres fortes e independentes para chegarem onde elas quiseram”, disse ainda. Depois, citou a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que no 7 de setembro classificou como “princesa”.
Depois de enaltecer longamente o “sucesso” de sua política econômica e o “desenvolvimento sustentável e inclusivo”, foi realmente no fim que Bolsonaro expressou suas crenças. Antes de fechar a fala citando o lema do fascismo, o chefe de governo brasileiro disse que tem sido “um defensor incondicional da liberdade de expressão”.
Para um público que desconhece sua prática e de aliados como o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), pode passar despercebido que Bolsonaro chama de liberdade de expressão o direito de xingar adversários e autoridades do Judiciário brasileiro, ameaçar instituições, ministros do Supremo Tribunal Federal e a democracia. Nessa linha, atacou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, segundo ele, “foi condenado em três instâncias por unanimidade” no processo de saneamento da Petrobras. Disse que seu governo “extirpou a corrupção sistêmica que existia no país”.
“No meu governo o Brasil tem trabalhado para trazer o direito à liberdade de religião para o centro da agenda internacional de direitos humanos”, afirmou. “É essencial garantir que todos tenham direito de professar e praticar livremente sua orientação religiosa sem discriminação”.
O mandatário mencionou como “outros valores fundamentais para a sociedade brasileira” sua guerra contra o direito ao aborto e a política de disseminar armas de fogo entre a população. Segundo ele, são valores que “se refletem nos direitos humanos”. Nesse contexto, em plenas Nações Unidos e no século 21, citou “a defesa da família, do direito à vida desde a concepção, a legítima defesa e repúdio à ideologia de gênero”.
Agronegócio e Amazônia
“Vergonha brasileira”: grupo US Network for Democracy in Brazil projeta imagem de Bolsonaro em prédio da ONU (Foto: Manuela Lourenço/Divulgação)
Ao introduzir o meio ambiente na fala, mencionou o agronegócio como “orgulho nacional”, talvez num ato falho. Tentou negar que seu governo é um destruidor das florestas. Disse que “na área de desenvolvimento sustentável o patrimônio de realizações do Brasil é fonte de credibilidade”. Acrescentou que “dois terços de todo o território (brasileiro) permanece com vegetação nativa e se encontra exatamente como estava em 1500”.
Mas para os líderes mundiais ele não disse que seu governo desmontou órgãos de fiscalização. Nem que destruiu a necessária atuação integrada entre Polícia Federal, Ibama, órgãos estaduais e municipais na região da Amazônia. E que o governo brasileiro, sob comando de Bolsonaro, contraria todas as práticas necessárias para se alcançarem os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, da ONU.
Guerra na Europa e pandemia
Segundo ele, o conflito na Ucrânia “gera apreensão em todo o mundo”. Citou a antiga tradição da diplomacia brasileira para dizer que o Brasil procura “soluções pacíficas para conflitos internacionais”. “Sempre ao lado da construção da paz”, disse sobre o tema, em trecho colocado no discurso pelo Itamaraty. Acrescentou que o Brasil “não acredita que o melhor é a adoção de sanções unilaterais e seletivas”, mas que uma “solução será alcançada pela negociação e pelo diálogo”.
Entre o longo arrazoado sobre o sucesso da sua política econômica, introduziu as mentiras de sempre sobre a pandemia da covid-19. “O governo não poupou esforços para salvar vidas e preservar empregos”, informou, acrescentando que concentrou a atenção “em garantir desde a primeira hora” o auxílio emergencial “para que as famílias conseguissem enfrentar as dificuldades”. Seu governo era contra, e o benefício foi criado por pressão social que refletiu no Congresso Nacional.