Bolsonaro manda trabalhar, mas não há emprego
O Brasil fechou 2020 com 14,1 milhões de desempregados e o governo federal não tem plano para inserir esse contingente no mercado de trabalho
O presidente da República, Jair Bolsonaro, agora admite mais uma rodada de auxílio emergencial em um valor reduzido. No entanto, não cessa de frisar que o benefício é temporário e prejudicial às contas públicas. Na quarta-feira (10), voltou a falar nesse tom. Em discurso a prefeitos no Ministério da Educação disse que o auxílio é “endividamento” e que é preciso “voltar a trabalhar”.
Algo que o presidente parece esquecer, ou finge não saber, é que não há trabalho para todos. Segundo os dados mais recentes da Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil fechou o quarto trimestre de 2020 com 14,1 milhões de desempregados. O governo federal não tem qualquer plano para inserir esse contingente no mercado de trabalho.
Também não há instrumento para ajudar as empresas a evitar novas demissões, em meio a um crescimento do contágio da Covid-19. O Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que permitiu a suspensão de contratos de trabalho e redução de jornadas nos meses iniciais da pandemia em 2020, deixou de vigorar em 31 de dezembro e não foi renovado.
Segundo Clemente Ganz Lúcio, sociólogo e assessor do Fórum das Centrais Sindicais, o país está sem políticas em um momento em que a economia ainda está distante da recuperação. Ele afirma que o dinamismo da atividade econômica está muito aquém do necessário para gerar empregos.
“O dinamismo no segundo semestre [de 2020] não é consistente com a noção de que a economia estava se recuperando em V. A dinâmica do quarto trimestre foi mais fraca que no terceiro, provavelmente indicando que no primeiro trimestre, ou mesmo no primeiro semestre de 2021, o crescimento será negativo. É uma dinâmica que não sustenta a criação de empregos, nem repõe as ocupações destruídas durante a pandemia.”
O especialista diz que boa parte da recuperação no segundo semestre do ano passado veio do pagamento do auxílio emergencial. “Os indicadores começam a apontar para uma grande fragilidade da economia, ausência de renda para os mais pobres e vulneráveis e a desproteção dos salários com o aumento do desemprego. Isso faz reduzir a massa salarial na economia, o que reduz o consumo, o que reduz a produção. Portanto, é um efeito dominó que afeta a atividade econômica”, afirmou.
Segundo Clemente, para criar postos de trabalho seria necessário investimento público. “Esperar do Paulo Guedes e do Bolsonaro uma política de um estado produtor, de tração na economia, não está na agenda desses caras. Estão dizendo que tem que esperar o setor privado, responsável por dar tração, por fazer investimentos. Isso não acontece em nenhum lugar do planeta. Não há esse tipo de iniciativa sem que venha de um estado que mobilize sua capacidade de investimento”, disse.
O economista Paulo Kliass afirma que, ao dizer que o pagamento do auxílio emergencial é “endividamento”, Bolsonaro não traz nada de novo. “Qualquer cidadão sabe que programas de políticas públicas têm um custo orçamentário, um custo fiscal. É normal que seja assim. O que não é normal é que o governo oriente toda sua política econômica para essa obsessão que o Paulo Guedes tem de gerar, a todo custo, superávit primário [economia para pagar os juros da dívida].”
De acordo com Kliass, o baixo dinamismo da economia brasileira não surgiu ontem. “O Brasil está desde 2015, alternando recessão com momentos de crescimento em torno de 1%. Essa situação se tornou mais grave com o advento da pandemia. Estamos há vários anos com um desemprego estrutural elevadíssimo, de 11%, 12%, e nenhum dos governos se preocupou em solucionar essas questões. Pelo contrário, fizeram reformas trabalhistas que fragilizaram as condições de trabalho. A reforma precarizou o mercado de trabalho, e o trabalho informal, que era exceção, tornou-se regra. É uma loucura do ponto de vista humano e macroeconômico”, comentou.