Bolsonaro recua e proíbe subordinados de falar sobre Renda Brasil

Anúncios de cortes em outros programas sociais para financiar o programa geram repercussão negativa e Bolsonaro volta atrás na criação do Renda Brasil, ameaçando dar “cartão vermelho” a integrantes do governo

Após a repercussão negativa sobre as intenções do governo de reduzir ou acabar com programas sociais para viabilizar o programa Renda Brasil, o novo Bolsa-Família, o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL) foi às redes sociais para anunciar que até 2022 não se fala mais em novo programa.

Como sempre, Bolsonaro usou o Twitter, na manhã desta terça-feira (15), para dar o recado. Em um vídeo publicado em sua página, em tom de irritação e com jornais nas mãos, ele citou manchetes que noticiavam medidas anunciadas por sua equipe econômica, de redução em outros programas sociais como o seguro-desemprego, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e até o congelamento de aposentadorias por dois anos, para turbinar o novo programa.

Manuseando papéis em sua mesa de forma nervosa, como se tivesse sido surpreendido pelos estudos, Bolsonaro disse que não tiraria dinheiro dos mais pobres para dar a quem está em situação mais grave, de miserabilidade, os “paupérrimos”, como disse o capitão.

Para quem propusesse tais medidas, ele “só poderia dar um cartão vermelho”, disse Bolsonaro, que encerrou o vídeo dizendo que até 2022, fim do seu governo, está proibido de se falar sobre o Renda Brasil.

Sobre esta confusão toda em torno do Renda Brasil, um programa novo, pensado às pressas, sem planejamento, com o único objetivo de servir como muleta para a reeleição, o pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e consultor da ActionAid Brasil, Francisco Menezes, diz que Bolsonaro pensou em um programa de transferência de renda “para chamar de seu” e tentar fazer o Bolsa Família, programa bem sucedido, criado durante o governo Lula, ser esquecido.

“Os propósitos são exclusivamente eleitoreiros. Ele tem a necessidade política de ter um programa assim com o carimbo do seu governo”.

Na avaliação de Francisco Menezes, Bolsonaro tropeça em suas estratégias. Ele apresentou o novo programa sem sequer ter um projeto elaborado, sem saber de onde viriam os recursos para ampliar o programa Bolsa Família e mudar o nome para Renda Brasil. Demorou, mas Bolsonaro acabou percebendo que seria difícil acabar com outros programas sociais para turbinar seu programa e que ele também não poderia ignorar a PEC do Teto de Gastos.

Ele se viu pressionado pela saia justa em que se envolveu, já que alterações como as anunciadas dependem de outros fatores como aprovação no Congresso Nacional, que não seria simples, e pelas correntes neoliberais, horrorizadas com os gastos no enfrentamento à pandemia da Covid-19, analisa Menezes.

Ou seja, para sustentar um programa assim, Bolsonaro teria de romper com o teto de gastos e desagradar o mercado ou cortar programas sociais e desagradar a população mais vulnerável. De qualquer maneira, ele perde ponto se o assunto é popularidade e reeleição, avalia Menezes, que conclui: “Ele foi pouco a pouco percebendo que era um cobertor curto, que puxava de um lado e faltava de outro”.

A reação de Bolsonaro nas redes sociais, portanto, está atrelada à constatação de que está imobilizado por causa do limite nos gastos públicos, lei que está levando o país a uma situação de ingovernabilidade e precisa ser revista ou revogada urgentemente, defende o pesquisador.

Os cortes anunciados

No domingo (13), o secretário Especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, braço direito de Paulo Guedes, disse ao G1 que o governo estudava congelar por dois anos as aposentadorias e pensões de idosos, desvinculando os benefícios do salário mínimo, que o seguro-desemprego poderia ser modificado, aumentando o tempo de mínimo de serviço para o trabalhador ter direito ao benefício (de 12 para 15 meses) ou redução no número de parcelas pagas.

No mês passado, a equipe econômica havia sugerido acabar com outros programas sociais como o abono salarial do PIS-PASEP, o programa Farmácia Popular e o seguro-defeso, e o salário-família.

As ideias reveladas para a imprensa pela equipe econômica do governo, de unificação, redução ou fim de programas trazem consequências sérias, de acordo com o pesquisador Francisco Menezes porque “implica em perdas significativas para a população mais vulnerável”.

Comportamento do presidente

As hipóteses sobre a estratégia de Bolsonaro e seu governo de anunciar medidas que são desmentidas quando se tornam impopulares passam pela inabilidade política de Bolsonaro, segundo Francisco Menezes.

“Ele mostra essa falta de compreensão política quando se adianta e diz que vai lançar um programa [Renda Brasil], que ainda estava muito no início das discussões, muito cru. E é estranho por que o programa está sendo elaborado no âmbito do Ministério da Cidadania e quem fala sobre o assunto é o Ministério da Economia”, afirma o pesquisador, complementando que Bolsonaro falava até em data de implementação, mas ainda não tinha o programa elaborado, nem sabia como ia se sustentar.

Hipótese que também não é descartada para o comportamento de Bolsonaro, segundo Francisco Menezes, é a possibilidade de uma representação teatral em que um membro da equipe apresenta o projeto de forma crua e depois ele faz o presidente faz o papel de preocupado com questões populares.

“Não foi a primeira vez que isso aconteceu. A mais recente foi com a ampliação do auxílio-emergencial. Eles fazem a maldade, depois voltam atrás para parecerem bonzinhos”, diz Francisco.

Outros programas

Hoje, tramitam no Congresso Nacional outras propostas de programas de transferência de renda. Para Francisco Menezes, o debate sobre a ampliação do Bolsa-Família é vital neste momento em que o país se encontra em “um verdadeiro estado de destruição econômica e não há uma certeza de que no dia 31 de dezembro, quando termina o período de calamidade pública, esse quadro se altere”.

E, segundo, ele, Bolsonaro se vê em dificuldades de dar uma resposta para esse estado de caos. “Não é porque ele diz que está proibido de se falar em Renda Brasil que vai cessar a demanda por uma ampliação do Bolsa-Família”.

CUT

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