Bolsonaro se apresenta como líder da oposição e entrega transição a políticos
Presidente ‘antecipa’ posse de sucessor ao falar como mentor de manifestações que bloqueiam estradas
Dois dias depois do fechamento das urnas, o presidente Jair Bolsonaro (PL) antecipou de maneira informal a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao optar por um discurso para sua base de apoiadores no qual se apresentou como líder das manifestações populares que se espalham pelo país.
O presidente, derrotado nas urnas, quis assumir o papel de “capitão” da oposição antes mesmo de deixar o mandato, algo inusitado em se tratando das responsabilidades que são inerentes à chefia do Executivo.
A retórica adotada por Bolsonaro é de desinteresse pelo caos nas estradas, que começa a afligir a economia e o cotidiano de brasileiros, inclusive os que votaram nele para um segundo mandato.
O presidente não foi assertivo ao pedir a desobstrução das pistas ocupadas por seus seguidores e deu razão, indiretamente, à pauta antidemocrática dos manifestantes, que contestam o resultado da eleição e pedem intervenção militar e decretação de estado de sítio. Bolsonaro, mesmo aconselhado por auxiliares, tentou se mostrar como injustiçado no processo eleitoral e explorou politicamente até o apelo para que seus eleitores não repetissem os métodos atribuídos à esquerda, citando invasão de propriedade, vandalismo e cerceamento do direito de ir e vir.
Apesar do pronunciamento tardio e do viés ideológico da sua narrativa, o presidente acabou cedendo ao que o establishment político já havia declarado na noite de domingo: não contestou claramente os números das urnas e restringiu o alcance do chamado terceiro turno, pois repassou ao seu chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, as chaves do processo de transição. Como se omitiu na menção a Lula e autorizou as medidas burocráticas para o início de trabalhos de mudança de gestão, deixou claro que caberá à classe política transmitir o cargo ao rival petista, em 1º de janeiro, provavelmente sem que ele participe da passagem da faixa presidencial.
Alckmin & centrão
Do lado de Lula, apesar da apreensão com os movimentos pró-Bolsonaro nas estradas, o objetivo é tentar dar uma aparência de celeridade ao processo transitório. Com o anúncio de Geraldo Alckmin para liderar o processo, duas mensagens são destacadas pela equipe do presidente eleito: 1) a montagem do organograma do governo representará a pluralidade partidária que marcou a campanha do petista; 2) o ex-tucano não será vice de expectativa e terá papel de formulação e influência na montagem da equipe que ocupará a Esplanada a partir de janeiro.
Alckmin, que foi governador de São Paulo, prefeito e deputado, é visto como uma figura gerencial na fase de transição e deve também atuar na interlocução com governadores de partidos que não estão na aliança que deu sustentação a Lula.
Ele pretende se reunir com os eleitos pelo PSD, União Brasil, PSDB e Republicanos para abrir o que chama de “diálogo federativo”, preparando terreno para uma primeira reunião que o presidente eleito pretende realizar com os dirigentes estaduais e municipais.
Alckmin tem manifestado nos bastidores a confiança numa relação transparente e republicana com Ciro Nogueira, incumbido das providências do atual governo. O ex-governador tem um histórico de diálogo descrito como “construtivo” com o dirigente do Progressistas, partido que integrou a base alckmista no Palácio dos Bandeirantes e apoiou a candidatura do ex-tucano a presidente em 2018, indicando a vice na ocasião, Ana Amélia.
FÁBIO ZAMBELI – Analista-chefe em São Paulo. Jornalista com 28 anos de experiência em cobertura política e dos Três Poderes em São Paulo e Brasília. Foi repórter e editor da Folha de S. Paulo e diretor de inteligência e atendimento na área pública da FSB Comunicação. Email: fabio.zambeli@jota.info