Bom senso manda eleger Lula no primeiro turno
Por Jorge Coli*
Parece que as notícias estão ficando melhores para quem deseja justiça social e o fim dos desmandos, da brutalidade, da indecência provocada pelos gângster que estão no poder. Mais um país na América Latina, a Colômbia, elege um presidente progressista.
Entre nós, Lula surge em pesquisas como candidato com chances de vencer no primeiro turno. É razoável imaginar, nos anos por vir, uma América Latina mais unida e mais justa.
O que me anima não é o Lula propriamente dito. Ele é um líder que sempre demonstrou formidável inteligência política e saberá bem articular o Brasil com os outros países da América Latina, em particular aqueles de governo progressista.
Mais do que o indivíduo Lula, porém, importa o fato de que ele avança transportado pelas forças sociais positivas de que o país precisa com muita urgência. Lula é a expressão atual dessas forças, e são elas, as forças, que importam.
O Executivo tem muitos limites, porém. Lula derrotando Bolsonaro significa um grande progresso, mas insuficiente. Não basta o comandante. É preciso que a tripulação seja boa.
No caso, a tripulação é formada por todos as mulheres e homens que compõem os Poderes da nação. Essa tripulação é viva, diversa, contraditória, vivendo num formigamento de interesses, alianças e conflitos. O comandante deve tirar dela o que pode oferecer de melhor. Mas é preciso que ela, tão diversa, chegue ao entendimento que permita ao barco avançar bem e rápido.
Nada mais briguento do que a esquerda. Quem assistiu “A Vida de Brian”, dos Monty Python, lembra-se dos militantes hilários que, nos grupos de resistência ao poder romano na Judeia, odiavam-se entre si, fraccionavam-se em subpartidos, e, ao se dividirem, modificam os nomes originais, até que a Fronte do Povo da Judeia racha pela última vez em Fronte Popular da Judeia, partido de um só membro, do “eu sozinho”. Essa caricatura espelha bem a realidade. A história da esquerda é recheada de cisões.
Depois das eleições de 2018, era um desconsolo ver as correntes da oposição com tanta dificuldade para se unirem.
Pois Lula conseguiu um prodígio: juntar as forças progressistas, num arco que vai do centro à esquerda. Pôs em seu barco, juntos, Alckmin e Boulos. A única maneira de vencer de fato o dragão da maldade que sempre espreita é a permanência dessa unidade depois das eleições.
Mais ainda: é importante que esse impulso progressista assinalado pelas pesquisas modifique, de maneira substancial, o Legislativo, evacuando o centrão podre. Talvez não seja apenas sonho uma representatividade decente, que não dependa de Orçamento secreto nem de outras diversas corrupções, legais ou ilegais, para que um governo coerente e dinâmico se faça.
É muito possível que Lula seja eleito em outubro e, com ele, uma Câmara de Deputados e um Senado menos indignos que os atuais.
Ocorre, no entanto, que a política é como as nuvens no céu. Você olha, lá está uma em forma de girafa. Olha de novo, e a girafa virou um caju. Nada é estável ou previsível meses antes das eleições. Tudo pode ocorrer, e o serial killer pode voltar depois de morto, como acontece nos filmes de terror. Os infames, os criminosos do poder nunca são completamente esmagados.
Por isso, fico pensando que deveríamos agir, cada um do seu jeito, para que o melhor ocorra nas eleições. Só não sei muito bem o que fazer: conheço gente que votou no Bolsonaro, gente que tem uma visão confusa e simplificada das forças progressistas, aglutinando tudo numa fixação de ódio ao “comunismo”, que eles não sabem bem o que é, mas que lhes causa furor: um espantalho que apavora e alimenta todas as raivas, também chamado de “o PT” e, um pouco menos, de “a esquerda”.
Muitas dessas pessoas, entre as que eu conheço pessoalmente, quando estão fora do campo político, não são ingênuas; possuem cultura e conhecimentos complexos, são generosas e cheias de boas qualidades. Pessoas que eu prezo e que não têm nada em comum com o tiozão do pavê.
Eu gostaria de conseguir convencê-las; os argumentos não faltam, está claro, mas parece impossível: sempre é preciso terminar logo qualquer discussão sobre política por uma rápida mudança de assunto, antes que ela degenere em conflito aberto. Não sei como fazer. Não sei sair da bolha. Qualquer sugestão a esse respeito é bem-vinda.
Em todo caso, para todos aqueles que desejam ver a partida do abominável homem do Planalto, o bom senso manda aderir à eleição de Lula no primeiro turno —que reforçará também o bloqueio a qualquer projeto de golpe. Por mais reticências que possamos ter contra ele, por mais que outros candidatos pareçam convir melhor, é hora de impor a mais enérgica oposição ao atual estado de coisas.
Dentro do espectro progressista, há muitos candidatos para a Câmara de Deputados e para o Senado que podem exprimir as inflexões e escolhas políticas mais variadas.
Para o Executivo, a luta é uma só: eleger Lula no primeiro turno.
*Jorge Coli é professor de história da arte na Unicamp, autor de “O Corpo da Liberdade”