Brasil mata uma pessoa trans a cada três dias, aponta dossiê

O Brasil continua a ser o país que mais mata travestis e transexuais em todo o mundo, alerta a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em dossiê publicado nesta quarta-feira (29), Dia Nacional da Visibilidade Trans. A data foi criada em 2004, por ocasião do lançamento de uma campanha nacional elaborada por lideranças do movimento de pessoas trans, em parceria com o Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde.

Conforme o dossiê da Antra, 124 pessoas trans foram assassinadas no País em 2019 – ou uma a cada três dias. O México, segundo lugar no ranking global, reportou metade do número de homicídios. A maioria das mortes em território brasileiro foi registrada na região Nordeste, onde 45 pessoas trans foram assassinadas. No entanto, em relação a números absolutos, São Paulo foi o estado que mais matou essa população no ano passado, com 21 assassinatos. O Ceará aparece logo em seguida, com 11 casos.

Outro dado revelado pelo levantamento – que está na terceira edição – explicita a gravidade da violência: 80% dos assassinatos apresentaram requintes de crueldade – ou seja, a maioria das mortes ocorreram após violência excessiva. Do total, apenas 8% dos casos tiveram suspeitos identificados.

Bruna Benevides, secretária de Articulação Política da Antra e autora do dossiê, ressalta a importância do levantamento. “A LGBTfobia, especialmente a transfobia, é estrutural e estruturante de nossa sociedade. Por conta disso, esse trabalho vem dizer à população em geral que a população trans é extremamente vulnerabilizada e marginalizada”, diz Bruba. “São necessárias ações focais e emergenciais para frear essa violência e garantir que possamos nos desenvolver.”

MPT

Para o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Dia Nacional da Visibilidade Trans reforça o combate à discriminação contra pessoas LGBTT e estimula a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho. “O MPT pode atuar na investigação de denúncias e também de maneira promocional”, explica a vice-coordenadora nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade), Ana Lúcia Stumpf González, procuradora do MPT.

Segundo Ana Lúcia, “no caso de investigações, podem ser questões relacionadas à discriminação (tanto discriminação na contratação como discriminação no ambiente de trabalho ou em dispensa). É o que ocorre quando uma empresa se nega a utilizar o nome social da pessoa, por exemplo, ou não permite que ela utilize o sanitário de acordo com o gênero com o qual ela se identifica”.

Ana Lúcia alerta para o baixo número de denúncias. “A maioria dessas pessoas sequer se percebe como sujeito de direitos em relação ao acesso ao trabalho. Por isso, é um dado difícil de medir” diz. “Hoje, a principal fonte de renda das pessoas trans é como profissionais do sexo. O que precisa mudar, até por conta do risco à vida. O Brasil é o país do mundo em que mais se mata trans.”

Mortes

O número de assassinatos em 2019 foi menor em relação aos últimos dois anos. Em 2017, foram 179 assassinatos e, em 2018, 163. Bruna, da Antra, pondera que, apesar da queda dos números, não há diminuição efetiva da violência. Apenas de 1º a 24 de janeiro de 2020, por exemplo, houve um aumento de 180% no número de homicídios em relação ao ano anterior.

“Qual pessoa trans se sente segura no Brasil? Saímos de casa e não sabemos se iremos voltar. Se iremos ser proibidas de acessar serviços públicos ou espaços comuns, especialmente neste momento em que tem piorado a forma com que a sociedade tem reagido ao avanço de nossas conquistas”, denuncia, acrescentando que o Brasil passou do 55º lugar para o 68º no ranking de países seguros para a população LGBT.

Conforme dados divulgados pela organização Gênero e Número, no ano passado também foi registrado um aumento de 800% das notificações de agressões contra a população trans, chegando ao número de 11 pessoas agredidas diariamente no Brasil.

Perfil

O dossiê também apresenta as principais características das vítimas da transfobia em 2019. Segundo a Antra, entre o total de vítimas, 80% eram negras e 97,7% do gênero feminino.  Uma pessoa trans tem mais chance de ser assassinada entre 15 e 45 anos. Mas, a cada ano, a idade das vítimas é ainda menor. Ano passado, por exemplo, três adolescentes trans de 15 anos foram mortas. Duas delas apedrejadas até a morte e a terceira espancada e enforcada, com sinais de violência sexual.

Na avaliação da porta-voz da Antra, a compilação dos dados revela a omissão do Estado brasileiro frente a essa violência. “O País segue no topo de assassinatos contra pessoas trans e nada tem sido feito. Nada. Nem mesmo o levantamento destes dados que, até então, são feitos exclusivamente pela sociedade civil. A violência enfrentada pela população trans é específica, devido à discriminação pelo gênero e a própria condição trans, e precisa de formas específicas de combate da mesma”, aponta Bruna Benevides.

A vulnerabilidade socioeconômica e de trabalho, a qual as pessoas trans estão submetidas, também são destacadas pela Antra. De acordo com o dossiê, estima-se que 90% das mulheres trans estejam na prostituição, sujeitas a diversas formas de violência. Prova disso é que mais da metade dos homicídios de 2019 aconteceram nas ruas.

Bolsonaro

A autora do dossiê lamenta que, sob o governo atual, o transfeminicídio – classificado como o assassinato sistemático de travestis e mulheres transexuais – pode recrudescer. O termo é descrito pela associação como uma “política disseminada, intencional e sistemática de eliminação da população trans, motivada pelo ódio, abjeção e nojo.”

“A fala de Bolsonaro que diz que a minoria deve se curvar à maioria se reflete em reações odiosas contras nós. É um incentivo direto à violência”, critica em referência à frase dita pelo presidente brasileiro durante as últimas eleições. O documento da Antra registra ainda que já houve travestis assassinadas aos gritos de “Bolsonaro”.

Da Redação, com Brasil de Fato e MPT

Vermelho

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