Breve histórico da evolução e involução do direito à aposentadoria de professores/as
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
I A evolução
O Decreto 53.831/1964 retirou os/as professores/as das regras comuns de aposentadoria para estender-lhes o direito à aposentadoria especial criada pelo Art. 31 da Lops (Lei Orgânica da Previdência Social), de 1960. A norma implicou aposentadoria aos 50 anos de idade e 25 de contribuição, por considerar a atividade docente como penosa, nos termos do item 2.1.4 de seu anexo.
II A involução
1° ato
Como se tratava de garantia inserta apenas em decreto e, portanto, sujeita a constantes modificações a critério do chefe do Poder Executivo, à época escolhido por militares, todos os sindicatos de professores/as apoiaram a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) de autoria do então deputado federal Álvaro Dias, convertida na Emenda Constitucional 18, de 30 de junho de 1981, que alterou o Art. 165 da Constituição de 1969 — impropriamente chamada de Emenda 1/1969 — para acrescentar-lhe o seguinte:
“Art. 2º – O art. 165 da Constituição Federal é acrescido do seguinte dispositivo, passando o atual item XX a vigorar como XXI:
‘XX – a aposentadoria para o professor após 30 anos e, para a professora, após 25 anos de efetivo exercício em funções de magistério, com salário integral.’
Brasília, em 30 de junho de 1981”.
A promulgação dessa EC, por um lado, trouxe aos/às professores/as garantias de constitucionalização de seu direito à aposentadoria sem idade mínima exigida e com provento integral. Por outro, além de aumentar o tempo de contribuição do professor de 25 para 30 anos, retirou desse direito, para professor e professora, a condição de especial. A partir da comentada EC, o STF passou a considerar o direito apenas como de tempo reduzido em relação às regras comuns, sem condição de especial. Importa dizer: a condição de atividade penosa deixou de assegurar o direito à aposentadoria especial.
A rigor, metaforicamente falando, a emenda ficou pior que o soneto. Ou seja, houve colossal retrocesso para os/as professores/as.
2° ato
A Constituição Federal de 1988, muito embora tenha mantido o direito quanto ao tempo de serviço, retirou-lhe a garantia de salário integral, como se constata pela simples leitura do Art. 202, III, com redação originária:
“Art.202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições […]:
III – após trinta anos, ao professor, e após vinte e cinco, à professora, por efetivo exercício de função de magistério”.
Aqui se registra mais um retrocesso do direito sob discussão.
3° ato
A EC 20, de 15 de dezembro de 1998, impôs aos/às professores/as o mais duro golpe em seu direito à aposentadoria, restringindo-o àqueles/as que exercem a profissão na educação infantil e no ensino fundamental e médio. Com isso, foram excluídos/as os/as que atuam no ensino superior e em cursos livres.
Eis o que dispunha o Art. 201, com a redação dada pela EC 20/1998:
“Art. 201. […]
- 7º – É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
I – trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;
II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.
- 8º – Os requisitos a que se refere o inciso I do parágrafo anterior serão reduzidos em cinco anos, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio”.
Quando da votação das alterações contidas na PEC que se converteu na EC sob comentários, quanto aos/às professores/as públicos/as, o governo obteve os 308 votos necessários para aprová-las na Câmara Federal. Isso implicou a exigência de comprovação cumulativa de tempo de contribuição e idade mínima, sendo de 50 anos de idade e 25 de contribuição para a professora, e 55 anos de idade e 30 de contribuição para o professor (Art. 40, da CF, com redação da EC 20/1998).
Porém, quando a votação envolveu o RGPS (Regime Geral de Previdência Social), no qual se incluem os/as professores/as que se ativam em escolas particulares, o governo somente obteve 307 votos, visto que o então deputado Antônio Kandir errou o voto. Isso importou a rejeição de regras idênticas às que foram aprovadas para professores/as públicos/as.
Desse modo, para os/as professores/as filiados ao RGPS, bastava a comprovação de 25 anos de contribuição para a professora e 30 para o professor, sem exigência de idade mínima.
4° ato
Essa aparente vitória de Pirro custou muito caro a esses/as professores/as, posto que, em novembro de 1999, menos de um ano após a derrota na PEC, o Congresso Nacional aprovou e Fernando Henrique sancionou a Lei 9.876, que criou o monstro devorador de proventos de aposentadoria, chamado fator previdenciário. Julgado constitucional pelo STF, ele chega a subtrair 48% dos proventos de aposentadoria para quem se aposenta antes de 50 anos de idade, tendo atingido em cheio as professoras, que, normalmente, adquiriam o direito entre 43 e 50 anos de idade.
A Lei 13.183/2015 acrescentou o Art. 29-C à Lei 8.213/1991 — Lei dos Benefícios da Previdência Social —, mitigando os danosos efeitos do fator previdenciário e estabelecendo:
“Art. 29-C. O segurado que preencher o requisito para a aposentadoria por tempo de contribuição poderá optar pela não incidência do fator previdenciário no cálculo de sua aposentadoria, quando o total resultante da soma de sua idade e de seu tempo de contribuição, incluídas as frações, na data de requerimento da aposentadoria, for:
I – igual ou superior a noventa e cinco pontos, se homem, observando o tempo mínimo de contribuição de trinta e cinco anos; ou
II – igual ou superior a oitenta e cinco pontos, se mulher, observado o tempo mínimo de contribuição de trinta anos.
- 1°Para os fins do disposto no caput, serão somadas as frações em meses completos de tempo de contribuição e idade.
- 2°As somas de idade e de tempo de contribuição previstas no caput serão majoradas em um ponto em:
I – 31 de dezembro de 2018;
II – 31 de dezembro de 2020;
III – 31 de dezembro de 2022;
IV – 31 de dezembro de 2024; e
V – 31 de dezembro de 2026.
- 3°Para efeito de aplicação do disposto no caput e no § 2°, o tempo mínimo de contribuição do professor e da professora que comprovarem exclusivamente tempo de efetivo exercício de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio será de, respectivamente, trinta e vinte e cinco anos, e serão acrescidos cinco pontos à soma da idade com o tempo de contribuição”.
Com base nessa alteração, até a promulgação da EC 103, aos 13 de novembro de 2019, os/as professores/as puderam se aposentar sem a incidência do fator previdenciário quando atingiram:
a) professor: 30 anos de contribuição e 61 de idade (30 + 60 + 5 = 96) de 2015 a 2017; e 30 anos de contribuição e 61 de idade (30 + 62 + 5 = 97) em 2018;
b) professora: 25 de anos de contribuição e 51 de idade (25 + 55 + 5 = 86) de 2015 a 2017; e 25 de contribuição e 56 de idade (25 + 57 + 5 = 87) em 2018.
5° ato
O que já era péssimo ficou muito pior com a EC 103/2019, que, de plano, desconstitucionalizou a idade e o tempo de contribuição para os professores/as públicos/as dos estados, municípios e do Distrito Federal. Estes podem fixar, sem a observância dos critérios estabelecidos para a União, mediante alterações, respectivamente, em suas constituições e leis orgânicas; e tempo de contribuição, por lei complementar.
Com isso, está aberta a larga estrada para o estabelecimento de 5.598 diferentes regimes de previdência social no serviço público, inclusive para professores/as, sendo 1 da União, 26 estaduais, 1 do Distrito Federal e 5.570 dos municípios. Uma verdadeira Torre de Babel.
No âmbito da União, para quem ingressou ou ingressar no serviço público após sua promulgação, a idade mínima fixada é de 60 anos para o professor e 57 para a professora (Art. 40, § 5º), com proventos que variam do salário mínimo (R$ 1.302) ao teto do RGPS (hoje de R$ 7.507,49). Para se obter renda maior, tem de pagar previdência complementar, que será obrigatoriamente criada por todos os entes públicos.
Aliás, assim já o é, no âmbito da União, para quem ingressou no serviço público a partir do advento da Lei 12.612, de 30 de abril de 2012, regulamentada pelo Decreto 7.808, de 20 de setembro de 2012.
Para os/as professores/as que tenham ingressado no serviço público até o dia 13 de novembro de 2019, fixaram-se as seguintes regras de transição:
“Art. 4º […]
- 4º Para o titular do cargo de professor que comprovar exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, os requisitos de idade e de tempo de contribuição de que tratam os incisos I e II docaputserão:
I – 51 (cinquenta e um) anos de idade, se mulher, e 56 (cinquenta e seis) anos de idade, se homem;
II – 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, se mulher, e 30 (trinta) anos de contribuição, se homem; e
III – 52 (cinquenta e dois) anos de idade, se mulher, e 57 (cinquenta e sete) anos de idade, se homem, a partir de 1º de janeiro de 2022.
- 5º O somatório da idade e do tempo de contribuição de que trata o inciso V docaputpara as pessoas a que se refere o § 4º, incluídas as frações, será de 81 (oitenta e um) pontos, se mulher, e 91 (noventa e um) pontos, se homem, aos quais serão acrescidos, a partir de 1º de janeiro de 2020, 1 (um) ponto a cada ano, até atingir o limite de 92 (noventa e dois) pontos, se mulher, e de 100 (cem) pontos, se homem”.
Os/as professores federais podem se aposentar aos 57 anos a professora e 60 o professor, mais 25 anos de contribuição para ambos, exclusivamente em efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, bem como 10 anos de efetivo exercício de serviço público e 5 anos no cargo efetivo em que for concedida a aposentadoria (Art. 10, § 2º, III, da EC 103/2019).
No RGPS, a aposentadoria de professores/as, para quem ingressou ou ingressar na previdência social a partir de 13 de novembro de 2019, exige, cumulativamente, 60 anos de idade, se homem, e 57, se mulher, com o tempo de contribuição que vier a ser fixado por lei complementar (Art. 201, § 8º, da CF), sendo que nenhum benefício pode ser inferior ao salário mínimo.
Quem se filiou até 13 de novembro de 2019 enquadra-se nas chamadas regras de transição, que retardam sobremaneira a aquisição do direito.
A primeira regra exige, cumulativamente, 25 anos de contribuição para a professora e 30 para o professor e que a soma da idade e tempo de contribuição, em 2023, totalize, respectivamente, 85 e 95 pontos, crescendo 1 ponto por ano, até o limite de 92 e 100 ( Art. 15, § 3º, da EC 103/2019).
A segunda regra exige, para 2023, além do tempo de contribuição de 25 anos para a professora e 30 para o professor, respectivamente, 53 e 58 anos de idade, acrescendo-se seis meses por ano na idade até o limite de 57 e 60 anos (Art. 16, § 2º, da EC 103/2019).
A terceira regra exige 25 anos de contribuição em efetivo exercício de funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio para ambos, e 57 anos de idade para a professora e 60 para o professor (Art. 19, II, da EC 103/2019).
Registre-se que as três regras podem ser modificadas, para mais ou para menos, por lei complementar, quer quanto ao tempo de contribuição, quer quanto à idade.
Os/as professores/as públicos/as, pelas regras de transição, podem se aposentar com 25 anos de contribuição e 52 de idade, no caso da professora, e 30 anos de contribuição e 55 de idade, no do professor (Art. 20, da EC 103/2019).
Outra mudança que representa significativo prejuízo aos segurados do RGPS de modo geral, inclusive aos/às professores/as, diz respeito à forma de cálculo dos benefícios previdenciários, dentre eles a aposentadoria. Até que lei venha definir os critérios, que podem ser mais prejudiciais, o salário de benefício, que se constitui na base para se chegar ao valor do benefício, será encontrado pela média de 100% das contribuições de todo período contributivo, contado de julho de 1994, e não mais por 80% delas, as maiores, como era até essa data.
O salário de benefício encontrado será multiplicado por 60% e mais 2% por ano de contribuição que exceder a 20 anos de contribuição, até o limite de 100%.
Pela regra de cálculo da EC 103/2019, para se alcançar 100% do salário benefício são necessários 40 anos de contribuição.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee