Centenas de ONGs denunciam influência do Fórum Econômico Mundial na ONU
Campanha Nacional pelo Direito à Educação está entre as organizações
Enquanto executivos se preparam hoje (20/1) para a abertura do encontro anual do Fórum Econômico Mundial (FEM) em Davos, na Suíça, mais de 400 organizações da sociedade civil e 40 redes internacionais denunciam o Acordo de Parceria Estratégica entre o Fórum e as Nações Unidas, e pedem para o Secretariado das Nações Unidas encerrar o acordo.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação endossa a denúncia e, historicamente, repudia processos de privatização da educação.
Assinado em junho de 2019, o acordo promete “acelerar a implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” ao aprofundar a coordenação institucional e a colaboração entre a ONU e o FEM. A tratativa dá a corporações transnacionais um acesso preferencial e de anuência ao Sistema das Nações Unidas às custas dos interesses públicos de estados e demais atores.
A rejeição ao acordo foi feita em carta aberta em setembro de 2019. A carta diz que a resolução “deslegitima as Nações Unidas e enfraquece o papel dos estados em tomadas de decisão em nível global”. Esse “acesso preferencial” prejudicaria a autoridade da ONU, assim como sua independência, imparcialidade e efetividade em responsabilizar atividades do mercado.
“Esse acordo entre a ONU e o FEM formaliza uma perturbadora apropriação corporativa da ONU. Desloca o mundo perigosamente em direção a uma governança global privatizada e anti-democrática”, diz Gonzalo Berrón, do Instituto Transnacional (TNI), uma das organizações que assinam a carta aberta.
Embora a influência corporativa tenha sido exercida por longo período nas Nações Unidas, sob os novos termos da parceria ONU-FEM, a ONU vai permanentemente ser associada a corporações transnacionais. A longo prazo, isso pode permitir que líderes se tornem “conselheiros não-oficiais” de dirigentes da ONU.
Harris Gleckman, ex-dirigente da ONU e membro sênior da Universidade de Massachusetts, diz: “Esse acordo estratégico é um golpe dos líderes de corporações em Davos, mas o que isso oferece à ONU e à comunidade internacional? Isso dá a algumas das mais controversas corporações acesso sem precedentes ao coração da ONU, apesar disso não ter sido propriamente discutido pelos países membros da ONU e, certamente, pelo público em geral.”
O sistema da ONU está já sob significante ameaça de instintos unilateralistas do atual governo dos Estados Unidos e uma nova onda de líderes autoritários que questionam um mundo democrático e multilateral.
Contudo, essa corporativização em curso talvez tenha consequências danosas por um período ainda mais longo, dado que muitas corporações no Fórum têm responsabilidade em contribuir para crises sociais e ambientais atuais como resultado de ações de evasão fiscal, violações de direitos humanos, poluição e contaminação ambiental, e intervenção corporativa em democracias.
Para prevenir isso, a ONU deve adotar mecanismos efetivos para impedir conflitos de interesse, apoiar os papéis de povos e comunidades que são os reais portadores de direitos humanos, e encontrar novas formas de aumentar uma responsabilização democrática dentro do sistema de governança internacional.
De acordo com Sofia Monsalve, secretária-geral da FIAN Internacional, “a ONU deve reconhecer os diferentes papéis do interesse privado e dos portadores de direitos que buscam bens e benefícios comuns. Corporações da cadeia alimentar mundial, sozinhas, destroem 75 bilhões de solo fértil anualmente e são responsáveis pela perda anual de 7,5 milhões de hectares de floresta. Essa destruição, junto de outros fatores, deixam 3,9 bilhões de pessoas subnutridas ou passando fome. O FEM representa os interesses daqueles que destroem o ambiente e abusam de nossos direitos humanos. Não podem ser considerados parceiros estratégicos na resolução das crises do mundo atual”.