Cinema, memória e resistência: A Batalha da Rua Maria Antônia

Por Antônia Rangel
Estreou no circuito nacional no dia 27 de março o filme A Batalha da Rua Maria Antônia, dirigido por Vera Egito, trazendo à tona um importante episódio da resistência estudantil brasileira durante a ditadura militar: o confronto entre estudantes da Faculdade de Filosofia da USP e da Universidade Mackenzie, em outubro de 1968, no centro de São Paulo.
Mais do que uma reconstituição histórica, o longa se mostra como um manifesto audiovisual. É uma obra que ecoa o passado com os olhos voltados para o presente, articulando memória e urgência política. Em tempos de ameaças constantes à democracia e ao direito à memória, o filme de Vera Egito se levanta como trincheira simbólica — um gesto de resistência estética que se recusa ao esquecimento.
A narrativa é conduzida por Lilian (Pâmela Germano), uma jovem estudante de Filosofia que vive o dilema de quem deseja uma vida comum, mas é chamada a decidir, em um momento de tensão, entre o silêncio e o engajamento. Vera Egito constrói personagens que refletem as contradições e potências da juventude brasileira daquele período. Professores acuados, militantes em ebulição, afetos reprimidos e sonhos interrompidos ganham corpo numa encenação envolvente. Destacam-se especialmente as personagens femininas — múltiplas, fortes, contraditórias — que, ao romperem o apagamento histórico, conquistam seu lugar de fala e ação em um espaço marcado pela dominação masculina.
Filmado em 21 planos-sequência, o longa propõe uma imersão na tensão daquele dia histórico. A câmera não apenas observa — ela participa e nos conduz para dentro da narrativa. Respira, tropeça, se exaure com os corpos em cena. A cronologia das filmagens e a entrega do elenco intensificam o realismo: o cansaço não é apenas representação — ele é vivido. Segundo a diretora, o objetivo era “ter a sensação de que você viveu com eles esses momentos”.

O filme também resgata o assassinato de um jovem que a repressão tentou apagar: José Carlos Guimarães, estudante secundarista morto por um tiro vindo do prédio do Mackenzie. Sua morte é uma entre tantas de uma juventude interrompida — levada à tortura, ao desaparecimento, ao exílio, à desistência ou ao silêncio. As marcas deixadas por essas perdas são cicatrizes ainda abertas no corpo da nossa democracia.
A fotografia em preto e branco acentua o peso da história, ao mesmo tempo em que confere ao filme um caráter atemporal. As sombras e penumbras criam uma São Paulo onde o passado insiste em se sobrepor ao presente. Para Aldo Arantes, ex-deputado federal e ex-líder estudantil, “ao trazer o passado, o filme nos mostra que o perigo fascista continua”.
A Batalha da Rua Maria Antônia é mais do que uma obra cinematográfica, é um chamado à reflexão, uma lembrança necessária de que os direitos conquistados não são permanentes. Eles precisam ser defendidos continuamente. Em um cenário de desinformação, ataques à educação e à liberdade de cátedra, este filme nos alerta para a importância de manter viva a memória da luta estudantil e dos trabalhadores da educação, que resistiram — e resistem — em defesa da democracia.
A CONTEE, que tem como sua plataforma, a defesa de uma educação Pública e Privada de qualidade em todos os níveis e modalidades, democrática, socialmente referenciada, reconhece na arte um instrumento poderoso de transformação social. Filmes como este reforçam o papel da cultura e da educação na construção da consciência crítica. Como nos ensina A Batalha da Rua Maria Antônia, lembrar é resistir.
Antônia Rangel