CNJ recria auxílio-moradia para parte dos juízes mesmo com gastos já acima do teto
Mesmo com os gastos do Poder Judiciário crescendo acima do limite previsto pelo teto constitucional, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou nesta terça-feira a volta do auxílio-moradia para uma parcela dos juízes.
O órgão estima que 1% dos dos magistrados (cerca de 180 dos 18 mil juízes) terá direito a receber o benefício a partir de janeiro de 2019 dentro das novas regras mais restritas.
Se a estimativa se confirmar e esses potenciais beneficiários requererem o valor integral de R$ 4.377,73 previsto para o auxílio, o impacto potencial ao ano é de quase R$ 9,5 milhões.
O teto previsto para o Judiciário neste ano é de R$ 39,876 bilhões, mas os gastos acumulados em 12 meses até outubro está em R$ 41,1 bilhões.
A estimativa da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado é que a Justiça brasileira deve fechar 2018 com gasto de ao menos R$ 2 bilhões acima do teto.
Segundo o diretor da IFI Gabriel de Barros, a tendência é que esse quadro se agrave no próximo ano com o recente reajuste de 16,38% para os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), o que elevou sua remuneração de R$ 33,7 mil para R$ 39,3 mil. São os salários mais altos do poder público e seu reajuste gera efeito cascata de aumento para os demais magistrados.
“O Judiciário é o Poder que mais descumpre o teto de gastos, com destaque para a Justiça do Trabalho, a Justiça Federal e a Justiça Eleitoral. Do ponto de vista do teto, a regulação do auxílio-moradia, mesmo que em condições mais restritas, não ameniza a situação. Não ficará mais fácil cumprir o limite de gastos”, critica Barros.
O aumento dos salários aprovado pelo Congresso foi sancionado pelo presidente Michel Temer a partir de uma negociação com o STF para derrubar o pagamento de auxílio-moradia de forma irrestrita, que estava autorizado por uma decisão do ministro da Corte, Luiz Fux.
Segundo Barros, o aumento salarial é superior ao valor do auxílio, de modo que na prática haverá aumento nas despesas da Justiça. A IFI ainda está trabalhando em projeções mais precisas sobre qual será o impacto fiscal.
Segundo a decisão do CNJ, o auxílio-moradia agora só será concedido se o magistrado estiver alocado em cidade diferente da sua comarca original; não possuir imóvel na cidade; não houver imóvel funcional à disposição; e se não tiver um cônjuge que já tenha imóvel, receba auxílio-moradia ou ocupe imóvel funcional.
Punições para descumprimento do teto
O teto dos gastos foi criado há dois anos com a aprovação de uma emenda constitucional pelo Congresso. Ele estabelece que as despesas não podem subir acima da inflação por vinte anos, com objetivo de equilibrar os gastos públicos, que estão no vermelho desde 2014.
A medida gerou polêmica, porém. Seus críticos entendem que na prática ela congela gastos sociais e investimentos públicos, despesas necessárias para conter a pobreza e estimular a economia.
Já seus defensores dizem que os gastos socias e investimentos podem ser preservados se outras despesas forem cortadas e defendem a necessidade de uma reforma da previdência para conter o acelerado crescimento das aposentadorias.
Até 2019, vigora uma regra de transição que permite que o Poder Executivo acomode em suas despesas aumentos de gastos no Judiciário acima do limite constitucional, o que caminha para ocorrer pelo segundo ano.
No entanto, a partir de 2020, se o teto do Judiciário for novamente rompido, a Constituição prevê que “gatilhos” de contenção de despesa serão automaticamente disparados – na prática, o Poder Judiciário ficará proibido de conceder novos aumentos ou realizar novas contratações, por exemplo.
Segundo a regra do teto, a União pode gastar nesse ano até R$ 1,296 trilhão, que representa a soma dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Até outubro, as despesas da União estavam com crescimento de R$ 3,1 bilhão acima do permitido, exigindo um esforço fiscal de fim de ano para cumprimento do limite constitucional.
Judiciário caro
O ministro do STF Ricardo Lewandowski, um dos que defendeu o recente aumento de salário dos ministros da Corte, chegou a dizer que o reajuste de 16,38% era “modestíssimo”. Associações de magistrados, por sua vez, argumentaram que a inflação acumulada desde o último reajuste é de cerca de 40% – o que estaria corroendo os salários dos profissionais.
Se comparados com os vencimentos de juízes em outros países, porém, os contracheques do Judiciário brasileiro estão longe de ser modestos.
Um estudo de 2016 da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (Cepej, na sigla em francês) mostra que, em 2014, um juiz da Suprema Corte dos países do bloco ganhava 4,5 vezes mais que a renda média de um trabalhador europeu. No Brasil, a realidade do salário do STF é ainda mais distante da média da população: o salário-base de R$ 33,7 mil do Supremo Tribunal Federal corresponde a 16 vezes a renda média de um trabalhador do país (que era de R$ 2.154 no fim de 2017).
Em 2014, um magistrado da Suprema Corte de um país da União Europeia recebia, em média, 65,7 mil euros por ano. Ao câmbio de hoje, o valor equivaleria a cerca de R$ 287 mil – ou R$ 23,9 mil mensais.
Segundo a última edição do relatório Justiça em Números, produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil tem hoje cerca de 18 mil magistrados (juízes, desembargadores, ministros). Eles custam cada um, em média, R$ 47,7 mil por mês – incluindo salários, benefícios e auxílios.
Os ganhos dos demais magistrados (juízes e desembargadores) em todo o país estão vinculados aos rendimentos dos ministros do STF. No caso da magistratura, o aumento é automático – o reajuste para os ministros é repassado para todos os demais.
Além disso, os salários dos ministros também estabelecem o chamado Teto Constitucional, que é o valor máximo que pode ser recebido pelos servidores dos três poderes (Judiciário, Legislativo e Executivo). Se o valor do teto sobe, há a possibilidade de outras carreiras, fora do judiciário, pedirem aumento também. Mas, neste caso, o aumento não é automático.