Cobrança indevida de mensalidades também ocorre no Fies
A cobrança mais cara de mensalidades para bolsistas do Programa Universidade para Todos (Prouni) revelada pelo iG como prática comum entre instituições se repete em outro programa do governo federal. Há faculdades parceiras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) que também burlam as regras e tiram direitos garantidos em lei aos participantes do projeto.
De forma sutil, e muitas vezes sem explicação clara, essas instituições dão diferentes descontos – seja por pagamento até determinada data ou por promoções sem justificativa – aos estudantes “comuns” e aos beneficiários do financiamento estudantil. No entanto, os descontos coletivos dados à grande maioria geralmente não são aplicados aos que financiam o curso.
Na Faculdade de Medicina Nova Esperança (Famene), na Paraíba, o desconto coletivo de 10% só é dado no primeiro contrato do estudante com o Fies. Na renovação, ele não é mais concedido. O abatimento de 5% sobre o valor de R$ 4.530,01 pago até o dia 5 de cada mês por quem cursa Medicina também não é dado a quem financia 100% das mensalidades.
Um ex-aluno da faculdade enviou ao iG as páginas do primeiro contrato feito com o Fies e as do aditamento. No segundo, não há mais desconto. Ele financiava todo o curso na instituição. Na secretaria da Famene, a atendente informou ao iG que os alunos que financiam metade do curso só recebem o desconto por pagamento antecipado, já que o fazem na instituição.
O estudante que procurou o iG pediu para não ser identificado porque teme que o processo de transferência do financiamento da Famene para outra instituição de Campina Grande seja prejudicado. Ele tenta a liberação há quase um ano, mas ainda não conseguiu. Pela legislação, os alunos podem pedir transferência.
Na lei
A reportagem procurou o Ministério da Educação para identificar se havia irregularidades na cobrança. Na manhã desta terça-feira, o secretário da Educação Superior, Luiz Cláudio Costa, já havia anunciado que o ministro Aloizio Mercadante assinaria uma portaria com novas regras para evitar “desvios” e facilitar “denúncias dos estudantes”.
Por meio da assessoria de imprensa, o MEC informou que a Famene será notificada a dar explicações sobre as diferenças de cobranças nas mensalidades. Ressaltou ainda que “a legislação do Fies determina que sejam repassados aos estudantes atendidos pelo programa todos os descontos regulares e de caráter coletivo”.
A definição está na Lei nº 12.202, de 2010. No artigo 4º: “são passíveis de financiamento pelo Fies até 100% dos encargos educacionais cobrados dos estudantes por parte das instituições de ensino devidamente cadastradas para esse fim pelo Ministério da Educação, em contraprestação aos cursos referidos no art. 1o em que estejam regularmente matriculados”.
O texto define que os encargos educacionais incluem: “todos os descontos regulares e de caráter coletivo oferecidos pela instituição, inclusive aqueles concedidos em virtude de seu pagamento pontual”.
Na Justiça
Cansados de esperar por providências ou porque só perceberam a fraude depois, alguns ex-participantes do Fies já procuraram a Justiça para exigir seus direitos. Em outubro de 2011, o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Manoel Justino Bezerra Filho proferiu uma sentença contra a Sociedade Unificada Paulista de Ensino Renovado, de Ribeirão Preto.
De acordo com o texto da decisão, a instituição suspendeu a bolsa de 20% de desconto na mensalidade concedida ao aluno Juarez Machado por causa de um acordo com a Associação de Pais e Alunos do Estado de São Paulo (Apaesp). O abatimento foi suspenso após o estudante assinar um contrato de financiamento pelo programa federal.
O desembargador diz que “o desconto concedido pela requerida deveria somar a bolsa concedida” e que a faculdade “sabia quais eram as condições para participar do Fies”. Por isso, pede o ressarcimento dos valores pagos pelo aluno. É importante ressaltar que, após a formatura, o estudante paga todos os valores financiados pelo governo durante o curso.
Cristiano, advogado formado pelo Instituto de Ensino Superior de Itapira (Iesi), também está processando a instituição para receber os valores a mais que pagou. Ele e outros colegas que utilizavam o Fies (e também procuraram a Justiça) perceberam que pagavam mais caro que todos os não incluídos em nenhum programa quase no fim do curso.
Ele entrou em contato com o iG e enviou à reportagem comprovantes de pagamento que mostram a diferença, mas não quis divulgar seu nome completo. Em janeiro de 2008, a mensalidade de um colega sem Fies era de R$ 479,24. Um desconto de quase 40% em relação ao valor cheio, de R$ 759,28. Ele, que havia financiado 70% da mensalidade pelo Fies, pagava R$ 227,78. O valor não era calculado em cima dos descontos.
“Tento denunciar isso há muito tempo. Já telefonei, mandei email e nunca aconteceu nada. Agora, vou buscar meus direitos na Justiça”, afirmou Cristiano
Fonte: Último Segundo – Educação