Com Bolsonaro inelegível, extrema direita vive fragmentação e crise de hegemonia
Para Genoino, campo conservador 'joga na confusão e no caos', mas tende a se unir na hora da eleição

A sucessão de Jair Bolsonaro (PL) na extrema direita para as eleições de 2026 segue incerta. Inelegível e enfrentando processos que podem levá-lo à prisão, o ex-presidente vê aliados se movimentando para ocupar o espaço que ele consolidou e lançando pré-candidaturas, um ano e meio antes das eleições presidenciais.
Para Juliano Medeiros, cientista político e ex-presidente do Psol, a fragmentação é sinal de uma crise de hegemonia no campo da direita. “Bolsonaro conquistou a hegemonia no campo das direitas, no plural. A extrema direita hoje é a força hegemônica, é o setor mais dinâmico da direita brasileira, que forma mais quadros, que faz a disputa nas redes sociais, que tem capacidade de mobilização de rua. Agora, com a iminência de sua prisão e condenação, corre o risco de perder essa hegemonia”, avalia.
Medeiros discutiu a fragmentação das candidaturas de direita e extrema direita na edição desta quinta-feira (20) do Três por Quatro, videocast de política do Brasil de Fato, apresentado por Nara Lacerda e Igor Carvalho. Além dele, a conversa contou com o presença do ex-presidente do PT José Genoino, que retorna à bancada do programa como comentarista para debater o motivo pelo qual o campo conservador deu início aos preparativos para o pleito presidencial tão cedo e o que tal manobra pode representar.
O cenário político para 2026 deve ter como principais atores o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que deve tentar a reeleição para seu quarto mandato, e Bolsonaro, inelegível desde 2023 por acusações de abuso de poder político e mau uso dos meios de comunicação e sob iminente risco de prisão pelas investigações pela tentativa de golpe de Estado. O ex-presidente, até o momento não declarou apoio oficial a nenhum candidato. No entanto, mesmo diante da impossibilidade legal imposta ao líder do campo extremista de direita, representantes da “direita oligárquica”, como reforça Medeiros, “acabam se submetendo ao bolsonarismo”, reforçando que todos os campos conservadores em algum momento formam uma coalizão no enfrentamento ao presidente Lula e a tudo o que sua imagem representa.
Em concordância, Genoino aponta que, apesar da diluição das intenções de voto dentre os diversos pré-candidatos no campo ultraconservador, os “interesses da extrema direita e da velha direita não são antagônicos”. Ele destaca ainda que as “dificuldades da extrema direita são um fenômeno internacional”.
É nesse contexto que surgem diversas candidaturas disputando o espólio político de Bolsonaro, evidenciando como a “extrema direita joga na confusão e no caos”, nas palavras de Genoino.
Candidaturas precipitadas e medidas desesperadas
A inércia de Bolsonaro em firmar apoio a um dos nove possíveis postulantes do setor conservador, além de favorecer a diluição dos votos dentre os candidatos, levanta a hipótese de que ele “está tentando copiar o presidente Lula”, na avaliação de Medeiros. Ele lembra que, quando ocorreu a “prisão sem provas” de Lula, ele manteve seu nome na disputa até a data limite para registro das candidaturas, e posteriormente passou a apoiar Fernando Haddad (PT).
Desta maneira, Bolsonaro poderia tentar alavancar a campanha de seu filho Eduardo Bolsonaro (PL), que, na última terça (18), anunciou sua licença do cargo de deputado federal e para permanecer nos Estados Unidos. Para isso, no entanto, o ex-presidente precisa contar com a aprovação da proposta de anistia, que restauraria seus direitos políticos.
Além do filho de Bolsonaro, outros nomes surgem neste período de pré-candidatura prematura. Entre eles, está Ronaldo Caiado (União), governador de Goiás, à frente dos conservadores “mais tradicionais da velha direita”, como explica Medeiros. Outro nome é Romeu Zema (Novo), governador de Minas Gerais, que, segundo Genoino, “não tem perfil para disputar uma eleição, principalmente no Nordeste e no Norte”. O governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), também é visto como uma figura “muito regional e local” pelo ex-presidente do PT.
Por fim, um dos principais nomes do campo conservador é Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo. No entanto, Medeiros lembra que ele “ainda pode disputar a reeleição” no estado, ou seja, teria de deixar de lado uma disputa doméstica mais fácil e se arriscar na corrida presidencial.
Para Genoino, essa movimentação no campo direitista no ano que antecede as eleições presidenciais é resultado do comportamento de seu atual representante principal: “Bolsonaro cria espetáculos, é provocador e não tem limites!”
Giro à esquerda
Se por um lado a direita está fragmentada e sem liderança clara, por outro, a esquerda também enfrenta desafios para 2026. Para Genoino, Lula só conseguirá viabilizar sua reeleição se fizer um movimento à esquerda. “Para disputar 2026, Lula tem que fazer um giro à esquerda. Não pode fazer um giro à direita, como alguns estão querendo. Tem que ser uma campanha mais popular, de maior enfrentamento”, defende.
Segundo Genoino, a fragmentação das candidaturas pode ser estratégica, mas, na hora da eleição, a direita tende a se unir. “Eles se unem para eliminar direitos sociais. Se unem no programa de privatização, na tirania fiscal, na submissão ao modelo imposto pelos Estados Unidos. Eles podem se diferenciar na forma, mas, na hora H, vão estar juntos defendendo os mesmos interesses”, alerta.
A construção de uma candidatura alinhada às bases sociais também pode ser uma resposta à tentativa da direita de capturar setores populares. “O que unifica a extrema direita é o absoluto ódio que eles têm à esquerda. A ideia de que o Brasil tenha parte do seu fundo público destinado para ajudar os mais pobres é inaceitável para eles. Por isso, Lula precisa reforçar esse compromisso com os setores populares, senão abre espaço para a reorganização da direita”, pontua Medeiros.
O videocast Três Por Quatro vai ao ar toda quinta-feira, às 12h, ao vivo no YouTube e nas principais plataformas de podcasts, como o Spotify.
Edição: Nicolau Soares