Com crédito, aluno migra para curso mais caro
O sonho do mineiro Abner Cury, de 22 anos, sempre foi estudar direito. Tentou a Universidade Federal de Uberlândia, mas não foi aprovado no vestibular. Acabou optando pelo curso de administração na Faculdade Pitágoras. O curso não lhe agradou e a mensalidade de R$ 500 era incompatível com seu salário de vendedor de carros, de R$ 625. Trancou a faculdade.
No começo deste ano, Cury soube que o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) do Ministério da Educação estava mais acessível. “Retomei a faculdade, mas dessa vez no curso de direito. Só voltei porque consegui o Fies. A mensalidade do curso de direito é de R$ 800, valor maior do que o da a faculdade de administração”, diz Cury, que pretende prestar concurso público quando se formar.
A história do jovem estudante é um dos reflexos do aumento expressivo do Fies neste ano. “Muitas pessoas fazem o curso que cabe no bolso e não o curso que realmente têm vontade ou vocação. Com o Fies estamos percebendo uma migração de cursos”, diz Marcelo Battistella Bueno, presidente do Grupo Anima de Educação.
“O tíquete médio dos alunos com Fies é R$ 797 contra R$ 575 dos estudantes sem o financiamento. Uma demonstração de que aqueles que optam pelo Fies estudam em cursos mais caros”, observa Rodrigo Galindo, presidente da Kroton.
Desde que foi criado em 1999, cerca de 1 milhão de alunos conseguiram o financiamento do governo que paga entre 50% e 100% da mensalidade de cursos de graduação. Mas o boom do Fies vem sendo verificado de janeiro para cá, quando 208,2 mil contratos foram fechados. Para efeito de comparação: no ano passado inteiro foram 152 mil, segundo dados do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), órgão do Ministério da Educação responsável pelo Fies. Esse crescimento acelerado é resultado da flexibilização das regras do programa, feita em meados do ano passado, quando foi dispensada a exigência de fiador para estudantes com renda familiar per capita de até R$ 933. Os juros de 3,4% foram estendidos para todos os cursos de graduação (em alguns, a taxa chegava a 6,5%), entre outras modificações.
Nas faculdades privadas, a participação do Fies vem aumentando significativamente e contribuído para o crescimento no número de matrículas. “Tivemos um aumento de 18% no último processo seletivo e a mola propulsora foi o Fies”, disse o presidente do Grupo Anima, dono de três centros universitários em Belo Horizonte e em Santos (SP), que há dois meses recebeu aporte de R$ 100 milhões da gestora de fundos BR Investimentos. Hoje, 24% dos alunos dos centros do Anima têm Fies. Há dois anos, essa parcela era de 3,4%.
Na Kroton, esses percentuais são ainda mais representativos. O grupo mineiro, que tem o fundo americano de “private equity” Advent como sócio, conta atualmente com 40 mil alunos estudando com Fies, o que representa 36% da carteira total, contra 4,4% de dois anos atrás. Entre os calouros, 52% fizeram suas matrículas com o crédito estudantil do governo. Outro ponto favorável do Fies, segundo Galindo, é a redução no volume de alunos que desistem da faculdade. O executivo destaca que 75% dos estudantes que largam os cursos o fazem por problemas financeiros. Com o financiamento, a taxa de evasão é 70% menor na Kroton.
Na Anhanguera e Estácio, 10% dos alunos têm crédito estudantil. “Hoje, temos 28 mil estudantes com o financiamento. Deste volume, cerca de 80% entraram no último vestibular”, explicou Virgílio Gibbon, diretor-executivo de finanças da Estácio. “Estamos divulgando mais o Fies. Ainda existe uma barreira cultural dos brasileiros para obter o financiamento estudantil”, disse Roberto Valério, vice-presidente de marketing da Anhanguera. Ele se refere à falta de hábito do brasileiro de financiar educação, um ativo não palpável como celular, carros e outros bens.
Galindo, da Kroton, lembrou ainda que a provisão para débitos duvidosos para alunos com Fies também é inferior: de 2,25%, contra 5% para quem não tem o Fies.
Pelas novas regras, as faculdades se responsabilizam por 15% do risco do financiamento e outros 85% são arcados pelo governo em caso de inadimplência. Os alunos com renda familiar per capita de até 10 salários mínimos podem obter financiamento de até 100% e não precisam mais apresentar fiador para conseguir os recursos do MEC. A maior parte dos solicitantes se enquadra nesse perfil de renda. Por exemplo, dos 136 mil contratos fechados nos três primeiros meses deste ano, 68 mil conseguiram financiamento de 100%.
O governo e as faculdades criaram um fundo garantidor que arca com a inadimplência. Entre 1999 e 2009, quando ainda vigoravam as regras antigas, a taxa de inadimplência média nacional era de 12%. Ainda não é possível mensurar o calote dos alunos que fecharam o contrato nessa nova etapa do Fies porque eles ainda não se formaram. O estudante pode pagar o empréstimo, cujos juros anuais são de 3,4%, em até 14 anos e meio para um curso de quatro anos. Durante a vigência da faculdade, o aluno paga R$ 50 por trimestre.
O Fies é válido para famílias com renda de até 20 salários mínimos, sendo que a parcela do financiamento pode variar de 50% a 100% do valor da mensalidade. As faculdades inscritas no Fies recebem como pagamento do governo títulos públicos que podem ser trocados pelo valor de face em leilões realizados todo mês.
Fonte: Jornal Valor Econômico