Comissão da Verdade aponta responsáveis pela morte de Rubens Paiva
São Paulo – O então major José Antônio Nogueira Belham e o tenente Antônio Fernando Hughes de Carvalho, do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do 1º Exército, no Rio de Janeiro, foram citados hoje (27), em relatório da Comissão Nacional da Verdade, como responsáveis pela morte do deputado Rubens Paiva, em 1971, aos 41 anos. Segundo o documento, o oficial (hoje general da reserva), à época comandante do DOI, tinha conhecimento dos riscos que Paiva corria e não tomou nenhuma atitude, enquanto Carvalho, que morreu em 2005, foi identificado por uma testemunha como o agente que torturou o deputado. O general deve ser denunciado. A CNV pode pedir à Câmara dos Deputados a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).
“A conclusão que temos é que o general teve total ciência dos eventos relativos à morte de Rubens Paiva”, diz o coordenador da CNV, Pedro Dallari. “O general Belham sabe o que aconteceu com o corpo de Rubens Paiva, está vivo e tem a obrigação moral de esclarecer o que aconteceu”, acrescentou. O militar foi chamado para prestar novo depoimento, mas se negou. Segundo a comissão, “seu advogado alegou que ele será denunciado criminalmente e não tem mais interesse em prestar esclarecimentos”.
Belham afirmara à comissão que estava de férias na época da prisão e do desaparecimento de Rubens Paiva. Mas documento obtido pela CNV contesta essa alegação: “A folha de alterações funcionais do general Belham, emitida pelo Ministério do Exército, registra que suas férias foram interrompidas para fazer ‘deslocamento em caráter sigiloso’ (com saque de diárias) no dia 20 de janeiro, data da entrada de Rubens Paiva no DOI do I Exército”. O depoimento de Belham foi dado em 13 de junho de ano passado a Claudio Fonteles, que não integra mais a comissão.
Paiva foi preso em 20 de janeiro de 1971 em sua casa, no Leblon (zona sul do Rio), por agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa). Segundo a CNV, sofreu as primeiras torturas no quartel da 3ª Zona Aérea, ao lado do aeroporto Santos Dumont e comandado pelo brigadeiro João Paulo Moreira Burnier. No mesmo dia, foi entregue ao DOI, na Tijuca (zona norte) – o órgão foi comandado por Belham de novembro de 1970 a 19 de maio de 1971.
O coronel Ronald Leão, que morreu em novembro do ano passado, relatou à CNV que Rubens Paiva foi recebido no DOI por dois agentes do Centro de Informações do Exército (CIE): Freddie Perdigão Pereira, já falecido, e Rubens Paim Sampaio. A testemunha que a Comissão da Verdade denomina de “Agente Y” afirmou que, ao ver a situação do deputado, foi com Leão até a sala do major Belham, para alertá-lo de que Paiva não sobreviveria às torturas praticadas por um “agente loiro e alto” cujo nome não precisou, mas seria algo como “Hugh”, “Huges” ou “Hughes”. Na última segunda-feira (24), em novo depoimento, o mesmo “Agente Y” reconheceu foto do agente Antônio Hughes.
Na declaração à CNV, o agente usa um eufemismo para referir-se à tortura sofrida por Paiva, que testemunhou quase no final do expediente, por volta das 17h. “(…) reparei que a porta de uma das salas de oitiva do DOI estava entreaberta. Salas essas, repito, de uso exclusivo do DOI, conforme já relatei. Ao dirigir-me para fechá-la, deparei com um interrogador do DOI, de nome Hughes (Hugh? Huges?), no seu interior, utilizando método não tradicional de interrogatório em uma pessoa que, de relance, me pareceu ser de meia idade. Presumi que aquilo poderia ter consequências desagradáveis”.
Em janeiro, o agente prestou declarações complementares nas quais explicou que por “interrogatório não convencional” se referia “à pressão feita com força pelo Tenente Hughes contra o senhor, que viria a saber tratar-se de Rubens Paiva, contra a parede”. Foi quando ele teve o “sentimento” de que Paiva poderia não resistir, embora não pudesse afirmar que aquilo determinou a morte do deputado.
O jornal O Globo informa na edição de hoje que o coronel da reserva Armando Avólio Filho relatou à CNV ter visto Hughes de Carvalho torturando um preso político – e pulava sobre o corpo do prisioneiro.
A comissão cita ainda outro documento do I Exército, apreendido em 2012 na residência do coronel Júlio Molinas, em Porto Alegre. Nele, se registrada a entrega para o general Belham de dois cadernos de Rubens Paiva. Molinas, assassinado a tiros em 2012, em suposto assalto, também foi comandante do DOI do I Exército. Havia ainda um registro da entrada do deputado naquela unidade militar, em 20 de janeiro de 1971.
“De outra parte, o Agente Y e o coronel Ronald Leão afirmaram em suas declarações que alertaram o general Belham, na tarde do dia 21 de janeiro, que Rubens Paiva estava sofrendo agressões físicas, por parte do agente Hughes, às quais poderia não sobreviver”, diz a CNV, que conclui no relatório que o militar estava ciente das torturas que levaram o deputado à morte – e também chefiava o DOI quando se executou a farsa do resgate de Paiva e foi decidida a ocultação de seu corpo.
À época, divulgou-se a informação de que ele havia sido “resgatado” por pessoas desconhecidas enquanto era conduzido por agentes para interrogatório. A versão foi mantida pelo Ministério do Exército em 1993, em relatório encaminhado ao Ministério da Justiça. Mas em depoimento dado à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, em novembro de 2013, o coronel da reserva Raymundo Ronaldo Campos conta que foi montada uma operação para justificar o desaparecimento de um prisioneiro – no caso, Rubens Paiva. Ele (Campos) foi orientado a pegar um carro, levá-lo para longe e “tocar fogo” no veículo.
“Duas pessoas foram até Belham, ele examinou documentos, sabia que ele (Paiva) estava lá, como comandante tinha que saber que um médico foi lá, que disse que Paiva tinha de ser hospitalizado, e não tomou providência”, afirmou Rosa Cardoso, integrante da CNV responsável pelo caso. Levantamento da comissão aponta outros nove presos políticos que passaram pelo DOI e foram mortos ou estão desaparecidos.
Segundo Dallari, se houver decisão majoritária no colegiado, a CNV poderá requisitar ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), a abertura de uma CPI para investigar a morte e a ocultação de cadáver de Rubens Paiva.
A Comissão da Verdade lembra ainda, em seu relatório, que Hughes de Carvalho recebeu em 1971 a Medalha do Pacificador. Era uma “homenagem especial do Exército, pelos assinalados serviços prestados no combate à subversão, colaborando dessa forma para a manutenção da lei, da ordem e das instituições”.
Eleito em 1962 pelo PTB, partido do então presidente João Goulart, Rubens Paiva foi vice-presidente da CPI, instalada em 1963, para investigar as atividades do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e do Instituto Brasileira de Ação Democrática (Ibad), acusados de receber recursos do exterior para desestabilizar o governo. Com o golpe, o deputado foi cassado e deixou o país, retornando em 1965.
O relatório parcial da comissão sobre o caso está disponível na página da CNV na internet.
Da Rede Brasil Atual