Como a reforma trabalhista pode aumentar a sua carga horária
A reforma proposta pelo governo Temer permite elevar significativamente a jornada de trabalho. As mudanças devem ser votadas pelo Congresso no início do ano
A reforma trabalhista do governo Temer pode elevar de modo significativo a jornada de trabalho dos brasileiros, além de gerar outras mudanças importantes na vida dos brasileiros. Essa é a primeira de uma série de matérias em que a Repórter Brasil explica as principais mudanças propostas pelo governo, e como elas podem impactar o cotidiano dos trabalhadores.
O assunto é tratado como urgente. Na próxima semana, os deputados retornam das férias e esse deve ser um dos primeiros pontos da pauta. Enviada ao Congresso dois dias antes do Natal, a votação da reforma pode ocorrer dias ou semanas depois do recesso. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) é o maior defensor de que a proposta seja apreciada em regime de urgência.
Além da carga horária, outras mudanças em vista são a forma de remuneração, o parcelamento das férias e o trabalho em home office. Esses aspectos poderão ser negociados diretamente entre sindicatos e empresas, de acordo com o projeto de lei 6.787/2016, que contém os principais pontos da reforma. Além disso, a proposta facilita a criação vagas temporárias e em tempo parcial, que dão menos direitos aos funcionários e podem tomar o lugar dos empregos tradicionais.
Muitas dúvidas ainda pairam sobre a reforma. Juristas e advogados questionam a legalidade de medidas contidas na proposta, potencialmente contrárias a princípios básicos da Constituição. Como por exemplo a jornada máxima de 44 horas semanais e a garantia do salário mínimo.
O Ministério Público do Trabalho afirma que o projeto é inconstitucional e defende a sua rejeição por completo. Se aprovadas, a previsão do órgão é que as medidas gerem insegurança jurídica e muita confusão nos Tribunais.
Jornada de trabalho
Se já estivesse valendo no mês de janeiro de 2017, o projeto do governo Temer abriria uma brecha para 28 horas de serviço acima do limite atual. Seria o equivalente a sete horas extras por semana, nas quatro semanas cheias do mês.
Em outros meses, com mais feriados e menos dias úteis, o estrago poderia ser ainda maior. A jornada máxima em abril de 2017, por exemplo, poderia chegar a 164 horas. Seria necessário trabalhar 11h36 por dia para cumprir a jornada total de segunda à sexta.
Ainda há muitas incertezas sobre essas mudanças, devido às contradições entre o texto constitucional e o da nova lei. Por isso, por enquanto, só é possível fazer estimativas.
Como é – A Constituição limita a duração da jornada a oito horas diárias e 44 semanais. São permitidas, além disso, até duas horas extras por dia, desde que em caráter eventual.
Como fica – Acordos entre sindicatos e empregadores passam a ter força de lei para negociar jornadas de até 220 horas mensais – um aumento significativo nas horas trabalhadas.
O projeto de lei também relativiza o limite máximo de 10 horas de trabalho por dia: as oito horas normais acrescidas de duas horas extras. Acordos coletivos estabelecendo jornadas de até 24 horas ininterruptas, que foram invalidados pela Justiça do Trabalho no passado, tenderiam a ganhar respaldo jurídico.
Além disso, não está claro se há margem para jornadas que superam o limite de 220 horas mensais, com as horas excedentes sendo computadas como horas extras. “O projeto de lei permite esse entendimento”, avalia Guilherme Feliciano, vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra). Seria uma situação semelhante à do Japão, onde as horas extras podem ser estendidas sem limites e o excesso de trabalho gera números alarmantes de suicídios e mortes por exaustão.
Por fim, o controle das horas trabalhadas é outro aspecto que tende a ser impactado, pois a forma como ele é feito passaria a ser objeto de negociação entre empregadores e sindicatos [atualmente, os critérios para o registro eletrônico de ponto são regulados por uma portaria do Ministério do Trabalho]. Segundo Feliciano, isso contribuirá para a adoção de sistemas não confiáveis de registro.
Mesmo sem a autonomia que o projeto lhes confere, diversos acordos entre patrões e sindicatos já são questionados nos Tribunais por prejudicarem os trabalhadores. Até mesmo denúncias de corrupção pairam sobre eles. “A realidade sindical brasileira é marcada pela presença, lado a lado, de sindicatos sérios, combativos e dotados de grande representatividade e de sindicatos com pouca ou nenhuma legitimidade”, avalia o procurador geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, em nota técnica sobre a reforma trabalhista. “São geridos por um pequeno grupo de pessoas que os exploram como se a entidade fosse seu patrimônio pessoal”.
Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk