Conheça o novo plano econômico de Cuba que entrará em vigor em 2021

Reforma aumentará salários, permitirá circulação do dólar e favorecerá investimento estrangeiro

O presidente de Cuba Miguel Díaz Canel anunciou, no dia 10 de dezembro, um novo plano econômico a partir de 2021, que inclui unificação monetária, maior abertura para investimento estrangeiro e liberação da circulação do dólar na ilha.

A partir de 1º de janeiro o peso conversível (CUC), criado em 1994, para controlar a circulação do dólar dentro da ilha, deixará de existir. Os produtos e serviços poderão ser vendidos em pesos cubanos (CUP) ou em moedas estrangeiras, e o câmbio será fixado em 24 pesos equivalentes a um dólar estadunidense. Haverá seis meses para que os cidadãos troquem todos os seus CUC por CUP.

De acordo com as autoridades, as medidas buscam driblar as dificuldades geradas pelo bloqueio econômico imposto desde 1961 pelos Estados Unidos, com um prejuízo acumulado estimado em US$ 1,98 trillhão, além de distribuir melhor os recursos disponíveis.

A nação caribenha encerra o ano com uma retração de 11% do PIB. Com a reforma, a expectativa é recuperar um crescimento de 7% no final de 2021.

A unificação monetária deverá gerar uma desvalorização de 2.300% da moeda, já que atualmente o setor empresarial pode acessar os dólares à taxa de câmbio de 1 CUC = US$1. Com o fim do controle de câmbio, os empresários deverão acessar os dólares por outras vias que não seja o Estado. As exportações e as vendas pelo Porto de Mariel terão uma taxa aduaneira de 20% do valor total.

As empresas estatais com déficit terão um ano para recuperar-se até que o Estado pare de pagar subsídios. De imediato, os custos de produção devem incrementar 12 vezes, o que se verá refletido no preço final, gerando inflação.

De acordo com Marino Murillo Jorge, chefe da comissão de implementação do plano, a pouca oferta atual de produtos no mercado cubano, junto ao aumento dos custos e incremento dos salários, deverá culminar num processo inflacionário, que pode ser superior ao valor projetado.

“Mas existe um grupo de medidas concebidas que serão tomadas para isso. Entre as principais podemos sinalizar que os preços abusivos e especulativos não serão permitidos e se enfrentarão socialmente com medidas de contenção, mas também se aplicará medidas severas para aqueles que não cumpram com esse termo”, declarou o cônsul de comércio de Cuba no Brasil, Raúl González.

A “Tarefa Ordenamento” também irá aumentar os salários em 450% e as aposentadorias em 500%, estabelecendo o salário mínimo em 2100 pesos cubanos (cerca de US$ 87 ou R$ 442) e o máximo em 9.510 pesos (cerca de US$ 396). Atualmente, existe 1,7 milhão de pensionistas e cerca de 24,7 mil cubanos ganham um salário mínimo.

Assim como China e Vietnã, Cuba irá definir sua tabela salarial de acordo com os custos da cesta básica alimentar. Segundo o Ministério de Economia, a cesta básica cubana custa 1.528 pesos; no entanto, para quem vive em Havana, os gastos com moradia, alimentação e transporte rondam de 2 a 3 mil pesos cubanos.

Uma primeira parcela das pensões e salários será paga em dezembro, assim como um bônus de mil pesos cubanos para preparar os cidadãos para as mudanças de preço a partir de janeiro. Aproximadamente 85% da população economicamente ativa é empregada pelo setor público, equivalente a 3,5 milhões de trabalhadores.

Desde agosto, o Executivo já havia liberado a existência de lojas que cobram em dólares, como um dos passos prévios ao novo plano.

“As pessoas dizem que estão vendendo em uma moeda que não lhe pagam. E isso é certo, mas a receita com essa moeda vai financiar produção que será vendida a essa moeda com que pagamos os salários [peso cubano]. Do contrário, de onde iríamos tirar o dinheiro? Qual é a mágica?”, afirmou o ministro de Economia Alejandro Gil Fernández, durante um programa Mesa Redonda, da televisão nacional cubana. 

Subsídios

Com isso, o Estado também acabará com as cadernetas de abastecimento – uma lista de alimentos da cesta básica subsidiados por família. A partir de 2021, o subsídio seria direcionado aos grupos mais vulneráveis, como mães solo, pessoas com deficiência e desempregados.

“A atualização do nosso modelo econômico social tem como base garantir a todos os cubanos maior igualdade de oportunidades, de direitos e de justiça social. E que essa justiça social não seria possível por ações de igualitarismo, senão promovendo o interesse e a motivação pelo trabalho”, afirmou o cônsul de comércio Raúl González.

As bases para esta reforma, segundo o cientista político Ernesto Wong, foram aprovadas no último congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC), que contou com a presença de Fidel Castro, em 2016.

“Agora ao melhorar os salários e reduzir os subsídios haverá uma maior necessidade de produção, gerando um mercado maior e uma situação mais estável”, afirma.

De acordo com o chefe da comissão de implementação da reforma, Marino Murillo, somente a eletricidade tem de 45 a 50% do seu valor subsidiado até chegar ao consumidor, o que corresponde um repasse de 17,8 bilhões de pesos cubanos dos cofres públicos às empresas.

Uma das saídas para aumentar a arrecadação do Estado seria a permissão de contratos com participação majoritária de empresas estrangeiras em todos os setores, com exceção da extração de recursos naturais e prestação de serviços públicos.

“Todas as medidas estão dirigidas a aumentar a produção nacional, as exportações de bens e serviços, e estimular ainda mais o investimento estrangeiro direto. O que buscamos com essas medidas? Potencializar todas as possíveis fontes de ingresso direto que produzirão o equilíbrio necessário para sustentar os incrementos no salários, nas aposentadorias e nas pensões de seguridade e proteção social”, afirma González.

Inflação

O modelo se parece ao adotado pelo governo venezuelano nos últimos planos de recuperação econômica. Por isso um dos questionamentos é se o resultado não será o mesmo: hiperinflação induzida e o quase desaparecimento da moeda nacional. O Estado aceitará o câmbio de 24 pesos cubanos para um dólar nas suas transações, no entanto o câmbio não oficial nas ruas de Havana já chega a 60 pesos cubanos para um dólar.

O próprio presidente Miguel Díaz Canel reconhece a possibilidade de inflação, mas assegurou que ninguém ficará desamparado. “A  tarefa não está isenta de riscos, um dos principais é que se produza uma inflação superior à desenhada, agudizada pelo atual déficit de oferta”, afirmou ao anunciar o plano em companhia de Raúl Castro, secretário geral do PCC.

Wong confia no poder popular para conter a possível especulação de preços.

“Em Cuba o controle, exercido pelas organizações populares, políticas e de massa, faz com que não durem muito tempo as travas de caráter que são contraditórias com as leis aprovadas pela Assembleia Nacional”, declarou o politólogo cubano.

Comércio exterior

Por outro lado, a biomedicina será um dos carros-chefe do novo período de reativação da economia. Cuba lidera a corrida na América Latina por uma vacina contra a covid-19, com a Soberana 01 já em fase final de testes e outros três fármacos em desenvolvimento.

Para o professor Ernesto Wong, a ilha também assume vantagem internacional pela grande massa de cubanos com ensino superior completo, oferecendo uma classe trabalhadora qualificada para diversifcar a economia em tempos de crise. Além de relações próximas com a China e outros países asiáticos, que conformam um polo econômico em ascensão na geoplítica mundial.

“Cuba tem essa vantagem de ter acelerado sua aproximação à Eurásia e acabou de garantir seu assento como Estado associado ao Conselho Econômico da Eurásia. E isso é importantíssimo, porque começam a tratar como Estado associado, com algumas facilidades”, analisou.

Cuba também participa como observador em reuniões da Associação de Países do Sudeste Asiático (Asean), que reúne 10 nações com PIB anual de US$2,6 bilhões.

Segundo Wong, o Estado oferecerá cerca de 510 novos projetos de investimento na Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel e nas zonas turísticas, que gerarão 45 mil vagas de trabalho.

Relação com os EUA

Em 2016, com Barack Obama e Joe Biden, Cuba e Estados Unidos começaram um processo de retomada de relações diplomáticas, com reabertura de embaixadas e de voos comerciais, além do levantamento das sanções para os turistas norte-americanos que visitassem a ilha.

No entanto, com a chegada de Donald Trump, os decretos presidenciais foram suspensos e todos os processos paralisaram ou foram revertidos. Trump ativou o volume III da Lei Helms Burton, de 1996, permitindo que estadunidenses processem empresas cubanas ou outras empresas estrangeiras que comercializem com o país caribenho, nos tribunais dos Estados Unidos.

Além disso, a Casa Branca fechou a embaixada em Havana, emitiu sanções obrigando o fim dos serviços de Western Union na ilha e ainda limitou o envio de remessas a US$1 mil a cada três meses. Somente nos Estados Unidos residem cerca de 1,3 milhão de cubanos, de acordo com senso de 2018. Somado aos milhares de profissionais que trabalham em missões ou projetos de cooperação, as remessas representam quase 20% do PIB cubano.

E para seguir asfixiando a vida no país, Trump também impôs multas a empresas petrolíferas ou transportadoras marítimas que levassem combustível à Cuba. Somente em 2019, foram cinco pacotes com cerca de 90 medidas econômicas contra a ilha e seus parceiros comerciais.

“No plano econômico anterior, que foi avaliado este ano pela Assembleia, cerca de 55% das moedas estrangeiras que esperávamos que entrassem no país não vieram. Isso significa a metade. Algo que planejávamos apesar do governo de Trump, mas como Trump suspendeu os voos, que haviam sido aprovados por Obama, a quantidade de turistas caiu muito e ainda agregamos a isso a pandemia”, aponta Wong.

Além da retração econômica, o Estado finalizou o ano com um déficit fiscal de cerca de US$ 864 mil.

O professor cubano considera que há uma divisão dentro do establishment entre um setor que aspira seguir atuando de maneira global e outro focado no desenvolvimento capitalista interno, nacional. A nova reforma é aprovada num momento de expectativa de retomada das negociações com Washington, com a presidência de Joe Biden.

“Nós esperamos que o presidente eleito Biden use sensatez, racionalidade e volte a estudar com atenção o passado e o salto das relações entre ambos países, para com isso, poder assumir uma relação civilizada, de livre intercâmbio e mútuo benefício. E certamente com respeito a nossa independência, soberania e autodeterminação”, comenta González.

Brasil de Fato

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