Contee na rede: Professores temem Big Brother ideológico nas salas de aula
por Carolina Moura, especial para Ponte
O site Ponte publicou reportagem sobre a atitude da deputada eleita de Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo (PSL), que anunciou criação de um canal informal para que alunos denunciem professores que fizerem comentário de cunho político em sala de aula. A coordenadora da Secretaria de Assuntos Educacionais da Contee, Adércia Bezerra Hostin dos Santos, foi uma das professoras ouvidas na matéria. Leia abaixo:
Uma hora depois da vitória de Jair Bolsonaro (PSL) nas eleições deste ano, a deputada estadual eleita Ana Caroline Campagnolo (PSL) divulgou em suas redes sociais um programa para atender denúncias de alunos em relação a seus professores dentro de sala de aula. De acordo com a publicação da futura parlamentar no Facebook, muitos professores devem estar inconformados com o resultado das eleições e não vão conseguir se conter em sala de aula, influenciando a classe com suas queixas político-partidárias.
“É muito violenta essa atitude dela. Isso me lembrou os arapongas, na época dos anos 70, na ditadura. Ela autoriza os estudantes a denunciar seus próprios professores, mas denunciar com base em quê?”, indagou a professora de sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Berenice Bento. “Qual fundamento? A gente vai para sala de aula, não escuta, não conversa sobre conjuntura, não fala do que está acontecendo. Essa atitude da deputada talvez seja o maior perigo de tudo que está acontecendo aqui. No momento que temos essa figura fascista que é o Bolsonaro, presidente da República, que provoca relações sociais difusas violentas, é uma senha que ele dá ao eleitor dele: ‘você sou eu. Vamos à caça’”, acrescentou.
Para Berenice, uma atitude dessa precisa se rechaçada. “Nós professores vamos ser caçados. O que acho? Nós vamos resistir. Vamos continuar usando o espaço da universidade, das escolas, como espaço de crítica e reflexão. Eles não vão conseguir sequestrar isso. Temos que fazer o inverso. Denunciar a deputada e pedir para cassar o mandato dela”, afirmou.
A professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Marlene de Favere declarou que a publicação é inconsequente. “Ela incita a violência, a coação a uma categoria profissional e não atribui para a livre expressão e para o diálogo e o debate salutares em uma sociedade democrática”, disse. “Além disso, induz os alunos a descumprirem a Lei 14.363, de 25 de janeiro de 2008, que dispõe sobre a proibição do uso de telefone celular nas escolas estaduais do estado de Santa Catarina”, completou.
A presidente do Sindicato dos Professores de Itajaí, Adércia Bezerra, disse que os professores estão perdendo sua liberdade e o diálogo dentro da sala de aula. “Em muitas instituições de ensino, principalmente particulares, os professores estão tendo que se posicionar anulando os conhecimentos a serem passados para não influenciar”, respondeu. “De forma velada, o que a Ana Caroline, que se diz ser professora de história, vem fazendo é trazer a tona a lei da Mordaça, que é proibido em muitos estados. Ela impõe limitações no fazer pedagógico”, completou. Em linhas gerais, Adércia afirma que o anúncio da deputada eleita reforça o conceito, que ganhou terreno nos últimos meses, sobre a “escola sem partido”.
“Hoje os professores devem ficar, na maioria das vezes, só naquilo que precisa dar aula, sem dialogar ou expressar sua opinião, ou até mesmo levar conhecimento. E uma das grandes conquistas foi a liberdade”, acrescentou. “O que tem por trás disso tudo, além da onda opressora em cima do professor que perde seu direito, é uma deputada que quer anular a discussão sobre outros assuntos, como gays, trans, lésbicas, homossexuais. Precisamos fazer alguma coisa pela democracia. O que está em jogo é o nosso direito de ir e vir, a liberdade de expressão”, finalizou Adércia.
A professora de história da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Letícia Nedel lamenta que ela esteja eleita com o propósito de mudança. “Mudar para pior. Grande vantagem! Nosso papel é justamente o de lembrar a sociedade do que ela quer esquecer”, declarou. “Se esses novos da política não são capazes de reconhecer a necessidade de reservar espaço para autocrítica social é porque não são capazes de viver em sociedade”, criticou.
Nas redes sociais, professores de outros estados repudiam o ato da deputada e compartilham o abaixo-assinado. Alguns comentam que Bolsonaro nem tomou posse, mas a onda conservadora já ganha terreno.
Ana Caroline Campagnolo venceu eleição para deputada estadual por SC | Foto: Reprodução Instagram
Professora de história, Ana Caroline tem um canal no Youtube com mais de 30 mil inscritos e se define como “antifeminista”. Nas publicações, comumente critica o que chama de “doutrinação” na educação. Em março deste ano, Ana Caroline publicou um vídeo dizendo que professor só pensa no dinheiro e que os educadores brasileiros estão cada vez piores.
O cientista político, educador e doutorando em educação Daniel Cara comentou que as opiniões da atual deputada eleita sobre educação demonstram total desconhecimento das evidências empíricas da área. “Campagnolo afirma que professores brasileiros desejam apenas melhoria salarial. Em primeiro lugar, essa é uma reivindicação justa, inclusive pela baixíssima remuneração dos docentes das escolas de educação básica. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil é o país que paga os piores salários docentes para o Ensino Fundamental”, disse Daniel Cara.
O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) informa que vai apurar a conduta da deputada estadual eleita Ana Caroline Campagnolo. A 25ª Promotoria de Justiça de Florianópolis instaurou na segunda-feira (29/10), um procedimento para verificar “possível violação ao direito à educação dos estudantes catarinenses para adoção das medidas cabíveis”, segundo assessoria de imprensa do MPSC.
O Ministério Público Federal publicou uma recomendação nesta segunda-feira (29/10), motivado pela declaração da deputada eleita, pedindo que as universidade preservem os professores de “assédio moral em face desses profissionais, por parte de estudantes, familiares ou responsáveis”. No documento, o procurador Carlos Humberto Prola Junior direciona a solicitação aos representantes legais das instituições de ensino superior do estado de Santa Catarina e dá prazo de até dez dias úteis para que se manifestem sobre a orientação. “Recomendo que as instituições se abstenham de qualquer atuação ou sanção arbitrária em relação a professores, com fundamento que represente violação aos princípios constitucionais e demais normas que regem a educação nacional, em especial quanto à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e ao pluralismo de ideias e de concepções ideológicas”, escreveu.