Contra o Precedente Normativo 119: Novas perspectivas sobre o financiamento das entidades sindicais

“Raspai o juiz, encontrareis o carrasco.”

Esta enigmática e instigante frase do renomado escritor francês, Victor Hugo – autor de obras clássicas e imperdíveis como “O Homem que ri”, “Os miseráveis” e “Napoleão, o Pequeno” –, ao que parece, foi feita sob medida para o tratamento dado à organização sindical dos trabalhadores pela Justiça do Trabalho, em todas as suas instâncias, notadamente quanto à estabilidade dos dirigentes sindicais, o direito de greve e o financiamento das entidades sindicais.

A rigor, o único tratamento, conforme a Constituição Federal (CF), dispensado pela Justiça do Trabalho à organização sindical diz respeito ao inovador instituto da substituição processual, hoje reconhecida como ampla e irrestrita, o que representa uma conquista de longo alcance social, capaz de, se bem manejada, constituir-se em formidável instrumento de fortalecimento dos sindicatos. As ações coletivas, indiscutivelmente, constituem-se no porto seguro do processo trabalhista.

Cabe destacar recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que aplicou, corretamente, o Art. 8º da Constituição Federal a sua própria jurisprudência e a do Supremo Tribunal Federal (STF), para concluir que o ente sindical tem ampla legitimidade para a defesa dos direitos e interesses coletivos e individuais da categoria que representa, inclusive quando se tratar de redução de remuneração de professores.

Assim, a dimensão do Sindicato no mundo jurídico se torna cada mais relevante.

No que tange ao financiamento das entidades sindicais, objeto desta reflexão, a posição da Justiça do Trabalho, consagrada e infelizmente sedimentada pelo Precedente Normativo (PN) N. 119, da Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (SDC-TST)- que proíbe terminantemente a cobrança de contribuição de quem não é associado-, não só é inconstitucional, como atentatória da livre organização sindical e, ainda que não seja este o seu objetivo, pelo menos explicito, um dos fortes fatores inibidores da associação sindical, pois que, à luz dele, este ato essencial à vida sindical tornou-se uma punição: quem se filia paga; quem não se filia, não paga e goza dos mesmos benefícios de quem paga, exceto quanto ao direito de votar e ser votado.

Exatamente por assim entendê-lo, a Contee ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), perante o Supremo Tribunal Federal (STF), que recebeu o N. 277, e foi distribuída ao ministro Ricardo Lewandovski.

No âmbito do TST, graças ao empenho do seu novo presidente, ministro Barros Levenhagem, que, para além da serenidade e da ímpar forma respeitosa com que trata as partes processuais e os(as) trabalhadores(as), tem se mostrado sensível às relevantes questões sociais, como, por exemplo, a do financiamento das entidades sindicais, reabriu-se a discussão sobre a pertinência do citado PN.

Aos 19 dias de agosto próximo passado, o Pleno do TST, por iniciativa de seu presidente, após intensa discussão, deliberou sobre o cancelamento do comentado PN, sendo que 12 ministros votaram pelo cancelamento e 11 pela sua manutenção. Apesar de a maioria dos 23 ministros presentes à referida sessão haver votado pelo cancelamento, por determinação regimental, ele foi mantido, porque, nos termos do Regimento do TST, tanto para a aprovação quanto para o seu cancelamento, são necessários 14 votos, que se constituem na maioria absoluta do total de ministros, que é de 27.

Registra-se que, não obstante mais esta derrota sofrida pela organização sindical brasileira, que lhe foi imposta pelo Regimento do TST, a posição adotada pelos 12 ministros que votaram pelo cancelamento do PN abre nova perspectiva para os sindicatos, que não devem desanimar-se; ao contrário, devem persistir na busca deste objetivo.

Ademais, agora, em qualquer processo trabalhista que se discutir a obrigação de os não associados também contribuírem para os seus respectivos sindicatos, estes terão um argumento sólido e incontestável, qual seja a posição de doze ministros do TST, que corrobora tal entendimento.

Adailton Teixeira – Assessor jurídico da Contee
José Geraldo de Santana Oliveira – Assessor Jurídico da Contee

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