Copa para quê? Copa para quem?
O Portal da Contee traz abaixo o segundo artigo da série de textos, matérias e entrevistas sobre a Copa do Mundo de 2014. Não deixem de ler e refletir!
Particularmente neste último ano, de junho de 2013 até o presente, às vésperas do início da Copa do Mundo no Brasil, setores da sociedade brasileira levantaram-se em pé de guerra contra a realização do maior torneio de futebol do mundo em terras pátrias. Dentre as diversas palavras de ordem gritadas nas ruas das principais cidades brasileiras, principalmente nas cidades sedes do mundial, duas delas se destacaram: “Copa para quê e Copa para quem?”. Antes de tentar responder às duas questões, algumas considerações sobre a história dos mundiais de futebol são necessárias.
Desde sua primeira edição em 1930 no Uruguai, a Copa do Mundo de Futebol tornou-se objeto de desejo dos principais países do mundo. E não é algo a toa. Organizá-la, desde sempre, representou – de modo crescente ao longo dos anos – a possibilidade de investimentos econômicos e financeiros importantes em cada país organizador ao lado de incrementos em diversas áreas da economia evolvendo o comércio, hotelaria e turismo e a própria produção industrial local. Para organizar uma Copa, os países realizam obras diversas em infraestrutura. O interesse é tamanho que os principais países do mundo disputam sucessivamente a indicação para sediá-la. Um caso emblemático é o dos Estados Unidos. País sem qualquer tradição no futebol, recebeu o torneio em 1994 e candidatou-se recentemente para sediar a Copa em 2022, que será realizada no Qatar. Em 2002 a Copa foi realizada em dois países, Japão e Coreia do Sul. Da seleta lista constam ainda França, Alemanha e México com duas edições cada, Inglaterra, Suíça, Suécia, Espanha, Argentina e, claro, o Brasil. Em um resumo singelo, podemos afirmar que Copa do Mundo interessa a qualquer país, pois ela agrega recursos de boa monta de forma direta e indireta.
Outro aspecto relevante desse debate se dá em torno da relação cultural do povo brasileiro com o futebol. E ela é intensa e intrínseca. Grande parte da nossa população adora o futebol e em torno dele desenvolvemos ao longo das décadas diversos aspectos da nossa fisionomia cultural, do mero hábito de ouvir ou ver um jogo passando pelo nosso padrão de consumo bem como para as nossas relações sociais e a forma como, muitas vezes, nos relacionamos com amigos e parentes tendo o futebol como elo de ligação. Para milhares de jovens, notadamente dos setores mais populares, o futebol é uma plataforma de ascensão social. Desconsiderar esse traço distintivo da nossa cultura para analisar a importância ou não de uma Copa do Mundo no Brasil é desenvolver uma análise capenga e que desconsidera o elemento mais fundamental de uma nação: seu povo e sua cultura.
Então, vamos à primeira pergunta: “Copa para quê?”. Ao invés de vans filosofias, me atenho aos números gerais envolvendo o torneio, conforme dados extraídos do Ministério do Esporte, da Fifa e de institutos independentes como o Ernest & Young que se debruçaram sobre o torneio brasileiro nos últimos anos. Os dados são absolutamente estrondosos quando estabelecemos a relação custo-benefício:
1) – para um total de investimentos de R$ 28 bilhões em mais de 400 obras de infraestrutura, serviços como segurança, lazer, turismo e cultura, o retorno para o país será equivalente a cinco vezes o total de gastos, ou seja, algo em torno de R$ 150 bilhões estão sendo injetados na economia nacional considerando o período 2009-2014. As 12 cidades sedes receberam um aporte portentoso de mais de R$ 15 bilhões com a modernização, notadamente no setor de mobilidade urbana;
2) – a geração de empregos é outro elemento estupendo do mundial. Algo como 3,6 milhões de empregos por ano estabelecendo renda aos trabalhadores envolvidos na casa dos R$ 64,5 bilhões;
3) – a cada ano, desde 2010, o PIB brasileiro tem um incremento da ordem de 0,4, o que significa, em termos globais, mais de 2% do PIB para o período;
4) – a arrecadação de impostos geradas pelo mundial está impactando positivamente também o “caixa” de municípios, estados e do governo federal com a entrada extraordinária de mais de R$ 18 bilhões.
Esses são apenas alguns dados importantes sobre o mundial e seus impactos positivos para a economia do país como um todo, para o aumento do mercado de trabalho e para a renda de grandes parcelas dos trabalhadores envolvidos direta ou indiretamente com a estrutura do mundial. Logo, a questão “Copa para quê?” pode ser plenamente respondida através da análise simples dos dados acima. Repito o argumento acima exposto: organizar Copa do Mundo é ganho garantido para qualquer país do mundo. Por que não seria no caso do Brasil? Acaso somos portadores de alguma doença intrínseca que nos impede de usufruir de um evento desse porte? Caso isso fosse verdade, o Brasil não teria atingido, com todas as limitações de uma nação colonizada por três séculos, o posto de sétima economia mundial nos últimos anos.
A outra questão, “Copa para quem?”, veio inserida na falsa ideia, na equivocada percepção de que o torneio retirou dinheiro de setores vitais como a educação, saúde e habitação e que os recursos nele investidos deveriam ser utilizados para aprimorar esses serviços públicos fundamentais. Há aqui vários equívocos gigantescos e um sem-número de desinformações gritantes, potencializados principalmente por uma cobertura midiática assumidamente parcial e manipuladora que utilizou o mundial como arma de ataque aos governos Lula e Dilma, sonegando informações e potencializando ao máximo eventuais erros e atrasos em obras, comuns em eventos e investimentos dessa envergadura.
O argumento fica ainda mais desmoralizado quando se verifica que todo o investimento com a Copa (R$ 28 bilhões) equivale apenas um único mês do investimento com a educação para este ano (R$ 280 bilhões). É preciso levar em consideração, como já exposto acima, que se não tivéssemos a realização do mundial, as diversas obras implementadas principalmente nas doze cidades sede provavelmente não teriam saído do papel e nem teríamos o grande aporte de recursos gerados pela competição.
Fazer a luta política em defesa de um país mais justo requer da parte dos educadores e educadoras uma grande disposição de organização, de engajamento e de convencimento dos demais setores sociais sobre a importância estratégica da educação. Mas exige também discernimento para não sermos caudatários(as) de ideias equivocadas, muitas vezes estapafúrdias e sem amparo na realidade e na dinâmica econômica e social do Brasil. Recentemente, fruto de muita luta, conquistamos finalmente a aprovação do PNE e a definição de chegarmos em breve aos 10% do PIB em investimentos em educação. Uma vitória histórica, sem dúvida. Mas ela será ainda mais vitoriosa na medida em que a economia nacional perseverar no rumo do crescimento, do desenvolvimento, conjugando de modo equilibrado investimentos amplos em infraestrutura, desenvolvimento tecnológico, industrial e dos demais setores que movem a nação com ampla geração de empregos qualificados e renda que permitam à massa trabalhadora alavancar sua condição de vida. A Copa, não tenho dúvidas, deu sua contribuição significativa para tais avanços.
*Altair Freitas, 51 anos, é historiador, professor de história e torcedor fanático do São Paulo Futebol Clube