CPI do MEC ganha força no Senado e pode ser criada na próxima terça
Requerimento, assinado por toda a bancada do PT no Senado, pode chegar a 30 apoiamentos, três a mais que o mínimo necessário. Objetivo é investigar o elo entre os escândalos protagonizados pelo ex-ministro Milton Ribeiro e o alto escalão do governo, incluindo Bolsonaro.
A instalação de uma CPI para investigar os escândalos de corrupção no Ministério da Educação deve ser confirmada apenas na próxima semana, mas de uma coisa já se tem certeza: o governo Bolsonaro instalou um dos maiores esquemas de tráfico de influência, desvio de verbas, acerto de propinas e favorecimento a aliados políticos da história do país. Para piorar, o presidente escolheu para executar os malfeitos a mesma pasta que, sob as gestões Lula e Dilma, proporcionou os maiores avanços de inclusão social e educacional das camadas mais vulneráveis da população.
Um dos principais defensores da CPI do MEC, o senador Humberto Costa (PT-PE) lamentou essa transformação do Ministério num balcão de negócios por bolsonaristas. “O MEC, que foi responsável por programas inclusivos como Fies sem fiador, Ciência sem Fronteiras e tantos mais, transformou-se agora no palco de um dos maiores escândalos da República, usando recursos que têm um papel nobre, que é o de desenvolver a educação”, afirmou.
Para ele, a prisão do ex-ministro Milton Ribeiro e mais quatro lobistas que, sem ocupar cargos no governo, operavam um “gabinete paralelo” para dar vida ao esquema corrupto dentro dos gabinetes do alto escalão — inclusive o do presidente Bolsonaro —, reforça a obrigação do Congresso Nacional de fazer essa investigação.
“É provável que já existam muitos avanços na apuração? Sim. Mas a CPI cumpre o papel de estabelecer os elos políticos dessa relação. O próprio ex-ministro disse [em áudio de reunião publicado em fevereiro] que tudo o que ele realizava era a pedido de Bolsonaro e que inclusive a atuação desses lobistas teria sido uma recomendação do presidente da República”, destacou. Na época das denúncias, Bolsonaro foi a público dizer que colocava “a cara no fogo” pelo então ministro, que só deixou o governo algum tempo depois, quando até apoiadores do governo pressionaram pela sua saída. Mesmo assim, a exoneração do cargo ocorreu a pedido do ministro, ou seja, ele jamais foi demitido.
O requerimento para a CPI do MEC, apoiado por toda a bancada do PT no Senado desde a sua apresentação, no início do ano, já tem as 27 assinaturas necessárias (1/3 do total de senadores) para que seja lido em Plenário, de acordo com o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), proponente do colegiado. Após a leitura, é possível retirar ou adicionar assinaturas de apoio até meia-noite do mesmo dia. Depois disso, havendo o número mínimo, considera-se criada a comissão.
Para garantir uma margem maior ao pedido, Randolfe informou que irá aguardar a assinatura de mais três senadores que já se disseram propensos a apoiar, chegando assim a 30 nomes. A expectativa é de que o requerimento seja apresentado na próxima terça-feira (28).
“Sempre defendemos a CPI do MEC. Agora, mais do que uma prioridade, ela é um dever do Senado. Se tem uma coisa que vale ouro no governo Bolsonaro é a corrupção. A bandidagem está exposta pela mesma Polícia Federal que o presidente quis corromper”, afirmou Humberto Costa.
Para o senador Jean Paul Prates (PT-RN), as investigações precisam ser aprofundadas. “Agentes públicos negociando propina para liberar verbas da educação. Que a PF tenha toda a liberdade para investigar e punir os culpados. Lembrando que já assinamos a CPI do MEC desde o início do escândalo e vamos seguir vigilantes. No governo que diz ter acabado com a corrupção, espero que não queiram acabar é com as investigações”, disse.
Na mesma linha se manifestou o senador Rogério Carvalho (PT-SE). “É essa política que estamos combatendo. Milton Ribeiro, por quem Bolsonaro disse que colocaria a mão no fogo, seguiu a cartilha da imoralidade bolsonarista. O Estado não serve para enriquecimento pessoal, mas para garantir direitos aos seus cidadãos”, arrematou.
O escândalo que originou a Operação Acesso Pago, da Polícia Federal, e levou à prisão Milton Ribeiro e outros quatro lobistas acusados de atuar como atravessadores de recursos públicos inclui tráfico de influência, pedidos de propina a prefeitos em troca de liberação de recursos do FNDE — tanto em dinheiro, com pagamento adiantado, quanto em barras de ouro — e usurpação da função pública, entre outros crimes. Além disso, o caso atinge pessoalmente Bolsonaro, que chegou a impor sigilo de 100 anos às visitas dos pastores lobistas Gilmar Santos e Arílton Moura ao Palácio do Planalto. Após pressão de aliados e por temer uma determinação judicial desfavorável, o governo informou que os lobistas estiveram 46 vezes no gabinete presidencial.
Crime continuado
Enquanto se articula a CPI, os movimentos em torno do escândalo não param. Nesta quinta (23), uma liminar da Justiça Federal permitiu a libertação dos cinco presos. Em seguida, o delegado da PF responsável pelo caso, Bruno Calandrini, denunciou interferência política na investigação, o que provocou a abertura de uma apuração. E não para por aí: o juiz que decretou a prisão preventiva dos acusados, Renato Borelli, passou a receber ameaças de morte, o que levou o senador Humberto Costa, presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), a solicitar ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que garanta proteção e segurança ao magistrado.
Tudo isso revela a máfia que tomou conta do governo federal e, especificamente, do Ministério da Educação. O escândalo que motiva a criação da CPI não foi o primeiro a atingir a pasta.
A lista, só no MEC, já é grande e enterra de vez a cantilena repetida por Bolsonaro e apoiadores — talvez a maior fakenews de todas — de que não haveria corrupção neste governo. Na mesma semana em que Milton Ribeiro pediu para sair do cargo, explodiu o escândalo da compra de ônibus escolares a preços superfaturados em mais de R$ 700 milhões. Os valores unitários foram licitados por R$ 480 mil, mas os preços dos veículos giram em torno de R$ 270 mil.
A licitação era do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), presidido por Marcelo Ponte, ex-chefe de gabinete do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), senador licenciado. Dias depois, novo escândalo veio à tona envolvendo o órgão: no caso “escolas fake”, o governo autorizou a construção de 2 mil novas escolas em cidades do interior, apesar de alegar falta de dinheiro para terminar cerca de 3.500 unidades cujas obras estão paralisadas.
Outra denúncia envolveu o presidente da Câmara, Arthur Lira (PL-AL), aliado de primeira hora de Bolsonaro e um dos parlamentares mais beneficiados no esquema do “orçamento secreto”, que funciona como balcão para compra de votos entre o governo e o Congresso. Foi o escândalo da compra, por R$ 26 milhões, dos kits de robótica, que reúne vários absurdos: foram adquiridos por R$ 14 mil, valor acima do praticado no mercado; foram destinados a escolas do interior de Alagoas, boa parte sem água encanada, computadores e muito menos acesso à internet; e o contrato de compra foi firmado em tempo recorde com a Megalic, empresa que pertence a aliado político de Lira.