Crise financeira põe em risco formação de estudantes na Gama Filho e na UniverCidade

De referência no ensino superior privado a protagonista de uma crise que atinge algumas das universidades particulares mais tradicionais do Rio. Os últimos anos têm mesmo sido conturbados para alunos e professores da Universidade Gama Filho (UGF), fundada em 1939 e que já teve alguns dos cursos mais concorridos do país. No capítulo mais recente dessa derrocada, docentes iniciaram na segunda-feira (11) uma greve para reivindicar os salários atrasados de janeiro e fevereiro. Enquanto, na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), o grupo Galileo Educacional, mantenedor da UGF e da UniverCidade desde 2011, é um dos principais investigados numa Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura denúncias contra entidades particulares de ensino superior no estado e cujo relatório, que será finalizado este mês, acusará o grupo da Gama Filho de vários crimes. Entre eles, adiantam os deputados, estelionato (por continuar recebendo as mensalidades, embora não esteja oferecendo os cursos); apropriação indébita (por descontar os encargos sociais e impostos sindicais e não repassá-los) e formação de quadrilha.

No primeiro dia da paralisação na Gama Filho, mais de 200 pessoas participaram na segunda-feira de uma manifestação em frente ao campus da Piedade da instituição. Com cartazes trazendo mensagens como “Eu quero me formar”, alunos se juntaram aos professores grevistas. Citando dívidas da Galileo em torno de R$ 900 milhões, alguns diziam temer até que a instituição feche as portas e cobravam uma solução imediata.

— Paguei as mensalidades de janeiro, fevereiro e março, mas ainda não tive aula este ano. Embora os boletos para os alunos continuem chegando, a universidade não está pagando os professores. E ninguém dá uma satisfação do que está acontecendo. Mesmo retomando as aulas, este já é um semestre prejudicado — afirmou Andriele dos Santos Machado, estudante do 10º período de Nutrição da UGF, que relatou ainda que, apesar da crise, recentemente teve sua mensalidade reajustada em 23% (de R$ 740 para R$ 911).

O corpo docente firma posição de que só vai voltar às salas de aula quando receber o que lhe é devido. Professor de engenharia da universidade e integrante da Associação de Docentes da Gama Filho, Francisco Brossard afirma que, além dos pagamentos de janeiro e fevereiro, os professores tampouco receberam as gratificações das férias de 2012 e 2013. E conta que, ano passado, os pagamentos já estavam irregulares.

— No final de 2012, já recebíamos metade do salário no início do mês, a outra no meio do mês. O 13º só recebemos em meados de janeiro. Mas, agora, não estão mais pagando — afirma o professor, integrante do Sindicato dos Professores do Rio (SinproRio), lembrando que a greve também foi iniciada na UniverCidade esta semana.

Alguns dos motivos de preocupação para os cerca de 15 mil alunos da Gama Filho e 20 mil da UniverCidade, segundo números dos sites das duas instituições, são reconhecidos até por diretores da Galileo. Em depoimento à CPI na Alerj no último dia 26 de fevereiro, o presidente do grupo, Alex Porto de Faria, assumiu que a situação nas duas entidades era “muito precária” e que não havia caixa para fazer os pagamentos em atraso (na época 50% dos salários de dezembro e os salários de janeiro). No fim do mês passado, admitiu ele à CPI, o passivo trabalhista, tributário e com fornecedores das instituições girava mesmo em torno dos R$ 900 milhões — mesmo valor citado pelos alunos —, embora sua receita seja aproximadamente R$ 11 milhões por mês.

Entre as dívidas, disse ele à Alerj, estariam repasses do INSS e o depósito do FGTS de funcionários. O diretor, no entanto, ressaltou que os problemas já vinham desde antes de a Galileo assumir as duas universidades. E que tentava parcelar o passivo trabalhista e reestruturar as duas universidades.

Em meio à crise, já foram muitos em episódios de desgaste entre alunos, professores e o grupo mantenedor das duas universidade. Em dezembro de 2011, 410 professores e um grupo de funcionários administrativos foram demitidos. Em ações de reintegração de posse, foram fechadas recentemente as unidades Carioca, Praça XI e Freguesia da UniverCidade. Devido às condições precárias, foram encerradas as atividades também da unidade Méier.

Já o campus Downtown, na Barra, da Gama Filho, também está impedido de funcionar. E, na UGF, cursos estão sofrendo processo de redução de vagas, como o de Medicina, que tinha autorização para 400 vagas anuais, mas que, devido às dificuldades, o Ministério da Educação reduziu para 170. E a Galileo ainda mantém dívidas com os antigos donos da UGF, a família Gama Filho. Todos esses reveses admitidos pelo presidente da Galileo na CPI.

O curso de Medicina da UGF, aliás, que já foi um dos mais concorridos entre entidades privadas do Rio, é um dos que mais sofrem. A universidade ficou inadimplente com hospitais onde os alunos faziam aulas práticas, como a Santa Casa. E os estudantes têm sido remanejados constantemente de unidades de saúde. É o que conta o aluno Diogo Fuser, do 12º período do curso. Ele lembra que, enquanto estudantes temem não poderem se formar, em fevereiro de 2012 a antiga clínica São Bernardo, na Barra, foi transformada no hospital-escola privado da Gama Filho, e mais de mil alunos teriam tido as aulas práticas transferidas para a unidade. Mas apenas três meses depois, em maio, o hospital fechou. E as aulas voltaram a acontecer na Santa Casa.

— Nesse meio tempo, alunos ficaram períodos sem aula. Voltaram a pagar os salários da Santa Casa por aproximadamente seis meses, até dezembro, quando novamente os salários pararam de ser pagos — conta Fuser, também integrante do Centro Acadêmico de Medicina e do colegiado da universidade. — Nossa visão hoje é de que falir. Mas nossa luta hoje é tentar estudar e insistir que a instituição volte ao que era antes — completa ele, lembrando que a mensalidade do curso de Medicina passa dos R$ 3.500.

Além de expor incertezas quanto ao futuro, alunos como Fuser, tanta da UGF quanto da UniverCidade, também manifestaram repúdio a uma carta enviada aos professores pela Galileo no último dia 28, em que o grupo afirma que a convocação para prestar depoimentos na CPI da Alerj prejudicou um aporte de recursos da mantenedora, o que teria levado à suspensão dos pagamentos programados para os professores. O comunicado afirma ainda que eventuais movimentos bruscos podem comprometer ainda mais o “péssimo cenário” atual.

“Se não houver essa consciência estamos fadados ao insucesso e consequentemente ao encerramento das atividades, o que certamente gerará a perda de milhares de postos de trabalho”, diz o texto, que afirma também que um plano de reestruturação será apresentado até no máximo o próximo dia 20.

Presidente da CPI, o deputado Paulo Ramos também critica a carta enviada aos professores. Segundo ele, a Galileo já vem sendo convocada à comissão desde sua abertura, em agosto passado. Mas mudanças constantes na controladoria do grupo dificultariam as investigações. O atual controlador do grupo, o empresário Adenor Gonçalves, do ramos de construção civil e saúde, por exemplo, foi convocado à CPI, mas ainda não compareceu. Só contra Adenor, aponta levantamento da CPI, há 16 processos da Justiça Federal, 27 no Tribunal de Justiça do Rio e dois no da Bahia.

— Tentaremos instaurar também uma CPI mista no Congresso Nacional. Porque o que está acontecendo no Rio ocorre em todo o Brasil, com exemplos de gestão fraudulenta, enriquecimento ilícito, desvio de recursos públicos, precarização das relações de trabalho, entre outros ilícitos — diz Paulo Ramos.

Embora tenham sido insistentemente procurados nos últimos dois dias, representantes da Gama Filho e da Galileo não responderam aos questionamentos do GLOBO.

Do jornal O Globo

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