Críticas a ‘déficit democrático’, reformas e ‘cruzada obscurantista’
São Paulo – Na abertura da 23ª Conferência da Advocacia Brasileira, nesta segunda-feira (27), em São Paulo, sem representantes do Executivo federal, alguns pronunciamentos fizeram referência indireta a operações judiciais e procedimentos policiais em curso, além das reformas do governo Temer. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Espírito Santo e coordenador nacional do Colégio de Presidentes de Seccionais, Homero Mafra, por exemplo, apontou o “salvacionismo reducionista que imola as liberdades públicas” e citou, “ainda que a pretexto do combate à corrupção, autoridades que se arvoram em novos salvadores da República”.
“A advocacia não aceita as conduções coercitivas feitas ao arrepio da lei, como não aceita os mandatos de busca genéricos. (…) Estamos assistindo a uma verdadeira cruzada obscurantista a pretexto de defesa de valores que a todos são caros”, afirmou Mafra. Segundo a falar, ele citou ainda o ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Luiz Carlos Cancellier, “que se imolou pela vergonha de uma prisão injustificável” – ele se suicidou dois meses atrás, depois de ser acusado de obstruir investigações e de ser proibido de entrar na instituição.
O presidente do Conselho Federal da OAB, Claudio Lamachia, que fechou a mesa, criticou o “açodamento” com que um governo em fim de mandato, sem aval das urnas, e um Congresso desacreditado “querem impor sem debate prévio uma reforma como a da Previdência, assim como a reforma trabalhista”. Segundo ele, são temas que precisam ser examinados com profundidade. Sem isso, acrescentou, nenhuma reforma terá “adesão social” e resultará em mais crise. Lamachia também repudiou o “extremismo” de candidatos que se apresentam como salvadores da pátria, “impondo como padrão a intolerância”.
Ao mesmo tempo em que se evidencia a “degradação da política”, diz o presidente da Ordem, os fatos mostram que “as instituições, com todas as suas limitações, com erros e acertos, estão funcionando”. Para ele, o país está “em turbulência, mas em busca do equilíbrio”, e a sociedade sabe o que não quer: “O retrocesso nas conquistas sociais que obteve nesse período”. Lamachia fez referência a prisões de diversas autoridades e chamou de “afronta” o chamado foro privilegiado.
Direito à defesa
Mas também fez críticas, sem citações, a procedimentos como “atalhos processuais que burlem o devido processo legal, o direito à plena defesa e ao contraditório”, afirmando que não se combate o crime cometendo outro. “Não existe justiça sumária. Sem direito de defesa não há democracia e, mais que isso, não há civilização digna desse nome.” Ele afirmou que os advogados respeitam o papel do Ministério Público e da Polícia Federal, mas cobrou reciprocidade no tratamento.
O presidente da seccional de São Paulo, Marcos da Costa, lembrou que esta é a terceira vez que o estado recebe o evento – as outras foram em 1960 e 1970. Defendeu “novas bases para a política” e citou a existência de um “déficit democrático ao longo da história”. Segundo ele, o Brasil ainda é um país “acentuadamente machista” e desigual, onde, de cada 100 pessoas assassinadas, 71 são negras. “A radiografia nacional exibe um corpo doente (…) O remédio é mais democracia.”
A presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, citou a primeira conferência da OAB, em 1958, quando, segundo afirmou, havia expectativa de crescimento e serenidade para o Brasil. Ela afirmou que os direitos fundamentais, tema da conferência, precisam ser efetivos – e precisam ser entendidos para serem protegidos.
“A intolerância tem sido uma verdadeira agressão aos direitos fundamentais. Se falharmos (na busca do princípio pleno da solidariedade humana), também nisso minha geração terá falhado.”
Em breve pronunciamento, o governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), defendeu uma reforma política para “aperfeiçoar o processo de escolha”.
A conferência, que está sendo realizada no Pavilhão de Exposições do Anhembi, na zona norte de São Paulo, vai até quinta-feira (30). O patrono do evento é o jurista Raymundo Faoro, presidente da OAB de 1977 a 1979. Oito auditórios receberão 40 painéis.