Cronologia dos ataques ao movimento sindical: O que fazer?

O texto abaixo foi incluído no material entregue aos delegados e delegadas do Conatee Extraordinário Messias Simão Telecesqui como contribuição para o debate da Secretaria de Assuntos Jurídicos da Confederação.

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

O calvário sindical parece não ter fim; repetem-se, uma após a outra, as medidas impostas pelos três poderes da República contra as organizações sindicais dos trabalhadores.

Ao que parece, essa trindade do mal concertou a destruição dessas organizações, com o mesmo ódio que fazia Catão — tribuno romano —, contra a Carthago, com a sua famosa máxima “Delenda est Carthago”, ou seja, Carthago tem de ser destruída.

Como o rosário é enorme, rememoram-se, aqui, apenas as medidas dos dois últimos anos, por ordem cronológica:

1)  Aos 23 de fevereiro de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do Plenário Virtual, decidiu o Processo ARE 1018459, nos seguintes termos, conforme a Ementa do Acórdão:

“Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. 2. Acordos e convenções coletivas de trabalho. Imposição de contribuições assistenciais compulsórias descontadas de empregados não filiados ao sindicato respectivo. Impossibilidade. Natureza não tributária da contribuição. Violação ao princípio da legalidade tributária. Precedentes. 3. Recurso extraordinário não provido. Reafirmação de jurisprudência da Corte.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. No mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se manifestaram os Ministros Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia”.

2)  Aos 13 de julho de 2017, foi publicada a Lei N. 13467, para vigorar a partir de 11 de novembro de 2017, que, dentre outras medidas catastróficas, modificou os Arts. 578 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), convertendo a contribuição sindical em facultativa, exigindo, para a sua cobrança autorização expressa.

3)  Aos 28 e 29 de junho de 2018, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) N. 5794 — na qual a CTB e a Contee foram admitidas como amicus curiiae — e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) N. 55 — ajuizada pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert) — julga constitucional a conversão da contribuição sindical de obrigatória em facultativa, promovida pela Lei N. 13467/2017, criando, com isso, um modelo sindical sem similar no mundo inteiro, baseado na unicidade sindical, que abrange a representação de toda a categoria, associados e não associados, que gozam de todas as conquistas sindicais, com contribuição obrigatória para os primeiros e facultativa para os segundos. Em uma palavra: trata-se de modelo teratológico, apenas cabível na cabeça dos ministros do STF.

Vale ressaltar que um dia antes do início do julgamento da ADI N. 5794, que culminou com a teratológica decisão sob comentários — dia 27 de junho de 2018 —, a Suprema Corte dos Estados Unidos (EUA), por cinco votos a quatro, decidiu algo semelhante em relação aos servidores públicos. Tal como aqui, a partir da decisão do STF, lá nos EUA, os não associados também são beneficiados pelas conquistas sindicais, sem necessidade de verter nenhuma contribuição para os respectivos sindicatos.

Aliás, a decisão da Suprema Corte norte-americana foi fonte inspiradora do ministro Luiz Fux, que a citou e a louvou, além de afirmar em alto e bom tom que a maior democracia do mundo é a norte-americana; o que, por si só, dispensa qualquer outro comentário acerca das intenções dele e dos o que seguiram.

Por esse modelo sindical, os direitos dos não associados, exceto o de votar e ser votado, são os mesmos dos associados; todavia, só estes pagam para tanto, sendo aqueles isentos.

Com esse modelo sindical, o STF inverte a ordem do universal princípio da isonomia, tratando os iguais como desiguais; e, o que é pior, legaliza o enriquecimento sem causa, vedado pelo Art. 884 do Código Civil (CC). Justificam esse monstruoso modelo, de forma hipócrita, pela garantia do Art. 8º, inciso V, da CF, que assevera “ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato”, fazendo-o como se o ato de contribuir para o custeio sindical se revestisse do caráter de filiação.

4)  Aos 30 de agosto de 2018, no julgamento do RE N. 958252 e da ADPF 324, o STF deu ao capital o que ele mais buscou nos últimos anos, a liberação plena da terceirização, sem qualquer limite e parâmetro, fixando a seguinte tese de repercussão geral: “É licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”.

Essa decisão, sem dúvida a mais catastrófica de todas quantas foram tomadas pelo STF, poderá levar àquilo que prenunciou o deputado federal José Carlos Aleluia, do DEM da Bahia, por ocasião da votação do Projeto de Lei (PL) N. 4330/2004, convertido na Lei N. 13429/2017: o fim de todas as categorias profissionais, passando existir tão somente terceirizados, sem amparo sindical e sem direitos, sendo este o grande objetivo do capital.

5)  Ao 1º de março de 2019, véspera de carnaval, o presidente Jair Bolsonaro baixou — tecnicamente, deve-se dizer que editou — a Medida Provisória (MP) 873, proibindo o desconto em folha de pagamento de contribuições devidas aos sindicatos de trabalhadores, estabelecendo que essas deveriam ser pagas por meio de boleto bancário, pelo próprio contribuinte.

Essa MP foi automaticamente prorrogada, aos 29 de abril, por mais 60 dias, conforme determina o Art. 62 da CF, caducando-se aos 28 de junho de 2019, consoante o Ato Declaratório da Mesa do Congresso Nacional N. 43/2019, publicado ao dia 3 de julho corrente.

Todavia, apesar de essa falecida e não pranteada MP caducar-se, os seus efeitos deletérios imediatos consumaram-se, pois que, com base nela, a contribuição sindical, devida no mês de março, não foi descontada pela quase totalidade das empresas, de todos os ramos econômicos.

E o que é pior: se o Congresso Nacional, no prazo de 60 dias, contados da caducidade da realçada MP, por meio de decreto legislativo, não disciplinar as relações jurídicas do período em que vigeram, convalidam-se automaticamente todos os atos praticados nesse período.

“Art. 62

[…]

§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.

[…]

§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas”.

Como o Congresso Nacional não emitiu nenhum sinal de que irá cumprir o disposto no § 3º do Art. 62 da CF, metaforicamente falando, está o diabo na casa do terço.

Importa dizer: os malefícios da MP 873, ao que tudo indica, não sofrerão qualquer abalo.

6)  Aos 24 de maio de 2019, a ministra Carmen Lúcia deferiu liminar na Reclamação 34889-RS, ajuizada pela empresa Aeromatrizes Indústria de Matrizes Ltda, para suspender decisão do TRT da 4ª Região, que reconheceu legitimidade à assembleia sindical do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul para autorizar a cobrança de contribuição sindical em sentido estrito, aquela regulada pelos Arts. 578 e seguintes, da CLT.

Na sua decisão liminar, a ministra assentou:

“Examinados os elementos havidos nos autos, DECIDO. 4. Põe-se em foco na presente reclamação se, ao reconhecer como válida a autorização dada pela categoria em assembleia geral convocada pelo Sindicato e determinar que a ora reclamante desconte de seus empregados contribuição sindical, a autoridade reclamada teria descumprido o decidido por este Supremo Tribunal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.794/DF. Em 29.6.2018, este Supremo Tribunal Federal julgou improcedentes os pedidos formulados na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.794/DF e assentou a constitucionalidade da nova redação dada pela Lei n. 13.467/2017, aos artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da Consolidação das Leis do Trabalho, que exigem autorização prévia e expressa daqueles que participam de uma categoria profissional, a fim de que o desconto da contribuição sindical possa ser realizado”.

7)  Aos 25 de junho de 2019, o ministro Roberto Barroso — que foi relator do RE 590415, que abriu largos para a redução de direitos, por meio de negociação coletiva — concedeu liminar, na Reclamação 35540, ajuizada pelo Claro S.A, para suspender decisão do juiz da 48ª Vara do Trabalho, do Rio de Janeiro, que reconhecia legitimidade à assembleia geral do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações, para autorizar a cobrança de contribuição sindical em sentido estrito.

Na decisão concedida, o ministro Roberto Barroso asseverou:

“A leitura dos dispositivos declarados constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal apontam ser inerente ao novo regime das contribuições sindicais a autorização prévia e expressa do sujeito passivo da cobrança. Tal ponto foi analisado na ADI 5.794, tendo a maioria do Plenário concluído pela extinção da compulsoriedade da contribuição:

“EMENTA: (…) 4. A Lei nº 13.467/2017 emprega critério homogêneo e igualitário ao exigir prévia e expressa anuência de todo e qualquer trabalhador para o desconto da contribuição sindical, ao mesmo tempo em que suprime a natureza tributária da contribuição, seja em relação aos sindicalizados, seja quanto aos demais, motivos pelos quais não há qualquer violação ao princípio da isonomia tributária (art. 150, II, da Constituição), até porque não há que se invocar uma limitação ao poder de tributar para prejudicar o contribuinte, expandindo o alcance do tributo, como suporte à pretensão de que os empregados não-sindicalizados sejam obrigados a pagar a contribuição sindical.

5. A Carta Magna não contém qualquer comando impondo a compulsoriedade da contribuição sindical, na medida em que o art. 8º, IV, da Constituição remete à lei a tarefa de dispor sobre a referida contribuição e o art. 149 da Lei Maior, por sua vez, limita-se a conferir à União o poder de criar contribuições sociais, o que, evidentemente, inclui a prerrogativa de extinguir ou modificar a natureza de contribuições existentes.

6. A supressão do caráter compulsório das contribuições sindicais não vulnera o princípio constitucional da autonomia da organização sindical, previsto no art. 8º, I, da Carta Magna, nem configura retrocesso social e violação aos direitos básicos de proteção ao trabalhador insculpidos nos artigos 1º, III e IV, 5º, XXXV, LV e LXXIV, 6º e 7º da Constituição”.

As decisões acima, que materializam o entendimento do STF, consolidado no julgamento da ADI 5794 e da ADC 55 — acima referidos —, podem ser resumidas da seguinte forma: as assembleias sindicais possuem legitimidade para decidir os destinos das respectivas categorias, inclusive para lhes reduzir direitos. No entanto, não a possuem para autorizar a cobrança de contribuição sindical em sentido estrito, sequer dos associados.

8) Aos 29 de junho de 2019, o ministro Gilmar Mendes admitiu a Confederação Nacional da Indústria (CNI) como amicus curiae no Agravo em Recurso Extraordinário (ARE) N. 1.121.633, ajuizado pela Mineração Serra Grande, contra decisão do TST que não reconheceu validade a acordo coletivo que reduz direitos.

Na mesma decisão, determinou a suspensão de todos os processos, individuais e coletivos, que tenham como objeto a discussão sobre a validade de norma coletiva que reduza direitos.

Nela, o ministro disse: “Uma vez recortada nova temática constitucional (semelhante à anterior) para julgamento, e não aplicado o precedente no Plenário Virtual desta Suprema Corte, existe o justo receio de que as categorias sejam novamente inseridas em uma conjuntura de insegurança jurídica, com o enfraquecimento do instituto das negociações coletivas” (…) Por isso, admito a CNI como amicus curiae e determino a suspensão de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional, nos termos do artigo 1.035, parágrafo 5º, do CPC, uma vez que o plenário virtual do STF reconheceu a repercussão geral do tema.”

9) Imediatamente, após a declaração de caducidade da MP 873, foi encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara Federal (CCJ) a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) N. 71/1995, de autoria do então deputado federal Jovair Arantes, que modifica o inciso IV do Art. 8º da CF, para proibir a cobrança de contribuição, a qualquer título, de trabalhadores não associados, fazendo-o em contraposição à redação originária que dispõe:

“IV – a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei”.

 

10) Aos 4 de julho de 2019, a senadora Soraya Thronicke (PSL/MS),apresentou o Projeto de Lei (PL) N. 3814/2019, restabelecendo o inteiro teor da MP 873/2019.

Esse PL, que tem como relator o senador Paulo Paim, recebeu 43 emendas.

Se a PEC 71/95, retirada das catacumbas do inferno, e o PL 3814/2019 forem aprovados, o que não é difícil, será o fim de tudo; pois, nem mesmo a contribuição confederativa, que, consoante a Súmula Vinculante 40 do STF, só é exigível dos associados, terá a garantia de desconto em folha de pagamento.

Se esse cenário for instalado, além de somente se poder cobrar contribuições dos associados, muito embora os sindicatos representem todos os integrantes da categoria, o seu recolhimento será possível apenas por meio de boleto bancário.

Diante de tudo isso, o movimento sindical de trabalhadores encontra-se em situação pior do que o personagem José, do poema de Carlos Drumond de Andrade, “E agora, José?”:

“Sozinho no escuro

qual bicho-do-mato,

sem teogonia,

sem parede nua

para se encostar,

sem cavalo preto

que fuja a galope,

você marcha, José!

José, para onde?”

Que fazer?

Não há dúvida de que a tarefa mais urgente do movimento sindical quanto ao quesito de financiamento (custeio de suas atividades) será o de tentar impedir a aprovação da PEC 71/1995 e do PL N. 3814/2019, para que a sua morte não seja oficialmente declarada.

Para além disso, precisa discutir o redirecionamento de sua fonte de custeio, deslocando-o, quem sabe, para a contribuição confederativa que tem o seu desconto em folha garantido, quanto aos associados, ao menos enquanto perdurar a atual redação do Art. 8º, inciso IV, da CF, nada obstando que busque meios de estendê-la aos não associados, por meio do direito de oposição, como o faz com a contribuição assistencial.

Na reunião do Coletivo Jurídico da Contee, realizada ao dia 11 de julho corrente, os seus participantes analisaram, com razoável profundidade, esse redirecionamento, sopesando os momentâneos prós e os contra que dele poderão emergir, com destaque para os seguintes:

I. Prós:

1) A concentração em uma só contribuição esvazia o surrado argumento dos algozes dos sindicatos, segundo o qual eles somente pensam em arrecadação, em nada se preocupando com os trabalhadores representados.

2) A contribuição confederativa necessariamente, por força do que preconiza do Art. 8º, inciso IV, da CF, destina-se ao custeio das atividades do sistema confederativo, englobando sindicatos, federações e confederações; essas duas sempre tiveram como principal fonte de arrecadação a contribuição sindical, sendo a associativa meramente simbólica.

Com a conversão da contribuição sindical em facultativa e personalíssima- —segundo o STF —, ficaram sem nenhuma fonte de custeio com dimensão financeiro, levando muito delas à absoluta impossibilidade de existência ativa; hoje, muito delas, acham-se em estado vegetativo.

3) A contribuição confederativa tem o desconto obrigatório, em folha de pagamento, garantido constitucionalmente (Art. 8º, inciso IV, da CF), o que não alcança nenhuma outra, nem mesmo a associativa, que é regulada pelos Arts. 511 e 545 da CLT, passíveis de alteração por medida provisória.

II. Contras:

1) A contribuição confederativa, por força do que dispõe a Súmula Vinculante 40, do STF, é exigível apenas dos associados; para ser cobrada dos não associados depende da anuência deles, que, para muitos, tem de ser expressa e personalíssima e, para outros, tácita, bastando para tanto que lhes seja assegurado o direito de oposição.

2) A conversão da contribuição associativa em confederativa, o que será necessário, para se exigir o cumprimento do preconizado pelo Art. 8º, inciso IV, da CF, exigirá o recadastramento de todos os associados, o que, além de trabalhoso e lento, pode ser objeto de recusa, por parte deles.

3) A contribuição confederativa, tal qual a associativa, para não se esbarrar a vedação do Art. 611-B, inciso XXVI, da CLT — liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho (Incluído pela Lei nº 13.467, de 13.7.2017) —, exige autorização solene e expressa, de cada trabalhador.

4) A contribuição confederativa tem de ser repartida entre sindicatos, federações e confederações, o que diminui a receita dos primeiros.

Ao debate!

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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