Da transição para a democracia à metamorfose do trabalho: a visão dos ‘pioneiros’ da CUT
Livro lançado ontem traz 30 depoimentos sobre as origens e os desafios da central. Organizadores também preparam um documentário
Por Vitor Nuzzi, da RBA
O livro “A geração que criou a CUT”, lançado na noite de terça-feira (5), tenta preservar, por meio do testemunho, um capítulo da história brasileira em que “as demandas dos trabalhadores passaram a ser inscritas na agenda política”. Assim, de março de 2021 a agosto deste ano, os organizadores entrevistaram 30 pessoas – 10 metalúrgicos, sete bancários, quatro professores, três trabalhadores rurais, dois sociólogos, um engenheiro, um jornalista, um coureiro e um bispo católico. São histórias e trajetórias que contam da dificuldade de organização ainda sob a ditadura aos desafios deixados pelas lacunas da democracia.
Durante debate na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), na região central da capital, dois ex-presidentes da CUT, outros dirigentes e militantes expuseram os problemas do passado e as limitações do presente – em especial, a comunicação com a massa de trabalhadores excluídos do mercado formal. “A solidariedade é fundamental para fazer a disputa com o individualismo”, afirmou o ex-presidente Artur Henrique, hoje diretor da Fundação Perseu Abramo (FPA, vinculada ao PT).
Fatores históricos
Um dos organizadores do livro, o sociólogo, professor e pesquisador Iram Jácome Rodrigues citou fatores históricos, como a presença da Igreja Católica, os movimentos de base, a presença dos trabalhadores do campo. “A CUT e o PT são o amálgama de todos esses setores. Uma geração que lutou contra a ditadura, que ousou, de resistência. A questão central (do livro) era a história dessas pessoas”, diz Iram, autor de “Sindicalismo e Política – A trajetória da CUT”, lançado em 1997.
Não por acaso, o subtítulo do livro lançado na terça (pela editora Annablume, 424 páginas) é “A história contada por quem a faz”. Além de Iram, participaram da organização da obra o educador popular Claudio Nascimento, o historiador e professor João Marcelo Pereira dos Santos, a socióloga Maria Silvia Portela de Castro e a psicóloga Sandra Oliveira Cordeiro da Silva (também assessora da CUT). Eles preparam também um documentário, com base nas entrevistas. O trabalho tem apoio da FPA, CUT e Instituto Lavoro e institutos de memória: o Cedoc (CUT), o Centro de Memória Sindical (CMS) e o Centro Sérgio Buarque.
Construção da memória
“Que bom que vocês não desistiram, mesmo na crise, para construir essa memória”, afirma em vídeo (gravado em um hospital) Avelino Ganzer, líder rural em Santarém (PA) e primeiro vice-presidente da CUT. Ao vê-lo, o metalúrgico Jair Meneguelli, presidente da central nos primeiros 11 dos 40 anos da entidade, não disfarça a emoção.
Ao seu lado está Gilmar Carneiro, ex-presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e ex-secretário-geral da CUT. E também Cida Miranda, ex-presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Unaí (MG) e ex-vice da CUT em Minas Gerais. Da atual direção, compõe a mesa Admirson Medeiros Ferro Júnior, o Greg, titular da recém-criada Secretaria de Economia Solidária. Na plateia, ex-dirigentes como Delúbio Soares e Jacy Afonso, além de Jamil Murad.
Trabalho, revolução e abacaxi
Meneguelli lembra da histórias como a do primeiro livro que leu, “Os dez dias que abalaram o mundo”, de John Reed, sobre a Revolução Russa. Ou de como foi feito presidente do então Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema e, logo em seguida, da CUT. “Até hoje o Lula não me explicou”, brinca. O dirigente chegou a ganhar um abacaxi na posse sindical. Ele também manifesta preocupação com o que considera número excessivo de centrais sindicais atualmente no país. “Não é possível que tenhamos tanta divergência assim. Acho que a classe trabalhadora está esperando essa reunificação. A luta é uma só.”
“Memória é luta”, diz em seguida Cida Miranda, para quem a CUT foi o primeiro espaço “dessa resistência silenciosa e silenciada”. Ela lembra da vinda para São Bernardo, para o congresso que criou a central (“Quase morremos de frio”) e do assassinato de seu pai, Júlio, em 1985, além de “ousadia” de questionar a própria direção sindical. “Faríamos tudo de novo”, afirma. Unaí é ainda o local do assassinato de quatro servidores do Ministério do Trabalho, em 2004, a mando de fazendeiros.
Gilmar Carneiro alerta para a ascensão da direita, que às vezes encurrala governos progressistas, e da necessidade de regulamentar as novas modalidades de trabalho. No livro, ele conta, entre outras histórias, sobre a tentativa de comprar a TV Manchete. Com a concordância, inclusive, do todo-poderoso Roberto Marinho, da Globo. Sobre comunicação, Artur Henrique comenta que as políticas não podem se limitar à tecnologia e ao digital. “É olho no olho.”