Debatedores reafirmam, no Senado, mazelas da reforma da Previdência
Especialistas e senadores debateram a Proposta de Emenda à Constituição que reforma a Previdência (PEC 6/2019) na sua primeira sessão de discussão em Plenário nesta terça-feira, 10. Antes de ser votada em primeiro turno, a proposta ainda terá que passar por outras quatro sessões de discussão. O debate também contou como primeira sessão de discussão da PEC paralela (PEC 133/2019). O texto, que também já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), traz sugestões de alterações na PEC principal, como a inclusão de estados e municípios, evitando que ela retorne à Câmara dos Deputados.
Denunciaram o conteúdo antipopular da reforma o empresário e engenheiro Eduardo Moreira; o professor e pesquisador em economia Eduardo Fagnani, da Universidade de Campinas (Unicamp); o ex-ministro da Previdência Social, Ricardo Berzoini; e a coordenadora nacional da organização Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli. Defenderam a PEC de Bolsonaro o professor de economia José Marcio Camargo; o ex-chefe da Coordenação de Estudos da Previdência do Ipea, Paulo Tafner; e o secretário de Trabalho e Previdência, Rogério Marinho.
Posicionamentos dos expositores
Moreira criticou duramente as mudanças em relação ao Abono Salarial, às aposentadorias especiais e às pensões por morte. Explicou que todo trabalhador com carteira assinada há mais de 5 anos e que ganhe até dois salários mínimos tem direito a Abono Salarial anual proporcional à sua renda, com teto de um salário mínimo. A PEC da Previdência diminui drasticamente a abrangência do Abono ao limitar a renda máxima a um salário mínimo. Cerca de 20 milhões de trabalhadores recebem o Abono atualmente. “A mudança vai tirar de mais de 12 milhões de brasileiros e brasileiras o direito de receber o equivalente a quase R$ 100,00 por mês, o equivalente a uma conta de luz e de gás somadas. São famílias que vivem no equilíbrio”, disse.
Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram a importância do Abono para a economia e para diminuir desigualdades. Ele lembrou que o programa de governo apresentado pelo então candidato Bolsonaro prometia mais vantagens para os beneficiários do Abono.
Moreira ainda destacou que “não há nada mais cruel na reforma do que a mudança nas regras das aposentadorias especiais. Uma aposentadoria concedida ao cidadão que trabalha exposto a agentes nocivos acima dos limites estabelecidos, acima dos limites saudáveis. Se trabalhar mais do que aquilo, ele morre, ele tem um câncer, ele fica inválido”.
Fagnani recordou que há 12 milhões de brasileiros desempregados, cinco milhões de desalentados, 14 milhões de trabalhadores subocupados ou subutilizados, 40 milhões que trabalham na informalidade e 55 milhões que vivem abaixo da linha da pobreza. “Esse enorme contingente de brasileiros já não contribui para a Previdência e, mesmo com as regras atuais, dificilmente terá proteção previdenciária na velhice”.
Berzoini considerou a reforma injusta porque vai atingir de maneira mais grave as pessoas mais pobres, sem atingir os mais ricos.
Fattorelli apontou que a reforma interessa ao mercado financeiro nacional e internacional e será um retrocesso para a população. Ela sugeriu que o Senado rejeite a PEC 6/2019 e promova uma reforma tributária. “O problema não está na Previdência. O problema está na política monetária do Banco Central, que produziu a crise, que gastou R$ 1 trilhão nos últimos dez anos para remunerar a sobra de caixa dos bancos de forma ilegal”, registrou.
Pelo lado do governo, Camargo chamou atenção para os efeitos do crescimento sistemático e acelerado da população idosa: o Brasil permanece um país “relativamente jovem” mas, em 20 anos, se tornará o sétimo país mais velho do mundo. Lamentou que o país, segundo ele, “dá enorme prioridade a nossos idosos em relação a nossas crianças e adolescentes”.
Tafner deplorou que a Previdência proporciona, na sua opinião, maiores benefícios aos “grupos mais protegidos”, que têm regras mais generosas para o que chamou de classe média: a população pobre de sexo masculino se aposenta pelo menos aos 66 anos, e a classe média, entre 55 e 56 anos.
Rogério Marinho classificou o sistema previdenciário vigente como injusto e insustentável do ponto de vista fiscal, mas admitiu que a reforma é um “remédio amargo”.
Falam os senadores
Poucos parlamentares se expuseram a favor do texto, embora haja maioria para aprová-lo, buscando evitar o desgaste entre seus eleitores trabalhadores e aposentados que serão prejudicados com a medida. As investidas na aposentadoria por invalidez e das pessoas com deficiência foram as mais denunciadas.
Contrário à reforma, Paulo Paim (PT-RS) foi enfático: “Meu Deus do céu! Foi dito aqui, e eu vou repetir: quem sustenta as crianças? Será que criança se sustenta, meus amigos? O jovem que não tem emprego, 3 milhões de jovens todo ano no mercado de trabalho, eles se sustentam? Quem sustenta é o pai, é o avô, que dependem desse dinheiro” (da aposentadoria) “para sustentar. Quem sustenta a família ou é o pai ou são os aposentados”.
Fábio Contarato (Rede-ES) apelou aos senadores: “pensem antes de votar. Este Senado está se apequenando. Aliás, eu peço perdão à população brasileira porque este Senado está demonstrando a sua pequenez quando se transformou num mero carimbador, chancelador daquilo que vem da Câmara e aí aplica o engodo na chamada PEC paralela”, que considera um “estelionato legislativo”.
Eliziane Gama (Cidadania-MA) garantiu que atuará para mudar outros pontos no texto, como as restrições ao abono salarial. Zenaide Maia (Pros-RN) considerou “crueldade” o tratamento dado às aposentadorias de pessoas com deficiência e trabalhadores que enfrentam condições perigosas ou insalubres.
Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse não aceitar “que o preço, a conta, recaia sempre naqueles que têm pago nos últimos anos. Quem tem pago a conta deste país nos últimos anos são os que menos têm dinheiro. Esses vão ser sacrificados ainda mais”.
Flávio Arns (Rede-PR) e Paulo Rocha (PT-PA) denunciaram que a reforma promove o “empobrecimento dos mais pobres”. Weverton (PDT-MA) apontou que o texto precisa ser mais discutido.
Roberto Rocha (PSDB-MA) repetiu a teve governamental, não comprovada, de que as mudanças são uma forma de reequilibrar receitas e despesas por uma questão de sustentabilidade fiscal. Negou que a Previdência seja um instrumento de assistência.
Debate e luta continuam
A Comissão de Direitos Humanos (CDH) promove nesta quinta-feira, 12, às 14h, audiência pública interativa sobre o tema Previdência e trabalho. Foram convidados a juíza Fabiane Ferreira, que integra a comissão legislativa da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra); o especialista em direito previdenciário, Clodoaldo Batista Nery Júnior; e representantes de centrais sindicais, sindicatos, associações de servidores públicos, trabalhadores da iniciativa privada, aposentados e pensionistas.
O movimento sindical e popular tem realizado várias manifestações contra a reforma. No próximo dia 20, os trabalhadores e as trabalhadoras voltarão às ruas para realizar um ato em defesa dos direitos e do meio ambiente e contra a destruição do Brasil que vem sendo promovida pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL). A pauta inclui lutas por direitos, educação, empregos, soberania e contra a reforma da Previdência.
Carlos Pompe