Decisão do STF fere princípio da gratuidade e escancara sanha privatista
A decisão dada hoje (26) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por nove votos a um, permitindo que as universidades públicas possam cobrar por cursos de especialização é um atentado ao conceito de gratuidade previsto no inciso IV do artigo 206 da Constituição Federal e ao próprio pilar democrático alcançado justamente na CF, em 1988.
A atual coordenadora da Secretaria-Geral da Contee, Madalena Guasco Peixoto, já havia apontado esse ataque no fim de 2015, quando da aprovação na Câmara dos Deputados, em primeiro turno, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 395/14, com o voto de nada menos do que 318 parlamentares. A PEC acabou rejeitada e arquivada no mês passado em segundo turno, pois, embora tenha recebido 304 votos favoráveis e 139 contrários, eram necessários 308 votos a favor para ser aprovada. No entanto, como tem virado praxe no Brasil, no concerto orquestrado pelos poderes da República, um ataque derrotado num dos palácios da Praça dos Três Poderes volta a ser desferido pelo outro.
Esse destaque foi feito pelo coordenador de Assuntos Jurídicos da Contee, João Batista da Silveira. “Quando bem pelo Legislativo o Judiciário está aí para garantir”, ironizou. “É mais uma derrota para a classe trabalhadora de uma forma geral e, em particular, para os trabalhadores da educação. É o golpe aprofundando o retrocesso.”
A coordenadora da Secretaria de Assuntos Educacionais da Confederação, Adércia Bezerra Hostin dos Santos, também observou a articulação dos ataques aos trabalhadores e à educação: “Levando em conta a forma descompassada como as ações em relação à educação têm acontecido nos últimos seis meses, infelizmente não causa espanto — embora devesse provocar muita indignação — essa decisão do STF no mesmo dia de o ministro da Educação ser exonerado quase unicamente para cumprir o protocolo de votar contra o povo brasileiro na aprovação das reformas em curso. Reformas que permitem que as relações de trabalho praticamente sejam extintas e que atacam gravemente os professores, na Reforma da Previdência, e permitem, no caso da terceirização, a total precarização do fazer pedagógico e a desprofissionalização do professor”.
Adércia destacou que, na última reunião do Fórum Nacional de Educação (FNE), um dos destaques dos gestores do MEC ao documento-referência da 3ª Conferência Nacional de Educação (Conae/2018) já era suprimir a gratuidade do ensino superior. “A proposta foi amplamente rechaçada pelas entidades de educação e pesquisa, movimentos e organizações em defesa da educação pública”, afirmou a coordenadora da Secretaria de Assuntos Educacionais da Contee. “O fato é que, no meio da retirada de uma série de programas sociais, inclusive de acesso dos estudantes da rede pública à formação, como o Ciências Sem Fronteiras, neste caso estamos falando da retirada do acesso de milhões de estudantes à especialização.”
Educação não é mercadoria
A autorização do STF foi concedida num recurso da Universidade Federal de Goiás contra decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que havia proibido a instituição de cobrar mensalidade por um curso de especialização em direito constitucional. Como o caso tem repercussão geral, o julgamento vale para todo o sistema público do ensino superior. Ao todo, 51 processos judiciais espalhados pelo Brasil estavam suspensos, aguardando o posicionamento do STF.
No cerne da questão, contudo, está a desobrigação do Estado de se comprometer com o financiamento das instituições públicas federais de ensino, oferecendo a venda dos serviços como uma alternativa. E isso, como já alertava em 2015 a coordenadora da Secretaria-Geral da Contee, “afeta direta e duramente a parcela da população, em especial da juventude, que menos dispõe de recursos e que mais precisa da garantia de gratuidade para assegurar a ampliação de sua formação”.
Mais uma vez, o que se vê é a tentativa de privatização do ensino superior público federal, uma escalada privatista que a Contee vem denunciando há anos, inclusive com a campanha “Educação não é mercadoria”. Uma sanha que busca tratar a da educação nacional como serviço, e não como política pública essencial para o desenvolvimento soberano do país, a qual é, constitucionalmente, dever do Estado e direito de cada cidadão e cidadã.
Por Táscia Souza, da redação