Decisões judiciais abrem precedente para consolidar ‘uberização’ dos empregos por aplicativo no Brasil
Aplicativos comemoram decisões que negam vínculo empregatício entre plataformas e trabalhadores, na contramão com algumas sentenças no mundo. Magistrados do TST pedem lei específica para apps
A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu, nesta quarta-feira, por unanimidade, negar o vínculo empregatício de um motorista com o aplicativo de transporte Uber. A medida tem efeito imediato somente para o caso do condutor específico que moveu a ação, mas abre o primeiro precedente do tipo em uma instância superior da Justiça do Trabalho brasileira. Até então, casos relacionados haviam tramitado em instâncias mais baixas e regionai, com decisões conflitantes a respeito do tema.
Apesar de outros tribunais não terem obrigação de seguir a decisão, ela deve acabar servindo de orientação para ações semelhantes. O parecer também acontece poucos dias depois da Justiça trabalhista de São Paulo negar uma ação civil pública que pedia vínculo empregatício entre a plataforma iFood e os seus entregadores.
Segundo Claúdio Castro, sócio da área trabalhista do escritório Martinelli advogados, a decisão vinda de Brasília pode caracterizar uma tendência, mas representa ainda apenas a opinião de uma turma. “Não é um jogo que está jogado. Não é uma decisão absoluta”, diz.
A discussão sobre o reconhecimento ou não do vínculo ainda gera muito debate entre as instâncias. Na avaliação de Rodrigo Carelli, procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio De Janeiro, caso o Brasil siga nesse caminho, ele irá na contramão dos países que lidam com o tema há mais tempo. “Na Califórnia (EUA), onde o aplicativo nasceu, já existe uma lei que considera o vínculo entre a plataforma e os empregados. Assim como em Portugal. Na França, a Justiça também está encaminhando para esse entendimento. Na Alemanha nem se fala mais nisso, já é uma questão decidida”, explica.
No caso julgado nesta quarta-feira, um motorista de Guarulhos alegou ter trabalhado por quase um ano com o aplicativo, entre julho de 2015 e junho de 2016, e pediu o registro do contrato na carteira de trabalho. O pedido foi negado na primeira instância, mas depois o Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região concluiu que havia, sim, relação empregatícia.
Ao rejeitar o vínculo no TST, o relator do recurso, ministro Breno Medeiros, considerou que as provas demonstraram que o motorista tinha autonomia para escolher o momento em que ficaria conectado à plataforma. Além disso, segundo o ministro, a Uber presta um serviço de mediação, o que não caracteriza vínculo empregatício. Nas corridas, os motoristas ficam com 75% a 80% do valor.
Já o ministro Douglas Alencar Rodrigues apontou que os “critérios antigos” de relação trabalhista, como previstos na CLT, não se aplicam às novas relações que envolvem plataformas e aplicativos. O TST afirmou também que o pagamento recebido pelo motorista não é um salário, mas uma parceria comercial na qual o dinheiro é dividido entre a plataforma e os motoristas.
A decisão desta quarta foi comemorada pela Uber. Em nota, a empresa diz já ter conseguido vitória em 75 acórdãos em tribunais regionais e 240 sentenças em varas trabalhistas em todo o país. Na ação, a Uber defendeu que não é uma empresa de transporte, mas uma plataforma tecnológica.
Uma lei específica
No fim do parecer, os magistrado do TST ressaltaram a necessidade urgente de que seja elaborada uma lei específica para regulamentar as relações trabalhistas envolvendo aplicativos de transporte. Castro, do Martinelli Advogados, concorda que os motoristas do Uber já não podem ser enquadrados na CLT por terem autonomia no trabalho, mas devem ser regularizados. “A chegada desses aplicativos trouxe novas relações, o que não significa que eles não merecem alguma nova regra de proteção. Mas é normal que, primeiro aconteça o fato social para que depois ele seja regularizado. Até a década de 60 não havia o divórcio, mas as pessoas já se separavam e não acreditavam que o casamento precisava ser para sempre”, afirma.
Para o procurador Carelli, não é necessário outra legislação já que com a atual é possível comprovar a subordinação dos motoristas. “É uma visão romântica pensar que eles são todos empreendedores. Os motoristas trabalham em um empreendimento alheio, a Uber. E os clientes são da plataforma. Os motoristas não são autônomos”, explica.
Com o aumento do número de pessoas que encontram no aplicativo a única opção para obter renda em um país em que 11,6 milhões procuram emprego, a precarização do trabalho irá aumentar, na visão do procurador. As plataformas de mobilidade e de entrega de produtos têm cerca de 5,5 milhões de profissionais cadastrados, segundo o Instituto Locomotiva. “São trabalhos que não consideram as leis trabalhistas, as horas extras. Se o motorista fica doente, ele simplesmente perde dinheiro. Ao se tornarem todos microempresários eles contribuem com uma previdência menor, o que pode tornar cada vez mais insustentável o sistema previdenciário, e a própria aposentadoria deles”, diz.