O domingo, 21 de setembro, dia da Árvore – o que já o faz belo-, véspera da primavera – estação das flores-, escreveu seu significado na história do Brasil, como dia excepcional e insuscetível de esquecimento e digno de júbilos. Nesse dia, milhares de múltiplas vozes ocuparam as praças em todas as 27 capitais e em muitas outras cidades brasileiras, para bradar pela ordem democrática, sem impunidade e sem trégua àqueles que, desprovidos de decência e sentimento pátrio, contra ela tramaram e buscam, continuar tramando.
As pujantes e promissoras manifestações, que tiveram lugar nesse dia, para além do brado que faz iluminar as trevas e assombrar os que desonram a República, cumpriram ainda outra histórica tarefa democrática, ao resgatar a Bandeira do Brasil como patrimônio coletivo, reapropriando o símbolo sequestrado por projetos autoritários. Nas ruas, as cores verde e amarelo voltam a significar pertencimento, soberania e compromisso com os preceitos democráticos.
Nesse dia memorável, palco de mobilizações como há muito não se realizavam, as milhares de multicoloridas vozes patrióticas autênticas, disseram o mais redondo e retumbante não à PEC da blindagem – leia-se, impunidade absoluta- e ao PL da anistia- que nada mais é do que salvo-conduto absoluto aos golpistas que, sem pudor algum, de forma criminosa e organizada, atentaram contra a ordem democrática, tentando anular a vontade soberana das eleições presidenciais e, por conseguinte, abolir o Estado Democrático de Direito.
A PEC da blindagem, aprovada na Câmara dos Deputados, representa indecente e intolerável tentativa explícita de criar escudo instransponível de impunidade para parlamentares, que passam ao largo do decoro e desonram o mandato popular que receberam, restringindo a atuação do Poder Judiciário e instituindo privilégios que ferem de morte o princípio da igualdade perante a lei e o pacto republicano. De igual modo, caracteriza-se o golpista PL de anistia, urdido com o único sórdido propósito de perdoar o passado, o presente e o futuro dos inimigos da ordem democrática.
Mobilizações imensas e expressivas marcaram o dia. Em São Paulo, mais de 42 mil pessoas lotaram a Avenida Paulista. No Rio de Janeiro, mais de 41 mil ocuparam Copacabana em um ato que mesclou memória e futuro, resistência e cultura. O clima da redemocratização tomou conta do país. Música, arte e política caminharam de mãos dadas contra a opressão. A trilha sonora foi a das canções que marcaram gerações: Chico Buarque, Caetano Veloso, Djavan, Paulinho da Viola e tantos outros ícones da MPB presentes, ontem e hoje, emprestando sua voz à luta popular.
Sindicatos, movimentos sociais, coletivos estudantis, artistas e trabalhadores de todas as regiões marcharam juntos, carregando palavras de ordem que ultrapassaram o repúdio à anistia e à blindagem. O povo reivindicou comida no prato, cultura e lazer, o fim da escala 6×1, justiça fiscal com a taxação dos super-ricos e a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários-mínimos. Como disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é hora de o Congresso pautar medidas que beneficiem o povo — e não projetos que insultam a democracia.
Os atos deste 21 de setembro representam um mais que esperado e bem-vindo resgate no tempo da democracia. O país se viu diante do espelho da história e recordou que a liberdade e o direito ao voto não são concessões, mas conquistas alcançadas com luta e sacrifício. O povo demonstrou que não aceitará retrocessos e que a tentativa de reescrever as regras em favor da impunidade parlamentar e do perdão aos golpistas não se consumará.
O senador Otto Alencar (PSD-BA), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), já afirmou que pretende pautar a PEC da Blindagem para sepultá-la de vez. O relator da matéria, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), também se posicionou frontalmente contra o texto aprovado na Câmara.
A pergunta que não se cala é: quem protege a sociedade contra as incongruências do Congresso Nacional?- como bem assenta a acreditadíssima CNBB, em sua contundente nota. Quando os representantes eleitos se distanciam do interesse popular e passam a legislar em causa própria, resta ao povo retomar as ruas e lembrar que soberania não se negocia. A democracia brasileira tem mostrado, ao longo de sua história, que é na voz popular que reside a verdadeira legitimidade.
O povo nas ruas plantou democracia no Dia da Árvore, às vésperas da primavera. Florescem coragem e esperança nos quatro cantos do Brasil. O Congresso pode agir como inimigo do povo, mas não o amedronta. O recado foi dado: a democracia resiste. Se os poderes da República se desviam de sua missão, cabe ao povo, organizado e mobilizado, abrir fendas no tempo para que a história não se repita como tragédia.
Os protestos já surtem efeito, mas não se pode descansar. A Contee se soma a esse brado e reafirma: a democracia não se ajoelha — germina e se espalha por toda parte. A democracia está viva: o povo segue atento e forte.
Foto da matéria: Paulo Pinto/Agência Brasil





