Deputado acusado de matar Marielle é julgado pela Câmara nesta terça

Por regra constitucional, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e o Plenário devem avaliar se mantêm ou não a prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ). Tendência é de manutenção do cárcere. Relator também se diz a favor

Implicado no caso Marielle Franco e preso de forma preventiva no último domingo (24) sob suspeita de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora, o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) será julgado politicamente pela Câmara dos Deputados a partir desta terça-feira (26), às 14 horas. Por regra constitucional, cabe à Casa avaliar se mantém ou não a prisão do parlamentar. O rito de avaliação do caso terá início pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que tem atualmente 65 membros titulares nomeados.

O colegiado deverá analisar o parecer do relator, Darci de Matos (PSD-RS), que foi escolhido para a função pela presidente da CCJ, a deputada bolsonarista Caroline de Toni (PL-SC). Para receber sinal verde, o texto precisa de maioria simples. Caso seja aprovado, ele passa automaticamente a trancar a pauta da Câmara, o que significa que deverá ser o primeiro item a ser avaliado pelo plenário da Casa quando for aberta a sessão deliberativa seguinte. A Câmara pretende finalizar a apreciação do caso até quarta (27), nas vésperas da Semana Santa, mas a tendência é de votação ainda nesta terça.

No plenário, é necessária maioria absoluta – ou 257 votos – para se manter a prisão de Brazão. O caso será submetido a uma votação aberta e nominal, o que significa que, ao final, será exibido o placar com os votos e a identificação de cada parlamentar. O resultado que vier a ser proclamado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), deverá ser comunicado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que havia autorizado a prisão. Na Corte, o aval inicial partiu do ministro Alexandre de Moraes, mas, na sequência, a decisão foi mantida de forma unânime pela Primeira Turma da Corte.

O pedido de prisão surgiu a partir de delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora Marielle Franco (Psol), que está preso desde março de 2019. Pela Constituição Federal, um parlamentar do Congresso Nacional só pode ser preso em caso de flagrante de crime inafiançável. Ao remeter os autos do processo de Chiquinho Brazão à presidência da Câmara na segunda (25), Moraes considerou que houve “flagrante delito pela prática do crime de obstrução de Justiça em organização criminosa”.

Cenário

Desde sua prisão, na manhã de domingo (24), Brazão tem vivido uma sucessão de reveses. O partido ao qual era vinculado até então, o União Brasil, divulgou no mesmo dia a abertura de um processo disciplinar para determinar a expulsão do parlamentar. Horas depois a executiva nacional da sigla decidiu expulsá-lo, o que faz com que agora o deputado vá a julgamento político sem uma legenda para abrigá-lo.

Paralelamente, o procurador de Contas Lucas Furtado, que oficia junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), enviou uma representação ao presidente do órgão pedindo que o TCU atue junto à Câmara para que, em caso de decisão pela manutenção da prisão do deputado, seja determinada a suspensão do pagamento do salário do acusado. O procurador pede ainda que, nesse caso, o parlamentar seja obrigado a restituir o valor proporcional referente ao período após o cumprimento do mandado de prisão.

“Já fui servidor concursado da Câmara dos Deputados e, portanto, tenho conhecimento de que o pagamento do mês é realizado antecipadamente. Nesse ponto, a meu ver, é cabível determinação de que haja a restituição do valor”, argumenta o procurador. Caso o TCU acate o pedido e prossiga adiante, a Câmara não seria obrigada a cumprir a solicitação, mas a iniciativa de Furtado se soma a um conjunto de outros elementos que hoje deixam Chiquinho Brazão em situação embaraçosa.

Deputados da ala bolsonarista, por exemplo, têm dito que ainda não definiram como irão se posicionar na votação. É o caso de Bia Kicis (PL-DF) e Nikolas Ferreira (PL-MG), por exemplo. Mas a sigla, que abriga parte considerável do grupo, também tem em seus quadros parlamentares que tendem a votar favoravelmente à manutenção. É o caso de Junio Amaral (MG), que, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, sinalizou posição nesse sentido. Em 2021, quando o plenário avaliou a prisão do bolsonarista Daniel Silveira, Amaral foi contra a manutenção. O placar da disputa ficou em 364 votos a favor do encarceramento e 130 contrários, com três abstenções.

Apesar da dúvida manifestada por parlamentares bolsonaristas, nos bastidores da Câmara, a projeção feita por diferentes lideranças partidárias é de que a prisão tende a ser mantida pelo plenário com margem confortável no placar. Diferentes elementos contam para a análise, entre eles a gravidade do crime, que dá a seus eventuais defensores grande ônus político, e a repercussão internacional das prisões efetuadas pela Polícia Federal (PF) no domingo. Também colaboram com o cenário o fato de o deputado estar sem partido e o de ser um parlamentar do “baixo clero”, alcunha utilizada na política para designar atores com pouca expressão e influência entre os pares.

Solenidade e cassação

Outro fator pode colaborar para ampliar o clima de responsabilização do parlamentar: a Câmara realiza, a partir das 11 horas desta terça, uma sessão solene em homenagem a Marielle e ao motorista Anderson Gomes. A cerimônia já estava agendada antes das prisões e foi solicitada pela deputada Talíria Petrone (Psol-RJ), com apoio da bancada psolista. Com a coincidência de data entre a solenidade e a sessão de avaliação da prisão de Brazão, a tendência é que o plenário da Casa se torne palco de um novo protesto por justiça para o caso, assim como já ocorreu em outros momentos desde o assassinato.

Os participantes da sessão devem também cobrar a cassação do parlamentar, que já é alvo de um pedido dessa natureza apresentado pelo Psol no âmbito do Conselho de Ética desde a tarde de domingo. O partido argumenta que a manutenção do mandato facilita nova eventual obstrução das investigações por parte do deputado. O pedido já recebeu uma sinalização do presidente do colegiado, deputado Leur Lomanto (União-BA), que disse à imprensa que pretende pautar o tema “de imediato”. O pedido ainda não consta no sistema do conselho porque passa primeiro por um trâmite interno na Secretaria-Geral da Mesa para depois ser enviado ao órgão.

“Espero que o plenário reconheça a gravidade das suspeitas que recaem sobre o deputado, ratifique a sua prisão e que o deputado seja cassado no Conselho de Ética porque não é possível alguém acusado com provas tão robustas de executar uma vereadora eleita pelo povo no meio de uma capital brasileira sair impune. Que sinalização seria essa para a democracia? Tenho confiança de que, independentemente de posição ideológica, a Câmara vai ficar ao lado da democracia e da Justiça”, disse Talíria Petrone ao Brasil de Fato.

Também do Psol, o deputado Glauber Braga (RJ) diz esperar uma confirmação da decisão tomada pelo STF. “Até que a votação aconteça, evidentemente, sempre temos que ficar acompanhando todo o desdobramento, cada um dos passos, até porque a votação só se consagra depois que o resultado é apurado, mas, neste momento, pelas informações que têm circulado, acho que essa é a tendência. E todos os indicativos dão conta de que o deputado vai perder o mandato também”, comenta o parlamentar.

Os dois processos, o que trata da manutenção da prisão e o de cassação, correm de forma independente. O relator do caso na CCJ tem dito à imprensa ser favorável à manutenção da prisão. Darci de Matos indicou que deve disponibilizar seu relatório no sistema da Câmara até o meio-dia desta terça, bem como afirmou que, apesar da proximidade do feriado da Semana Santa, projeta quórum elevado no plenário na votação, dada a relevância do caso.

Brazão

Em nota divulgada à imprensa na segunda, a assessoria de Brazão alegou inocência do ex-integrante do União Brasil. “É estarrecedor que o deputado, um cidadão inocente e um parlamentar no exercício de seu mandato, tenha sido preso de forma arbitrária em pleno domingo. O próprio relatório policial confessa a mais absoluta ausência de provas contra o deputado. Além de altamente desnecessária, visto que o deputado sempre esteve à disposição das autoridades, a medida é absurda e se baseia apenas em presunções e nas declarações de um criminoso confesso que busca diminuir sua pena.”

Por Cristiane Sampaio, do Brasil de Fato

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