Deputados mentem sobre terras indígenas nas redes e na Câmara para defender marco temporal

A informação falsa de que as terras indígenas demarcadas passariam de 14% para cerca de 30% do território brasileiro

Deputados de oposição espalharam mentiras nas redes e no plenário da Câmara para defender a tese do marco temporal, tema do PL 490/2007, aprovado na Casa na terça-feira (30) e que agora segue para o Senado. A informação falsa de que as terras indígenas demarcadas passariam de 14% para cerca de 30% do território brasileiro, caso a tese não fosse aprovada, foi compartilhada por ao menos três parlamentares — Bibo Nunes (PL-RS), Caroline de Toni (PL-SC) e Rafael Pezenti (MDB-SC).

Defendido pela bancada ruralista, o marco temporal determina que só poderiam ser demarcados territórios ocupados por indígenas até a data da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988). Apesar de o texto constitucional não ter qualquer definição explícita nesse sentido, os defensores da tese afirmam que o STF (Supremo Tribunal Federal) criou jurisprudência sobre durante o julgamento do processo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. O ministro Edson Fachin, no entanto, já negou que o caso tenha aplicação geral.

A alegação de que a rejeição ao marco temporal dobraria a área composta por terras demarcadas é mentirosa por dois motivos principais:

1. A rejeição ao marco temporal não levaria à aprovação automática de novos processos de demarcação, conforme explica a advogada Juliana Batista, assessora jurídica do ISA (Instituto Socioambiental).

Para que um território seja demarcado, é necessário comprovar por meio de estudos técnicos, ambientais e antropológicos que a população possui vínculo histórico com o território analisado e depende dele para o bem-estar, a reprodução física e a manutenção da própria cultura.

O processo é definido em lei e envolve diversas etapas e órgãos, como a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas);

2. Ainda que houvesse uma aprovação automática dos processos atualmente em análise, a área destinada aos povos originários não chegaria a 30% do território nacional, mas a 13,75%;

De acordo com a Funai, o Brasil tem atualmente 475 terras regularizadas e 296 com processo de demarcação pendente. A autarquia afirma ainda que há outras 478 reivindicações em análise, que podem ou não virar processos formais, mas não informa a extensão ou a localização dessas terras.

A informação falsa foi encampada pela Frente Parlamentar Agropecuária, que compartilhou no Twitter um vídeo em que o deputado Rafael Pezenti a usa como referência para defender a tese. Até o ano passado, a alegação era citada de forma recorrente pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com o contador de declarações do Aos Fatos, o ex-mandatário disseminou a mentira ao menos 11 vezes entre setembro de 2021, quando a discussão foi retomada pelo STF, e julho de 2022.

Após a aprovação na Câmara, o PL 490/07 segue agora para análise no Senado. O tema também será debatido no STF, que pautou para o dia 7 de junho o julgamento de um caso de repercussão geral que pode validar o marco temporal. Dois ministros votaram até agora: o relator Edson Fachin, que se manifestou contra a tese, e Nunes Marques, que se posicionou a favor.

Em nota divulgada após a aprovação na Câmara, o Ministério dos Povos Indígenas afirmou que o projeto de lei representa “um genocídio legislado”, porque, além de dificultar processos de demarcação, abre brechas para o contato com povos isolados.

A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) classificou o projeto como inconstitucional por violar os direitos fundamentais dos povos indígenas. “O direito à terra é originário. Sem território não há saúde e não há educação para os povos originários”, afirmou a associação em nota.

OUTRO LADO

Contatados por Aos Fatos para que comentassem a reportagem, os parlamentares Bibo Nunes, Caroline de Toni e Rafael Pezenti não responderam. A Frente Parlamentar Agropecuária também não se posicionou sobre o caso.

Terra

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