Dermeval Saviani e Carlos Roberto Jamil Cury marcam posição política de não comparecimento à entrega do Prêmio Capes
Os professores Dermeval Saviani e Carlos Roberto Jamil Cury foram merecidamente indicados ao Prêmio Capes Anísio Teixeira, mas preferiram não comparecer ontem (26) à entrega da premiação em função de a cerimônia ser presidida pelo atual ministro da Educação, Mendonça Filho. Ambos enviaram uma justificativa ao presidente da Capes, Abílio Baeta Neves, e outra aos companheiros que atuam na área de educação a contribuíram para a indicação dos dois. Nesta última, Dermeval agradeceu a generosidade da indicação, mas argumentou que na “presente conjuntura política regressista com ameaças, que já estão se concretizando, de grave retrocesso em nossa área, consideramos que a atitude que tomamos é a mais coerente com a já longa e árdua luta que todos nós estamos travando por uma educação pública do mais elevado padrão de qualidade acessível a toda a população brasileira”.
Abaixo, o Portal da Contee reproduz a carta ao presidente da Capes e também a nota de esclarecimento escrita pelos dois professores:
“Ilmo Prof. Dr. Abílio Baeta Neves
Presidente da CAPES
Esta missiva tem como objetivo manifestarmos a razão pela qual não estaremos presentes na entrega do Prêmio Capes ” Anísio Teixeira “.
Este prêmio, conduzido por esta agência, teve a participação de nossos pares, algo que já é marca desta agência e obteve a aprovação do Conselho Superior. Portanto, cabe-nos agradecer e aceitar esta manifestação de nossos pares na comunidade científica e selado pelo órgão máximo da agência que V. Sa. preside.
De fato, este prêmio mais do que condecoração às nossas pessoas valoriza a Educação Básica a qual em boa hora passou a fazer parte dos desígnios da Capes mediante políticas de programas e apoios à formação de docentes.
Mais ainda se reveste de valor quando a CAPES celebra seus 65 anos de existência, 65 anos em que a dinâmica da agência se pautou pela presença de pares nas decisões e apoio com recursos programáticos e financeiros.
Nossa expectativa era que esta cerimônia se desse dentro dos espaços da agência e fosse presidida por V.Sa.
Entretanto, a mudança do local nos colocou em situação delicada já que temos reservas quanto ao cerimonial a ser levado adiante no Palácio do Planalto e pelas posições que temos tomado quanto às recentes medidas do governo que, a nosso ver, não fazem jus à dinâmica do Plano Nacional de Educação pelo qual tanto nos empenhamos.
Contando com a serena compreensão de V.Sa., colocamos em anexo as razões relativas à nossa ausência.
Atenciosamente,
Professor Carlos Roberto Jamil Cury — Belo Horizonte, 19/10/2016.
Professor Dermeval Saviani — São Paulo, 19/10/2016.
ESCLARECIMENTO
Prof. Carlos Roberto Jamil Cury
Prof. Dermeval Saviani,
em 19/10/2016.
O Prêmio Capes “Anísio Teixeira” é uma honraria que dignifica quem o recebe, mas também quem o propicia. O fato da CAPES ter se reaberto para a educação básica de modo formal torna este nível da educação nacional objeto de políticas e programas que visam assegurar maior democratização de nossa educação. Por isso há uma convergência entre a nova configuração da agência e o nome do patrono do prêmio. Anísio Teixeira se pautou pela valorização da educação pública, denunciando quando ela se tornou privilégio e lutando por ela como direito. Nos tempos em que a ditadura do Estado Novo, em 1937, quebrando a institucionalidade democrática de 1934, privilegiou a educação privada e secundarizou a educação pública, ele se afastou da vida pública esperando por dias mais abertos. Em seu retorno à vida pública com a redemocratização de 1946 não só se voltou para a educação básica como também passou a oferecer um contributo inestimável para o ensino superior com a fundação da CAPES, em 1951, da qual foi o primeiro dirigente.
Hoje, muitos dos educadores e das associações científicas que foram consultados a fim de indicarem nomes que fizessem jus a este prêmio, entenderam que nossos nomes poderiam fazer parte da lista dos contemplados. Certamente outros nomes também fariam jus e hão de receber este prêmio em anos próximos. E o Conselho Superior da CAPES entendeu, por sua vez, serem nossos nomes dignos da indicação. Esse reconhecimento é apenas um incentivo a mais para continuarmos a valorizar a educação nacional nos termos do Plano Nacional de Pós-Graduação e do Plano Nacional de Educação em consonância com o disposto na Emenda Constitucional n. 59 de 2009.
Ao aceitarmos esta indicação, entretanto, não podemos nos esquecer que estamos em posições opostas ao atual governo e isto nos constrange diante de uma solenidade que pode significar apoio a medidas que venham a restringir o nosso compromisso com uma educação de qualidade. Tal circunstância também nos constrange porque a participação nessa cerimônia nos colocaria em desacordo com o exemplo do patrono do prêmio em sua intransigente defesa da democracia como uma condição indispensável para o pleno atendimento aos direitos educacionais de toda a população brasileira.
Nossa ausência na cerimônia solene não nos retira o compromisso de continuarmos, dentro da pluralidade de concepções — como registra nossa Constituição — na luta para assegurar a todas as crianças e jovens de nosso país uma educação pública com elevado padrão de qualidade considerada por nós um requisito necessário à consolidação de nossa ainda frágil democracia.