Desafios e conquistas das mulheres no mercado de trabalho: Reflexões cruciais no programa Contee Conta

No último dia 10, o programa Contee Conta, promovido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), abordou o tema A Perspectiva Atual do Trabalho no Universo Feminino. O evento proporcionou uma reflexão profunda sobre os desafios e as conquistas das mulheres no mercado de trabalho, com foco especial na educação, um campo crucial para discutir as lutas sociais. Sob a mediação de Cristina de Castro, Coordenadora de Relações Internacionais da CONTEE, e da jornalista Romênia Mariani, o encontro retratou as disparidades ainda presentes no universo profissional feminino.

Cristina de Castro iniciou a conversa destacando a relevância da discussão: “Hoje, nosso bate-papo vai abordar os desafios, as conquistas e tudo o que é importante para a defesa das trabalhadoras, não apenas da educação, mas de uma forma geral. Este programa é de extrema importância, pois, como sabemos, as mulheres continuam sendo vítimas de violências, e isso se reflete no nosso trabalho e nas práticas de ensino, onde muitas vezes crianças relatam as violências que vivenciam.”

A conversa seguiu com intervenções de figuras essenciais no movimento sindical e na luta pelos direitos das mulheres. Participaram Margot Andras, coordenadora da Secretaria de Defesa das Diversidades, Direitos Humanos e Respeito às Etnias e Combate ao Racismo da CONTEE; Rogerlan Augusta de Moraes, diretora de Assuntos Jurídicos do Saaemg; e Conceição Fornasari, presidenta do Sinpro Campinas.

Dados alarmantes revelados pelo Dieese

Rogerlan Augusta começou destacando o impacto das desigualdades no mercado de trabalho: “O material do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) é muito importante, pois mostra as nuances que precisamos considerar: a tripla jornada, o excesso de trabalho, a desigualdade de jornada e salário, a sobrecarga de tarefas domésticas, além do assédio moral. A pesquisa revela que, embora tenhamos visto a criação de 1,7 milhão de postos de trabalho com carteira assinada e uma redução do desemprego, as mulheres ainda enfrentam grandes desafios. Elas continuam com maiores taxas de desemprego, salários mais baixos e ainda acumulam tarefas domésticas, como cuidar de familiares.”

Ela também abordou a disparidade salarial: “É inaceitável que, em pleno século XXI, uma mulher ganhe 40 mil reais a menos por ano que um homem, mesmo ocupando as mesmas funções. Isso reflete um desrespeito absurdo e uma clara falta de igualdade.”

A luta pela igualdade de gênero

Conceição Fornasari refletiu sobre a luta constante pela igualdade de gênero, ressaltando: “A ideia de ‘enxugar o gelo’ é, na verdade, ‘esparramar o gelo’. A luta é contínua. Apesar dos avanços na legislação, da presença das mulheres em cargos estratégicos e das mudanças culturais, a igualdade de gênero continua sendo uma pauta que não se resolve de uma vez por todas. No capitalismo, especialmente no neoliberalismo, ganhamos em algumas frentes, mas perdemos em outras. O verdadeiro avanço, a verdadeira emancipação das mulheres, só será alcançada quando superarmos um mundo patriarcal, machista e sexista, que ainda desvaloriza as mulheres de forma estrutural. E essa transformação não virá de um homem ou outro, mas de um movimento conjunto. Nossos avanços não foram dados de bom grado, mas conquistados com muita luta. Mulheres foram assassinadas, queimadas na fogueira, e organizações sociais, feministas e sindicais se organizaram para lutar por essa mudança. Foi por causa dessas lutas que a legislação pôde avançar um pouco, e é graças a esse avanço que podemos discutir esses temas abertamente hoje. Portanto, os movimentos sociais e as mulheres que estão à frente dessa luta precisam continuar carregando a sociedade para essa busca pela equidade de gênero.”

Margot Andras destacou a importância de repensar a divisão de responsabilidades dentro de casa e a necessidade de mudanças estruturais para promover a equidade de gênero: “É fundamental entender que a responsabilidade pelos cuidados domésticos não deve recair exclusivamente sobre as mulheres. A divisão de tarefas dentro de casa deve ser feita de maneira igualitária, entre todos os membros do lar. Continuamos ouvindo mulheres dizerem ‘ele me ajuda’, mas isso é um erro. Ele não ‘ajuda’; ele tem a mesma responsabilidade que qualquer outra pessoa da casa. O cuidado, por exemplo, deve ser responsabilidade de todos, sem exceção. A educação é um espaço crucial para discutir essas questões, formar novas compreensões e mudar a mentalidade das próximas gerações. Um exemplo disso é o que observei recentemente em uma escola infantil, onde tanto meninos quanto meninas carregavam bonecas e aprendiam a cuidar. Isso é uma prática que deve ser incentivada, pois, no futuro, todos devem entender que os cuidados são responsabilidades coletivas. O feminismo precisa ser uma discussão que envolva homens e mulheres para que possamos, de fato, promover uma mudança estrutural na sociedade. Não podemos mais invisibilizar essas questões.”

Políticas públicas e o desafio do cumprimento da lei

O debate trouxe à tona questões importantes, como a falta de políticas públicas adequadas para a educação infantil, a sobrecarga de tarefas para as mulheres e os desafios que persistem, mesmo com a existência de leis que buscam garantir a igualdade de direitos. Conceição Fornasari mencionou que, apesar da CLT e do Estatuto da Mulher Casada, a realidade ainda está longe da igualdade: “Apesar das leis de igualdade salarial e outros direitos, a implementação dessas políticas ainda é um grande desafio. A lei que garante igualdade salarial, por exemplo, ainda não é efetivamente cumprida, como mostram os dados do Diese.”

A pressão no ambiente de trabalho e seus efeitos

Rogerlan Augusta de Moraes abordou os desafios enfrentados pelas mulheres no trabalho e suas consequências emocionais: “Parece surreal que, em um momento em que a exploração é intensa e as mulheres adoecem, ainda estamos lutando por uma jornada de trabalho reduzida. Aqui no SAAEMG, temos o maior número de atendimentos de mulheres com problemas emocionais. Esse sentimento de que fomos educadas para ser melhores, para provar nosso valor, acaba nos adoecendo. Esse tipo de pressão nas instituições de ensino é absurdo, pois sabemos que o trabalho rende muito mais quando o ambiente é saudável. No entanto, algumas instituições optam por criar ambientes precários e opressores, acreditando que mais pressão gera mais produtividade. Isso só adoece e afasta as pessoas.”

A jornada de trabalho e a sobrecarga para as mulheres

Conceição Fornasari elucidou sobre a realidade das jornadas de trabalho longas e a sobrecarga das mulheres, especialmente aquelas que desempenham funções duplas: “Uma das principais lutas hoje é contra a jornada de trabalho ‘seis por um’. Essa jornada afeta homens e mulheres, mas prejudica muito mais as mulheres. Elas trabalham seis dias por semana, e isso interfere em como vão cuidar da casa, do bebê, do marido. Uma mulher trabalha das sete da manhã às quatro da tarde, leva o bebê à creche, vai buscar e ainda tem que dar conta de outras tarefas. E se for professora, o problema é ainda maior, pois precisa preparar aulas e corrigir provas fora do horário. Como ela vai se cuidar? Quando terá tempo para a vida social ou familiar? A educação tem um grande problema nesse sentido. Já temos escolas de ensino superior com aulas aos sábados, e na educação básica as reposições de aulas também são feitas aos sábados.”

A divisão histórica das responsabilidades

Margot Andras fez questão também de evidenciar sobre a divisão histórica das responsabilidades sociais e familiares: “Quando é que a mulher vai se cuidar? No passado, a responsabilidade pelo cuidado era compartilhada pela comunidade. A mulher não tinha que resolver tudo sozinha. Essa divisão histórica ainda cria estigmas, como o de que a menina deve usar rosa e brincar com boneca, enquanto o menino deve usar azul e brincar com ciência. Precisamos romper com esses preconceitos, porque eles só perpetuam a desigualdade. O feminismo precisa ser discutido por todos, e isso precisa começar desde a infância.”

Estereótipos no ambiente educacional

Cristina de Castro frisou a necessidade de combater os estereótipos no ambiente educacional, afirmando: “Precisamos lembrar, todos os dias, dos desafios enfrentados pelas mulheres, especialmente na educação. Recentemente, em um grupo de professores, vi uma mensagem no Dia Internacional da Mulher que dizia: ‘Feliz Dia das Mulheres! Estou postando hoje, 9 de março, para elas verem como é bom se atrasar.’ Isso me irritou profundamente, principalmente por vir de um educador. Esses estereótipos prejudiciais precisam ser combatidos. A educação é um espaço privilegiado para mudar essa mentalidade. No início da minha carreira, pedi aos alunos que trocassem brinquedos, e os pais ficaram revoltados ao ver os meninos brincando de boneca. Precisamos romper com esses padrões, pois a vida exige que todos, homens e mulheres, superem esses estigmas.”

A necessidade de tempo para si

Conceição Fornasari ilustrou sobre a importância das políticas públicas para garantir um tempo adequado para as mulheres: “As mulheres não precisam ser belas, recatadas e do lar. Podemos ser tudo isso, mas também podemos ser muito mais. A conquista do trabalho fora de casa foi um grande passo, mas ainda estamos longe de garantir a segurança e o bem-estar de todas as mulheres. Precisamos de políticas públicas eficazes, como creches e restaurantes populares, para garantir que as mulheres tenham mais tempo para si mesmas. Além disso, o assédio moral e sexual no ambiente de trabalho é algo grave, e o medo de perder o emprego muitas vezes faz as mulheres se calarem. Isso não acontece apenas nas camadas populares, mas em todos os setores.”

O ompacto das redes sociais na saúde mental das mulheres

Margot Andras finalizou a discussão ressaltando a necessidade urgente de tempo para si mesmas: “Precisamos de tempo para cuidar de nós mesmas, para a família, para o lazer, para não fazer nada. O avanço das redes sociais naturalizou a ideia de que o trabalho nunca acaba. Mesmo quando o ponto já foi batido, a mulher ainda é cobrada, recebe mensagens, solicitações, e isso é uma das razões para o adoecimento. Precisamos garantir tempo para nossa saúde mental, para a nossa vida pessoal, para a nossa família.”

Inspiração e reflexão: A arte como forma de resistência

Para encerrar o programa, as participantes compartilharam palavras de inspiração, através de poemas que ressaltam a força feminina. Cristina Castro leu o poema Ofertas de Aninha da escritora Cora Coralina. Veja um trecho: “Eu sou aquela mulher a que o tempo muito ensinou, ensinou a amar a vida e não desistir da luta, recomeçar na derrota, renunciar às palavras e pensamentos negativos, acreditar nos valores humanos e ser otimista.”

A luta pela igualdade de gênero, pela valorização das mulheres e pela implementação de políticas públicas efetivas é uma jornada que exige o esforço de todos.

Assista ao programa na íntegra

Por Romênia Mariani

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