Desemprego e queda na renda são os principais obstáculos para recuperação da economia brasileira

O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro apresentou queda histórica no 2° trimestre de 2020. A retração de 9,7% no segundo trimestre do ano é a maior da série histórica do IBGE. Se a essa queda no segundo trimestre somarmos a retração de 2,5% no primeiro trimestre, temos um tombo de 11,9% da economia brasileira no primeiro semestre do ano. É a maior recessão já registrada no Brasil.

A queda poderia ter sido maior não fosse o auxílio emergencial de R$ 600 que beneficiou cerca de 65 milhões de pessoas durante os cinco meses entre abril e agosto. Com a redução do auxílio emergencial para R$ 300 nos próximos quatro meses e o seu fim, em 2021, enquanto a taxa de desemprego se acelera, e os sinais de desequilíbrio da economia brasileira se aprofundam, as perspectivas de retomada, para 2021, são cada vez mais incertas. O FMI fala em crescimento de 2,8% em 2021, mas faz muitas ressalvas.

A crescente dificuldade d governo rolar a dívida pública e a disparada do dólar revelam a crescente dificuldade do governo de agradar o mercado, mantendo o teto de gastos e, ao mesmo tempo, transformar o auxílio emergencial em um programa permanente de renda básica, em substituição do Bolsa Família. Todas as alternativas que o governo apresenta – na verdade, balões de ensaio – implicam em redistribuir a renda entre pobres e a classe média mais baixa, sem mexer com os interesses dos mais ricos. Se o objetivo de Bolsonaro é manter os ganhos de popularidade obtidos com o auxílio emergencial,  de olho na reeleição, em 2022, o tiro pode sair pela culatra.

O aumento da desigualdade devolveu o Brasil, ou melhor, milhões de brasileiros ao triste mapa da fome.

A última sugestão da equipe de Paulo Guedes de acabar com o desconto padrão de 20% na declaração simplificada do Imposto de Renda impacta diretamente os trabalhadores da classe média com menor nível de renda, uma vez que só poderá se beneficiar dos descontos permitidos na declaração completa quem tem dinheiro para pagar plano de saúde, médicos e fisioterapeutas privados e escolas particulares para os filhos.

A OCDE divulgou no início de setembro um documento intitulado “Tax Policy Reforms 2020”, no qual recomenda que uma das maneiras de os países restaurarem as finanças públicas após a crise da Covid-19 pode ser a taxação sobre propriedades e ganhos de capital. Não se cogita, entretanto, nem por parte do governo federal e do Congresso Nacional, nada que vá minimamente nessa direção.

Dados mais recentes confirmam a expectativa de que o desempenho da economia brasileira tende a melhorar nesta segunda metade do ano, na medida em que as ações restritivas relacionadas ao controle da Covid-19 vão sendo levantadas. Segundo o Grupo de Conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Produto Interno Bruto (PIB) deve ter aumentado 6,8% no terceiro trimestre deste ano ante os três meses anteriores.  A indústria brasileira cresceu pelo terceiro mês consecutivo em julho, após o choque inicial das medidas de isolamento social. A produção industrial avançou 8% na comparação a junho, depois de apresentar quedas recordes em março e abril – respectivamente -8,3% e -19,5% – seguida de aumento de 8,7%, em maio, e 9,7% em junho. Apesar dessa recuperação, a produção industrial acumula baixa de 9,6% no ano e 5,7% nos últimos 12 meses.

Desemprego, uma pedra no caminho da recuperação

As elevadas taxas de desemprego são, entretanto, uma enorme pedra no caminho da recuperação. Segundo a Pnad Contínua, do IBGE, a taxa de desemprego atingiu 13,8% no trimestre até julho, pior resultado da série histórica, de 2012. São 13,13 milhões de pessoas sem ocupação. Esse número porém está subestimado, uma vez que desconsidera a enorme massa de trabalhadores que deixou de procurar emprego por causa da pandemia e passou, nas estatísticas, para a condição de inativa, parcela não considerados como desempregados. Se esses trabalhadores fossem levados em conta, segundo cálculos do banco Goldman Sachs, a taxa real de desemprego seria de 24,1% no trimestre até julho.

Entre a cruz e a caldeirinha

Entre os fatores que têm sido apontados para a melhora do desempenho da economia, ao lado do auxílio emergencial e da redução gradativa do distanciamento social, que contribuirá para a recuperação do setor de serviços, estão os juros baixos, que têm permitido o aumento das concessões de crédito imobiliário, a aquisição de veículo e outros bens. O problema é que bancos e investidores veem com cada vez mais desconfiança a política econômica do governo, que vem sendo gerenciada de forma caótica pelo ministro Paulo Guedes e sua equipe, e exigem taxas de juros cada vez mais altas para a rolar a dívida pública.

Para manter o “mercado” calmo, o governo teria que mandar sinais inequívocos de que, passada a emergência da pandemia, retomará a política de austeridade fiscal e manterá o teto de gastos. Mas isso conflita tanto com os planos eleitorais de Bolsonaro, que gostaria de continuar surfando na onda de popularidade obtida com o auxílio emergencial, já pensando em sua possível reeleição em 2022, quanto com as necessidades reais do País.

Sem saber o que fazer, Bolsonaro tenta se equilibrar entre dois fogos, mas o máximo que consegue é empurrar com a barriga decisões difíceis que terá de tomar, em uma direção ou outra: ou agrada os do andar de cima e arrisca perder o apoio popular conquistado na pandemia, ou faz o contrário e arrisca ser abandonado pelo “mercado”, que tem poder de fogo para desestabilizá-lo politicamente. Já perdeu a direita “morista”. Se perder a direita “guedista”, vai ter que se virar com os “olavistas”, os militares e o Centrão. O problema é que esses últimos não embarcam em canoa furada.

A pandemia só tornou pior o que já estava ruim

É evidente que o péssimo desempenho da economia brasileira neste ano deve-se fundamentalmente aos efeitos da pandemia da Covid-19 sobre a atividade econômica não só no Brasil, mas em todo o mundo. Isso não pode esconder, entretanto, a péssima gestão econômica do governo federal.

A queda de 2,5% no PIB, no primeiro trimestre de 2020, deve-se, em grande parte, aos efeitos da pandemia, sobretudo a partir de março, mas é preciso registrar que a economia brasileira já vinha se arrastando ao longo de todo o ano de 2019, quando o crescimento do PIB foi pior do que os já péssimos anos de 2017 e 2018, quando não passou de 1%. Ou seja, a pandemia já encontrou a economia brasileira em condições difíceis e só fez aprofundar uma situação que já era muito ruim. A insistência do governo federal em uma política fiscal restritiva no momento em que o investimento privado em atividades produtivas já era quase nulo e a taxa de desemprego era superior a 12% já estava matando a economia brasileira muito antes da Covid-19. De certa forma, a pandemia da Covid-19 está apenas mascarando a verdadeira “causa mortis” da economia brasileira que é sua sujeição ao rentismo e à especulação financeira. Como lembra Mariana Mazzucato, em artigo recente, referindo-se às economias avançadas, mas que também se aplica ao Brasil:

As economias avançadas vinham sofrendo de grandes falhas estruturais muito antes do surgimento da COVID-19. Por um lado, as finanças estão se autofinanciando, erodindo assim a base do crescimento de longo prazo. A maior parte dos lucros do setor financeiro são reinvestidos em finanças – bancos, seguradoras e imóveis – em vez de usados para fins produtivos, como infraestrutura ou inovação[1]

Prova disso foi o retorno do País ao mapa da fome já antes da pandemia. Pesquisa divulgada pelo IBGE, no mês de setembro, mostra que depois de mais de uma década em declínio, a fome voltou a crescer e atingiu 10,284 milhões de pessoas de meados de 2017 a meados de 2018 – o correspondente a 5% da população brasileira. Depois de 2016, o combate à fome deixou de ser prioridade do governo, que passou a ter como único foco da política econômica o chamado ajuste fiscal e essa política teve continuidade no primeiro ano do governo Bolsonaro. Não é de estranhar, portanto, que o crescimento econômico em 2017, 2018 e 2019 tenha sido praticamente nulo.

O processo de desindustrialização acelerada destrói empregos, renda, tributos e divisas, tornando o País mais pobre e mais desigual.

Desindustrialização

O fenômeno da desindustrialização do Brasil não vem de hoje. Ganhou força principalmente a partir da primeira década deste século com o boom das commodities no mercado internacional e a consequente valorização das taxas de câmbio, que levou à perda de competitividade da indústria nacional, principalmente frente à concorrência da China. Mas as políticas neoliberais adotadas pelos governos brasileiros depois de 2016 – leia-se Temer e Bolsonaro – estão contribuindo para a crescente perda de espaço da indústria de transformação não só na economia brasileira, mas também ao nível internacional.

De acordo com relatório divulgado pelo órgão da ONU que trata do desenvolvimento industrial – Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido) –  a participação do Brasil no valor adicionado da indústria mundial, após ter alcançado 2% em 2010, vem encolhendo de forma constante na última década, voltando a recuar, entre 2018 e 2019, de 1,24% para 1,19%. Essa retração fez o Brasil cair mais uma posição no ranking de maiores potências industriais, para a 16ª posição, atrás de outros países emergentes como Indonésia, México, Rússia e Turquia.

A reorganização das cadeias globais de valor que deverá ocorrer passada a pandemia da Covid-19 poderia ser uma oportunidade para o Brasil tentar ganhar mais espaço na indústria global, mas isso não vai acontecer espontaneamente. Seria preciso a adoção de políticas ativas de atração de investimentos, desenvolvimento de infraestrutura, investimentos em educação, ciência e tecnologia. Nada disso, infelizmente, está no horizonte do atual governo brasileiro.


[1] Mazzucato, M. Capitalism After the Pandemic. Foreign Affairs, October, 2, 2020.

Bonifácio

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