Desmontando os argumentos falaciosos daqueles que se opõem ao Insaes
Madalena Guasco Peixoto*
O Projeto de Lei 4.372/12, que cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior (Insaes) é uma medida fundamental para garantir ao Ministério da Educação (MEC) maiores condições de cumprir o papel de avaliação e supervisão, autorização e credenciamento de cursos e instituições no Brasil e assegurar uma maior capacidade do Estado de assumir sua função na garantia da qualidade da educação, inclusive em instituições que vivem do dinheiro público.
No entanto, a contraposição à aprovação do Insaes, praticada pelos representantes dos interesses privatistas, os quais visam o lucro, e não a qualidade do ensino, vem se dando por meio de três argumentos falaciosos.
O primeiro e mais usual é aquele que recorre ao Artigo 209 da Constituição da República para alegar que a educação é livre à iniciativa privada. Esquecem-se os detratores do Insaes – ou omitem deliberadamente – que, de acordo com o referido dispositivo constitucional, o ensino é, sim, livre à iniciativa privada, desde que atendidas as seguintes condições: cumprimento das normas gerais da educação nacional; e autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
Em outras palavras, como educação é um direito, ela até é, de fato, livre à iniciativa privada. Contudo, essa mesma iniciativa privada deve, primeiramente, respeitar as normas gerais da educação nacional e, em segundo, ser avaliada pelo Estado e por ele ser autorizada, a fim de continuar atuando no campo do direito educacional.
Portanto, essa liberdade se condiciona à regulação feita pelos poderes Legislativo – como no caso da aprovação da lei que criou o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) – e Executivo, o qual, além de colocar em prática a avaliação, regula em quais condições e de que forma ela ocorrerá, colocando, por exemplo, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) a serviço da implementação dessa lei. O parlamento legisla e o Estado, no caso da lei do Sinaes – que regula a avalição da educação superior –, utiliza-se dessas avaliações para cumprir o seu papel de autorizar, credenciar e recredenciar instituições e cursos superiores.
Desta forma, o que o Insaes fará é dar consequência ao que determina o próprio Artigo 209: fortalecer a capacidade do Estado de avaliar, autorizar, credenciar e descredenciar cursos e instituições após avaliação e dar prosseguimento aos processos advindos desta atribuição dada pela Constituição Federal. Em nenhum momento o texto do projeto de lei trata de outra questão que não a avaliação e a regulação. Assim, é inadmissível que se use como bandeira contra a aprovação do Insaes qualquer argumento que sugira que a lei retirará a liberdade de cátedra, a liberdade de ensinar etc., como alguns documentos produzidos por representantes de interesses privatistas têm sugerido.
O Insaes nada tem a ver com tolhimento à liberdade de cátedra, liberdade de expressão e liberdade de ensino. Este tipo de raciocínio falacioso contra o Insaes tem o único objetivo de confundir incautos que nada sabem sobre a necessidade da criação desta autarquia.
Tampouco tem procedência relacionar o Insaes à suposta imposição de um ensino único, estatal; muito menos colocar a iniciativa privada como caudatária da educação publica. A questão crucial, contudo, é que a educação é um direito – este sim único e subjetivo, como determinado por nossa Constituição – e não podemos ter critérios de qualidade diferenciados, um para a educação pública e outra para a educação privada. Acontece que é exatamente isso que, ao se opor ao Insaes, a iniciativa privada gostaria que existisse na educação superior: não ser submetida aos mesmos critérios e exigências aplicados ao setor público, ficando livre para se preocupar apenas com seus próprios lucros, deixando de lado a preocupação com a qualidade e o tratamento da educação como uma estratégia imprescindível para o desenvolvimento e a soberania nacional.
Tais argumentos contrários à aprovação do Insaes são, portanto, falaciosos e de fácil contra argumentação. O que o PL do Insaes procura é dar consequência ao que delega a Constituição. Isso porque, atualmente, o procedimento de avaliação tem gerado inúmeros processos, em quantidade incompatível com a estrutura e o número de funcionários da Secretaria de Regulação, que não tem conseguido dar conta desta atribuição tão importante.
É preciso que se diga, ainda, que o número de processos que se acumulam na Secretaria de Regulação foram gerados pela avaliação de instituições e cursos que não conseguiram a nota mínima, porque não investem em qualidade e porque não respeitam as exigências mínimas colocadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
A iniciativa privada não quer ser avaliada nem regulada, mas quer dinheiro público e isenção de impostos, mesmo as instituições que não se caracterizam como filantrópicas, confessionais ou comunitárias, como define nossa Constituição. Muitas dessas instituições, inclusive, possuem capital aberto na bolsa de valores, tendo como interesse principal somente a ampliação do lucro de seus acionistas.
No momento de as empresas privadas receberem verbas públicas por meio de várias rubricas, o argumento delas é de que são instituições que cumprem um papel social importante no campo dos direitos e que o Estado brasileiro deve a elas todo o incentivo possível; que essas empresas “merecem” todo apoio do Poder Público – por meio de dinheiro público –, conquistando enormes lucros à custa de verba do Estado e sem oferecer qualquer contrapartida.
Todos esses aspectos dizem respeito, porém, apenas ao primeiro argumento usado setor privado contra o Insaes; o segundo é o de que a autarquia intervirá nas mantenedoras.
Hoje, no Brasil, todos estamos assistindo um verdadeiro descalabro com os direitos de estudantes que, na esperança de fazerem um curso superior, acabaram por entrar em instituições cujas mantenedoras mudam da noite para o dia, sem nenhuma notificação ao Ministério da Educação. Tais mantenedoras enriquecem seus donos e gestores e aumentam o seu capital, ao passo que as mantidas falem, deixando milhares de estudantes sem matrícula, sem os certificados e sem condições de, sozinhos, resolverem o problema gerado. Isso sem falar do passivo trabalhista que acumulam, deixando sem receber seus direitos milhares de professores e de trabalhadores da educação.
Portanto, não se trata de intervenção nas mantenedoras, mas da exigência de que aquilo que fica registrado o e-MEC seja de fato mantido e que modificações que ocorram no âmbito pedagógico e institucional não sejam sonegadas à sociedade nem tampouco ao órgão cuja tarefa é regular a educação superior privada. Os conselhos estaduais não acompanham esses processos e o mesmo ocorre com o Conselho Nacional de Educação (CNE). O Ministério da Educação também não é capaz de fazê-lo, porque não possui condições estruturais para isso.
Hoje, uma mantenedora que deixou estudantes e profissionais sem alternativa, porque fechou uma instituição no Distrito Federal e em outros dois estados, continua atuando livremente no mercado, pedindo novos credenciamentos. Em vista de fatos como esse, a exigência de que a empresa não tenha passivo trabalhista ou de qualquer outro tipo é o mínimo que se pode exigir de uma instituição que pretende atuar no campo dos direitos e mexer com a vida de tantas pessoas.
O terceiro pretenso argumento usado pelos que são contrários ao Insaes é o de que já cabe ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) regular as aquisições e fusões no Brasil e que não caberia, pois, ao Ministério da Educação este papel.
O Insaes, além de fortalecer a avaliação e a supervisão gerada pela avaliação, busca regular também as fusões e aquisições que, como fenômeno, começaram a aparecer a partir de 2005 e que hoje têm sido motivo de preocupação de amplos setores da sociedade brasileira, uma vez que transformam as instituições da educação superior, como já citado, em instituições de capital aberto na bolsa de valores.
O Cade é responsável, sim, por regular do ponto de vista econômico tais fusões – que, aliás, já se transformam em verdadeiros oligopólios. Estamos esperando, inclusive, a manifestação do Cade a respeito da fusão das empresas Kroton e Anhanguera. Todavia, o que o PL do Insaes determina é uma regulação também do ponto de vista educacional e pedagógico, por meio de autorização prévia do MEC, a fim de que sejam mantidas as mesmas condições de oferta dos cursos e instituições na época de sua avaliação. Isso é importante porque os grupos que compram as instituições esperam o processo de avaliação se encerrar para depois alterar o projeto pedagógico e demitir os docentes mais qualificados, burlando de forma aberta o processo de avalição e, portanto, driblando o que afirma o Artigo 209 da Constituição.
Isso precisa acabar. Nós, que representamos os trabalhadores que atuam na rede privada de educação superior, não somos contra a liberdade de ensino. Na verdade, somos árduos defensores dessa liberdade, que, aliás, vem sendo duramente aviltada com a padronização dos materiais didáticos e pedagógicos realizada por várias instituições com o objetivo claro de diminuição de custo e de pasteurização e simplificação da formação superior. Nós apoiamos a aprovação do Insaes e consideramos que ele apenas trará condições para que se efetive o Artigo 209 da Constituição, contribuindo para melhorar a formação dos nossos jovens na medida em que fortalece a avaliação e procura regular um sistema complexo, permitindo que atuem livremente instituições sérias e com compromisso social.
*Madalena Guasco Peixoto
Coordenadora-geral da Contee