Dia Nacional do Livro Didático é também dia de defesa da educação
Neste dia 27 de fevereiro, em que se comemora o Dia Nacional do Livro Didático, impossível deixar de pensar de que maneira um reflexo do Brasil de aqui e agora será enxergado lá e então, nas obras disponibilizadas aos estudantes futuros. Os livros de ciências desse país que tentamos vislumbrar à frente trarão novamente informações sobre orientação sexual e identidade de gênero ou permanecerão proibidos, como aqueles que tratam do assunto e que foram recolhidos na São Paulo de hoje? As obras de Língua Portuguesa disporão de textos de um Machado de Assis ou de um Rubem Fonseca ou esses escritores estarão definitivamente banidos — como o governo de Rondônia recentemente tentou fazê-lo —, passando as análises sintáticas a serem ensinadas a partir dos tuítes de um homem obscuro que um dia foi ministro da Educação, um tal Abraham Weintraub? E a história do Brasil de hoje, como será retratada nos livros? Estará lá, por exemplo, que numa terça-feira de Carnaval, no distante ano de 2020, o então presidente da República, Jair Bolsonaro, deixou cair definitivamente sua máscara e ameaçou Supremo Tribunal Federal (STF) Judiciário ao convocar, em grupos de WhatsApp, uma manifestação pelo fechamento do Parlamento?
Os livros didáticos refletem uma concepção de ensino, que por sua vez está imersa numa concepção mais ampla de educação, que por fim se insere na concepção de uma sociedade, de um país e de como ele se insere na realidade global sem deixar de refletir (sobre) seu próprio locus. Não é à toa, portanto, que desde o golpe de 2016, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) — que existe desde as primeiras décadas do século XX, embora com outra nomenclatura — tenha sido alvo do governo usurpador de Michel Temer e o seja novamente agora, na gestão protofascista de Bolsonaro. Até 2017, a definição de duas opções de material didático para a utilização durante um triênio estava a cargo das escolas e de seus professores. Havia queixas, é claro, como quando os docentes não recebiam do governo a coleção de livros didáticos que preferiam. Entretanto, no governo Temer, a prerrogativa da seleção foi passada a comissões constituídas pelas secretarias municipais e estaduais de educação, que puderam ser responsáveis pela escolha das obras para todo o colegiado da cidade ou do Estado, retirando a autonomia — e, por consequência, a concepção de ensino — dos professores.
Por sua vez, o que Bolsonaro anunciou no mês passado a respeito do PNLD para o triênio que começa em 2021 foi uma interferência no próprio conteúdos das obras. Nas palavras do presidente, os atuais livros didáticos adotados são “péssimos” e têm “muita coisa escrita”. Poucos dias depois, ainda em janeiro, o ministro da Educação endossou a fala e afirmou que os livros ficarão mais baratos e “sem ideologia”. Por sua vez, o secretário-executivo do MEC, Antonio Paulo Vogel, revelou que o governo está elaborando um novo edital PNLD a fim de que as coleções didáticas distribuídas nas escolas de todo o país, fiquem livres de “doutrinação”. Como o governo é o principal consumidor desse mercado editorial, a autocensura se instala. Não por acaso, autores que preferiram não se identificar confessaram à imprensa após essas declarações que já trabalham para evitar discussões de gênero ou suavizar conteúdos sobre o golpe de 1964 e a ditadura civil-militar. O novo PNLD, sob o bolsonarismo, seria uma espécie de Ministério da Verdade do romance distópico “1984”, de George Orwell: encarregado de modificar a história passada de modo a deixá-la de acordo com a vontade do poder.
Governos autoritários sabem que a educação crítica é uma ameaça política aos seus intentos. Por isso mesmo se preocupam tanto com os livros adotados nas escolas. Uma data como o Dia Nacional no Livro Didático, então, não é meramente ilustrativa ou comemorativa; é uma data igualmente política. Como um dos programas governamentais mais antigos do país na área de educação, o PNLD é imprescindível para ofertar a estudantes e professores das escolas públicas da educação básica, material de qualidade para apoio ao processo de ensino e aprendizagem desenvolvido em sala de aula. Defendê-lo das ameaças que tentam desfigurá-lo é primordial.
Por Táscia Souza