Minas, Milton Nascimento
A dica cultural da Contee desta semana é o álbum Minas, de Milton Nascimento, que completou 50 anos em 2025. Lançado em 1975, o disco permanece como uma obra relevante da música popular brasileira, mantendo sua força estética e seu significado histórico ao longo do tempo.
Minas, produzido por Ronaldo Bastos e com arranjos de Wagner Tiso, é o sétimo álbum de estúdio de Milton Nascimento e foi produzido em um contexto de forte repressão da ditadura militar, que impôs obstáculos e resistências ao seu processo de criação. Uma das marcas sonoras do disco, o uso da voz como instrumento, está diretamente relacionada a esse contexto político.
Conforme analisa Coan (2015), ao ter as letras do álbum Milagre dos Peixes censuradas, Milton Nascimento passou a explorar a voz de forma instrumental como alternativa expressiva. Como afirma o compositor: “Então comecei a usar a voz no disco como instrumento. O que aconteceu foi muito interessante porque não sabíamos se ia funcionar, se as pessoas iam entender, mas todo mundo entendeu o motivo de não ter letra” (NASCIMENTO, apud WEINSCHELBAUM, 2006, p. 216).
Na faixa de abertura, a instrumental Minas (Novelli), a voz potente de Milton Nascimento surge repetindo apenas sons, sem palavras, funcionando como elemento central da composição. A música é atravessada por um coro infantil, que abre e fecha a faixa com a melodia de Paula e Bebeto (Milton Nascimento e Caetano Veloso), também apenas na vocalização. O resultado é um início poderoso e profundamente sensível, capaz de provocar uma experiência emocional intensa, que atravessa o tempo e permanece comovente desde a primeira escuta.
Essa dimensão de resistência atravessa as canções do disco. Em Fé Cega, Faca Amolada, Milton Nascimento e Ronaldo Bastos traduzem o sentimento de enfrentamento ao presente ao afirmar que “agora não pergunto mais pra onde vai a estrada”. Em Saudades dos Aviões da Panair (Conversando no Bar), a memória coletiva aparece como espaço de preservação e resistência. Já em Ponta de Areia, o verso que lembra que o “caminho de ferro mandaram arrancar” condensa perdas sociais e projetos interrompidos.
A canção Simples, de Milton Nascimento e Nelson Ângelo, que encerra o álbum em sua edição original, reune de forma delicada e contundente a crítica social presente em Minas. Seus versos seguem atuais ao transformar imagens cotidianas em metáforas da degradação da vida e da natureza, enquanto a infância surge como testemunha silenciosa de um mundo atravessado por contradições e perdas, reforçando a dimensão ética e sensível da obra.
Minas é também uma obra coletiva. Ao lado de Milton Nascimento, o álbum reúne importantes musicos e compositores, como Beto Guedes, Marcio Borges, Toninho Horta, Wagner Tiso, Nivaldo Ornelas, Nelson Ângelo, Novelli, Ronaldo Bastos, Fernando Brant e Caetano Veloso, além da participação de coros adultos e infantis, que ampliam a dimensão sensível do disco.
Em entrevista ao jornal Estado de Minas (26/10/2025), Nivaldo Ornelas, relembra a participação, pouco conhecida, do pianista Tenório Jr. nas gravações, músico que viria a desaparecer na Argentina durante a ditadura militar naquele país, episódio que reforça o contexto de violência política que atravessava a produção cultural latino-americana nos anos 1970.
No ambiente digital, o álbum ganhou uma versão ampliada, disponível nas principais plataformas de streaming, com 13 faixas, incorporando registros adicionais que ampliam a escuta dessa obra histórica e reafirmam sua permanência e atualidade.
Cinco décadas após seu lançamento, Minas segue atual por transformar experiência histórica em arte sensível, capaz de falar de repressão, memória e resistência sem perder delicadeza. O disco está disponível nas plataformas digitais e merece ser ouvido com atenção.
Referências
COAN, Emerson Ike. Quatro décadas de “Minas” e “Geraes”: a dimensão política da obra de Milton Nascimento. Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 18, n. 2, p. 163-176, jul./dez. 2015.
PIO, Augusto. Entrevista com Nivaldo Ornelas. Estado de Minas, 26/10/2025.
Por Antônia Rangel





