Diretoria Plena debate a conjuntura atual e as violações de direitos
Foi realizado na tarde de hoje (26) o primeiro debate da reunião virtual ampliada da Diretoria Plena da Contee, com o tema “Conjuntura atual e violações de direitos”. A coordenadora-geral em exercício da Confederação, Madalena Guasco Peixoto, fez a abertura dos trabalhos, destacando que a entidade tem atuado intensamente, mesmo durante este período de afastamento social necessário ao enfrentamento da pandemia de Covid-19.
“Mesmo fechados na janela, é muito bom estarmos todos nos vendo e na luta. Temos realizando reuniões da Executiva, regularmente, via internet. A Confederação não parou durante todo o período de pandemia. Pelo contrário, temos trabalhado ainda mais juntamente com as demais entidades, no Congresso, no Judiciário”, ressaltou. Em seguida, Madalena informou sobre o afastamento do professor Gilson Reis da Coordenação-Geral, licenciado em razão da legislação eleitoral (assim como outros diretores da Plena), mas passou a palavra a ele, como convidado, para uma breve saudação.
Em sua fala, Gilson considerou histórica essa primeira reunião da Diretoria Plena realizada de forma virtual e endossou as palavras de Madalena. “A Direção não parou de funcionar, e com uma vida muito ativa, mesmo no confinamento. Desde o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, estamos sofrendo um retrocesso de direitos e de ataques à democracia”, observou. “Vivemos um estranho tempo de estabilidade política caótica no mundo e, no Brasil, o governo Bolsonaro, apesar de suas atitudes e gestão criminosa, ainda tem certo apoio, segundo as pesquisas. É um momento dramático de nossa história.”
Os ataques à Constituição
Foi a partir de uma contextualização histórica dessa dramaticidade que a ex-procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, começou sua exposição. “Os crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro precisam de resposta urgente. Mas, para termos a noção do que estamos perdendo, devemos recuar um pouco para pensar o que é a Constituição 1988.”
Deborah salientou que “o Brasil tem uma história inaugural marcada por extrema violência, que é a chegada de um estrangeiro, branco, masculino que ocupa o território de povos tradicionais e começa a categorizar a alteridade como inferior”. Segundo ela, das capitanias — que encarnaram uma dupla perversidade de encerrar a ideia do grande latifúndio e da hereditariedade —, passando pelos ciclos econômicos da cana, do ouro, do café — todos marcados por grandes concentrações territoriais —, esse processo permaneceu praticamente inalterado até a Constituição de 1988.
“A Constituição de 88 não é produto de legisladores iluminados. A Constituição de 88 é produto de lutas histórias contra a dominação. Ela vai se propor a ter um desenho radicalmente diferente”, declarou, considerando que o Artigo 3° da CF traz a síntese de todo o pensamento constitucional: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
“Mas, com tamanha desigualdade histórica, não basta os direitos estarem previstos em documentos, é preciso de estímulos para serem alcançados”, ponderou Deborah. É por isso que, conforme a ex-procuradora, ao lado de prever direitos, a CF vai prever também uma administração pública robusta, que seja tocada por servidores técnicos, qualificados e concursados, além de um conjunto de dispositivos de participação social, contando com a visão dos sujeitos implicados e de um orçamento mínimo para a educação, a saúde e a assistência social.
Ela apontou ainda que, desde a década de 1990, cada presidente, a seu modo foi “colocando um tijolinho” nessa construção. “Collor dá inicio da demarcação das terras indígenas, reconhece a importância do meio ambiente e sanciona o Estatuto da Criança e do Adolescente; Itamar Franco inaugura o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), na perspectiva do Betinho e da luta contra a fome e a miséria extremas; FHC vai estabelecer o primeiro e o segundo Programa Nacional de Direitos Humanos, dando ‘start’ nessa perspectiva de que os programas são construídos coletivamente; Lula lança o terceiro programa e amplia enormemente os espaços de participação social na administração pública; temos a Lei de Acesso à Informação depois no governo Dilma. Há um aparato de Estado que vinha sendo historicamente construído desde 1990 até 2016 para dar resposta ao projeto constitucional”.
A partir de 2016, contudo, segundo Deborah, começamos a perder o sentido da Constituição. E esse desmonte passa por questões como a Emenda Constitucional 95 (do teto de gastos públicos) — que fere de morte a ampliação de direitos —, pela reforma trabalhista, pela precarização do trabalho… “Rompe o ethos da democracia, que é o ethos da igualdade”, lamentou ela.
Bolsonaro, por sua vez, além de, por seu discurso desde antes das eleições, nunca ter representado uma alternativa democrática, promove um desmanche completo de todas as políticas de direitos. “Seja no campo da moral, seja no campo econômico, o Estado vai diminuindo. Vai deixando de ser um Estado de bem-estar social para ser o Estado do neoliberalismo, do ultraliberalismo”, denunciou Deborah.
“O neoliberalismo não é compatível com a Constituição de 1988. Esse modelo promove um desmonte do Estado de bem-estar social que foi construído para garantir o projeto da Constituição. E fragilizar as instituições faz parte desse processo. O populismo de Bolsonaro é diferente: ele se elege desse sentimento social contra o Estado. E esse não é um sentimento só da classe média; ele está disseminado, não tem classe. O que aproxima essas pessoas é a ideia de que o Estado não é satisfatório”, considerou.
Na análise da ex-procuradora, a percepção de que alguém não ganha hoje porque outrem ganhou demais do Estado cria uma relação de desconfiança com os próximos. “Com os indígenas porque tiveram demarcação de terra, com os negros porque tiveram políticas afirmativas, com os LGBTQI+ porque foram reconhecidos como pessoas, com as mulheres porque o patriarcado está em crise… Isso gera uma sociedade de máxima violência, máxima desconfiança e máxima competição”, alertou.
“O cenário é bastante complicado, as análises são ainda frágeis e, na minha concepção, as respostas institucionais ainda são muito contidas. Sinais importantes precisam ser dados. Do contrário, ao final desse mandato, teremos um Estado que desapareceu depois de quase 30 anos de investimentos.”
Disputar a narrativa
Depois de Deborah Duprat, foi a vez do jornalista Altamiro Borges, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, apresentar sua análise. Segundo ele, a frase mais precisa, que resume o governo Bolsonaro, foi a proferida pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na reunião ministerial de 22 de abril: “estão passando a boiada”.
“Estamos numa fase destrutiva do neoliberalismo no Brasil, de muitas incertezas, com uma tendência devastadora de mortes e a pior crise econômica dos últimos tempos, com impacto em todas as áreas”, afirmou. “Os trabalhadores são e serão as maiores vítimas, com cortes de salários e retirada de direitos no mundo inteiro”. E isso, lembrou, aliado ao aumento da concentração da riquezas, com o fechamento de pequenas e médias empresas fechando e as grandes ampliando seus lucros cada vez mais.“Vivemos uma intensificação da luta de classes, organizada ou não. O papel do Estado está em disputa, entre os que o querem o Estado de bem-estar social e os que querem o Estado mínimo”, disse Miro.
Segundo ele, porém, o fenômeno Bolsonaro não é isolado e faz parte de alterações na geopolítica mundial, com EUA e China em destaque. “Forças de extrema direita que cresceram no mundo (e Bolsonaro no Brasil) nos últimos oito anos estão, agora, seccionadas, seja no negativismo da crise, seja no neoliberalismo. Mas não sou do grupo que acha que Bolsonaro está se fortalecendo. Bolsonaro vem se enfraquecendo e se isolando politicamente. O aumento do número de mortes é decorrência da irresponsabilidade, insanidade e postura genocida de Bolsonaro. O país está virando motivo de galhofa nos fóruns internacionais. Bolsonaro se isolou do partido que o elegeu, de governadores que apoiaram sua campanha, briga com o Supremo, com o Congresso Nacional, com todos os governadores”.
A questão é que, isolado, na visão de Miro, Bolsonaro torna-se mais perigoso. “Pode radicalizar mais, atraindo fascistas, milicianos e baixa oficialidade. A democracia está sendo corroída. Avançam o fascismo e a agenda ultraneoliberal. Bolsonaro ‘passa a boiada’ no desmonte do Estado, da legislação social e de proteção do meio ambiente. Continua com apoio das entidades empresariais, a quem serve. Continua importante para o projeto norte-americano. Mantém a cumplicidade dos militares — principais executores do governo. Conta com certo apoio popular, inclusive ao baixo nível de consciência popular e à negação da política”, elencou.
Para enfrentar esse cenário, Miro acredita que devemos “concentrar energia na solidariedade humana diante da tragédia sanitária, social, econômica… Quem tem fome, tem pressa. É preciso mostrar que Bolsonaro é assassino e antipovo. Lutar por direitos, contra os retrocessos. Unir o campo popular e progressista (sem unidade, o campo popular pode ficar diluído numa frente ampla que se forme). Temos que disputar a narrativa na sociedade”.
Após as exposições, abriu-se um amplo debate com os participantes da Plena e os representantes das entidades filiadas, que explanaram suas visões sobre essas conjuntura e as formas coletivas de enfrentá-la. As discussões de hoje se encerraram com a apresentação de informes a respeito do Congresso Nacional da Contee (Conatee), como estava previsto na pauta, e de ações da Secretaria de Comunicação. Outro informe discutido pela plenária virtual foi a possibilidade de participação da Contee em pesquisa nacional sobre o trabalho docente em tempos de pandemia.
Amanhã (27), a reunião virtual recomeça às 9h, com debate sobre a “Desregulamentação do trabalho”, que contará com a presença dos presidentes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre, e da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Adilson Araújo. Já às 11h a discussão será sobre “Conjuntura Educacional”, conduzida por Madalena Guasco, coordenadora-geral em exercício da Contee, e pelo presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo.
Por Táscia Souza e Carlos Pompe