Dupla Bolsonaro-Guedes escancara índole antitrabalhador
As declarações polêmicas e projetos econômicos de Bolsonaro e Guedes mostram uma concepção conservadora e preconceituosa de que pobre é vagabundo, dizem economistas
O principal objetivo do governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) é implantar o neoliberalismo econômico no país. Isso significa menos investimentos do Estado, menos programas sociais, menos direitos trabalhistas e mais apoio aos grandes empresários.
A reunião ministerial do dia 22 de abril, divulgada com autorização do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que o país assistiu estarrecido, jogou ainda mais luz no projeto antitrabalhador do governo.
O ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, não se constrangeu ao falar de forma preconceituosa e desrespeitosa, em tom de deboche, sobre os trabalhadores e trabalhadoras informais e desempregados mais pobres, que estão sofrendo mais com as consequências do novo coronavírus porque estão sem renda alguma.
Ele disse que a pandemia da Covid-19 obrigará o governo a estender por dois ou mais três meses o auxílio emergencial, mas não deveria pagar o valor de R$ 600,00 e, sim, R$ 300,00 ou R$ 200,00. E justificou a redução do valor afirmando que isso era necessário para que a população pobre não achasse que estava tudo bem e não precisaria mais trabalhar.
Para Guedes, quem não tem renda porque a economia parou é vagabundo. E ele não quer um bando de pobres sem trabalhar, sobrevivendo às custas de programas sociais e aumentando os gastos fiscais do governo.
Esta é a avaliação do economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eduardo Costa Pinto.
A fala do ministro, num momento de crise profunda em que 12,6 milhões de trabalhadores estão desempregados, expressa também a visão dos empresários do andar de cima, que não levam em conta os mais pobres.
Chamar os brasileiros de vagabundos faz parte da norma deste governo que acredita que os brasileiros mais pobres vão querer receber de graça benefícios sociais e não trabalhar nunca mais, complementa a professora de economia da Unicamp, Marilane Teixeira.
Demonstra uma visão meritocrata de que os indivíduos têm condições de ascender socialmente, e se eles não têm condições melhores de inserção de renda e vida não é por falta de oportunidade, eles não lutaram e não fizerem por merecer, afirma a professora.
“Para Guedes, se o povo pobre não conseguiu estudar e lutar por um emprego melhor, o problema foi deles, é por desajuste de caráter e preguiça de trabalhar. Bolsonaro e Paulo Guedes são irresponsáveis ao levar o conceito de meritocracia num país como o Brasil de sociedade desigual com brutal concentração de renda”, diz a economista da Unicamp.
A economista chama também a atenção para o neoliberalismo econômico de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, aplaudido pela dupla Guedes/Bolsonaro, mas que agora a Covid-19 escancarou seus problemas.
“Um país como os Estados Unidos que leva ao máximo o conceito de meritocracia, mostra agora sua desigualdade social. São os países que conseguiram reduzir suas desigualdades sociais que superaram em boa parte a pobreza”, diz.
Marilane alerta que assim que passar a pandemia do coronavírus , a dupla Paulo Guedes/Jair Bolsonaro tentará novamente emplacar as medidas neoliberais que “esfriaram” com a crise.
“Basta ler na página do Ministério da Economia, as propostas de retomada de crescimento. Nada mais são do que ampliar as concessões privatistas, de menos direitos aos trabalhadores. Essas propostas esfriaram por conta da pandemia, mas quando a sociedade voltar à ‘normalidade’, a dupla Guedes/Bolsonaro voltará a ter como alvos os direitos do trabalhadores”, afirma a economista.
13 vezes em que Bolsonaro e Guedes prejudicaram os trabalhadores
As Medidas Provisórias (MPs) e projetos apresentados defendidos pelo ministro da Economia mostram a faceta antitrabalhador da dupla.
Somente no primeiro ano de governo, Bolsonaro e Guedes apresentaram uma série de medidas e normas jurídicas que prejudicam os trabalhadores. Algumas foram barradas e outras aprovadas na Câmara e Senado, mas somente o fato da dupla apresentá-las ao Congresso Nacional demonstra o total desprezo pela classe trabalhadora.
O levantamento dos projetos e MPs foi feito pelos assessores André Santos e Neuriberg Dias, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP).
01) extinção e “esquartejamento” do Ministério do Trabalho e Emprego (Lei 13.844/19);
02) as novas regras para acesso aos benefícios previdenciários, com mudanças na carência e na perda de qualidade de segurado e retorno (Lei 13.846/19);
03) MP 889/19 – novas regras de saque do FGTS
Criou o saque-aniversário do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. A nova modalidade de saque permite saque de parte do saldo do FGTS no mês do aniversário do contribuinte. Em contrapartida, caso o trabalhador seja demitido sem justa causa, não terá acesso ao resgate.
Alguns itens da MP não foram aprovados como o que acabava com a participação dos trabalhadores no conselho curador do FGTS. Por sugestão do relator foi incluído o fim do monopólio da Caixa na gestão do fundo para ser submetido ao mercado financeiro, o que acabou não ocorrendo. O governo tentou ainda mexer no fundo destinado a várias políticas públicas, como habitação e saneamento, entre outras. A MP foi sancionada no dia 12 de dezembro e transformada na Lei 13.932/19
04) a Lei da Liberdade Econômica, que trouxe além da redução da burocracia, a flexibilização de regras trabalhistas, como dispensa de registro de ponto para empresas com até 20 empregados, dentre outros aspectos (Lei 13.874/19);
05) o Plano Plurianual (PPA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com diretrizes para esvaziamento de políticas públicas para criar condições para privatizações dos serviços públicos e das empresas estatais e ausência ou extinção de política para ganho real do salário mínimo e sua manutenção.
06) a MP 905/19, que aprofunda a Reforma Trabalhista ao introduzir em normas temporárias para geração do 1º emprego para jovens, mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A MP foi retirada porque caducaria e a previsão de que o governo perderia a votação;
07) o PL 6.159/19, que desobriga empresas de adotarem política de cotas para pessoas com deficiência ou reabilitadas;
08) a PEC 133/19, Paralela da reforma da Previdência, que estende sua aplicação para os estados e municípios, dentre outros aspectos;
09) o PLP 245/19, que regulamenta a aposentadoria por periculosidade;
10 ) a Reforma Sindical, além da PEC 196/19, do deputado Marcelo Ramos (PL-AM), pode ser enviada proposta do governo, por meio do Gaet (Grupo de Altos Estudos do Trabalho), no âmbito do Ministério da Economia;
11) o Plano Mais Brasil, que compreende as PEC 188/19, que trata do novo marco institucional da ordem fiscal e o Conselho Fiscal da República, fortalecimento da Federação; 187/19, que trata da desvinculação dos fundos públicos; 186/2019, chamada de PEC Emergencial; a Reforma Administrativa (aguarda envio de proposta pelo governo); Reforma Tributária (aguarda envio de proposta pelo governo); e privatizações (aguarda envio de proposta pelo governo);
12) a PEC 438/18, que cria gatilhos para redução de jornada e de salário dos servidores públicos em caso de descumprimentos da “regra de ouro”. Já aprovada pela CCJ da Câmara; e
13) a PEC 182/19, que autoriza a redução de jornada com redução de salário do servidor público.
Salários melhores motivou golpe contra Dilma Rousseff
Para entender como pensa a elite econômica que apoia Bolsonaro e defende a retirada de direitos dos trabalhadores, o professor de economia da UFRJ, Eduardo Costa Pinto, faz um resumo da história recente do país, que culminou com o golpe de 2016 contra a ex-presidenta Dilma Rousseff.
Tudo começou, segundo ele, quando Michel Temer (MDB-SP) disse, nos Estados Unidos, que Dilma caiu porque não aceitou a cartilha liberal chamada “Ponte para o Futuro”, que conta com o apoio de parte dos capitalistas brasileiros.
O professor diz que desde 2012, as taxas de lucros das 900 maiores empresas não financeiras, as produtivas e do comércio estavam desacelerando, chegando a menos 4.7, em 2015, mas os custos com os salários continuavam a subir, o que era inconcebível para o empresariado da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A saída que eles encontraram foi apoiar o golpe.
“Ali fica claro que tem uma mudança no setor empresarial que considerava que os custos da força de trabalho estavam comprimindo o caixa e a saída para reduzir esse custo, inclusive os tributos vinculados a ele, foi o golpe. A reforma Trabalhista explica esse movimento”, afirma o economista da URFJ.
A redução do papel do Estado implica em reduzir a oferta de serviços e bens públicos, como, por exemplo na reforma da Previdência, que leva a classe média a procurar planos privados, o sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS) , que leva aos planos de saúde, e o mesmo em relação à educação na busca por escolas particulares . Com isso, o governo consegue reduzir seus gastos e limitar ou reduzir tributos como querem os empresários.
Essa dinâmica vem do governo Temer e o governo Bolsonaro acelera esse processo. E por isso que o andar de cima apoia Bolsonaro neste projeto. Só pra ter uma ideia o setor de serviços e varejo viveu um processo de concentração em que grandes empresas entraram no setor, acredita o professor da URFJ.