E se Anderson Torres decidir contar tudo?
Bolsonaristas andam preocupados com possível delação do ex-ministro da justiça e o conteúdo das suas revelações bombásticas
Nas últimas semanas, a tropa de choque bolsonarista intensificou os apelos para a soltura do golpista Anderson Torres, ex-secretário de Segurança do DF e ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. As notícias indicam que Torres está com depressão, 12 kg a menos e cogitando o suicídio.
O bolsonarismo correu para prestar solidariedade. Eduardo Bolsonaro se mostrou preocupado com a possibilidade de suicídio. E, de antemão, resolveu culpar a justiça caso venha a ocorrer. Um grupo de 40 senadores da base bolsonarista entrou com um requerimento junto ao STF para poder visitar o colega golpista na prisão.
Mas nem sempre foi assim. Logo que Torres foi preso, o clã Bolsonaro e sua base política ficaram caladinhos. Não deram o costumeiro chilique nas redes sociais nem prestaram apoio ao aliado. Parecia até que iriam largar mais um companheiro ferido na estrada — o que é uma praxe bolsonarista. Mas, agora, com a possibilidade de uma delação premiada tomando corpo, os bolsonaristas entraram no modo desespero.
O temor é mais do que justificado. Apesar dos advogados de Torres negarem, todos os sinais recentes indicam que um acordo de delação premiada pode acontecer. No mês passado, Torres dispensou o advogado indicado por Flávio Bolsonaro e escolheu um que está fora do círculo de influência do bolsonarismo. O ex-ministro também rejeitou a visita de senadores bolsonaristas. O afastamento de Torres do bolsonarismo pode ser uma estratégia da defesa para não politizar o caso. Ou também pode ser um sinal de que um acordo de delação premiada pode estar entrando no forno.
Assim que saíram as primeiras notícias de que Torres estava passando por uma depressão profunda, políticos próximos de Bolsonaro passaram a ligar semanalmente para os familiares de Torres para monitorar sua situação emocional. Fontes ouvidas pela CNN Brasil revelaram que Flávio Bolsonaro também tem insistido em marcar uma reunião com os familiares do preso, mas eles não querem.
Uma delação premiada de Anderson Torres pode ser a tampa do caixão do clã Bolsonaro. Ele foi um dos parceiros mais fiéis de Bolsonaro e dos seus filhos. Durante sua gestão no ministério da Justiça, Torres nomeou pessoas indicadas por Flávio e Eduardo para cargos na pasta. Torres se mostrou um aliado fiel especialmente na reta final do mandato, quando se intensificou o golpismo do governo. Privado da liberdade, deprimido e com muitos anos de prisão no horizonte, Torres é uma bomba relógio para Bolsonaro e o seu núcleo golpista. Além da possibilidade da delação premiada, há outra que também tira o sono dos bolsonaristas: uma convocação de Anderson Torres para a CPI do golpe.
O ex-ministro tem muito a dizer sobre as tramoias que culminaram com o 8 de janeiro. Ele é uma das peças principais do quebra-cabeça golpista. A sua participação não se resume à conivência com a invasão dos Três Poderes quando era secretário de Segurança do DF. Ela começou muito antes e suas digitais estão impregnadas em vários movimentos golpistas do governo Bolsonaro. Ainda em julho de 2021, Jair Bolsonaro anunciou que faria uma live revelações sobre fraudes nas urnas eletrônicas. Torres foi um dos protagonistas do teatro golpista. O então ministro participou da transmissão e leu trechos dos relatórios fajutos que divulgavam fake news sobre as urnas eletrônicas.
No ano passado, Torres agiu diretamente em outro ato antidemocrático: o bloqueio das estradas para impedir eleitores de Lula de votarem. Às vésperas do segundo turno das eleições, o ministro fez uma viagem à Bahia fora da agenda. Segundo fontes da PF que investigam o caso, a viagem aconteceu logo após a produção de um documento de inteligência do ministério com mapa detalhado dos locais em que Lula venceu o primeiro turno. Torres viajou num avião da FAB acompanhado do então diretor da PF, Márcio Nunes. O objetivo da viagem era o de pressionar o então superintendente regional, Leandro Almada, a atuar na operação que barraria muitos eleitores de Lula de votar no segundo torno.
O documento que mapeou os eleitores foi elaborado por Marília de Alencar, uma delegada que trabalhava no ministério da Justiça. Quando Torres virou secretário de Segurança Pública do DF, essa mesma delegada foi nomeada como subsecretária de Inteligência da pasta. Ou seja, Marília, uma mulher de confiança de Torres, ocupava um cargo de inteligência à época dos atos golpistas de 8 de janeiro.
Sob a gestão de Torres, o ministério da Justiça se omitiu em relação aos acampamentos nos quartéis. Também não agiu quando a sede da PF em Brasília foi atacada por bolsonaristas, episódio que foi uma espécie de ensaio para o 8 de janeiro. Enquanto os golpistas colocavam fogo em carros e tentavam invadir a sede da PF, Torres jantava tranquilamente com sua família em um restaurante em Brasília, onde ficou por duas horas sem tomar qualquer ação.
Pouco antes do fim de semana dos ataques de 8 de janeiro, Torres largou o batente na SSP do DF e se mandou para os EUA para se encontrar com Bolsonaro, mesmo sabendo que aconteceria a invasão aos Três Poderes.
Além de tudo isso, ainda temos a cereja no bolo golpista: a minuta do golpe encontrada em sua casa com o passo a passo para a implementação de um estado de defesa para mudar o resultado das eleições.
Torres está sendo investigado por crimes como terrorismo, golpe de Estado e associação criminosa. Se for condenado, pode pegar até 26 anos de prisão. Está para chegar o momento em que Torres terá que decidir se amargará muitos anos na cadeia ou se irá detalhar os planos golpistas planejados por Bolsonaro em troca de benefícios que antecipem sua liberdade. Até agora, Anderson Torres tem demonstrado uma fidelidade imensa. Mas tudo tem um limite. Resta saber até onde vai essa fidelidade. Tudo indica que ela pode estar chegando ao fim.