É urgente desanuviar o ambiente político no Brasil
O Brasil e o mundo estão imersos em polarização extrema entre forças políticas antagônicas e entre pessoas com pensamentos e visões de mundo distintos. O que tem gerado ambiente de fundamentalismo no qual o discurso de ódio e a violência verbal predominam, especialmente por parte das forças de extrema-direita
Antônio Augusto De Queiroz*
Este fenômeno, enraizado nas redes sociais, nos serviços de mensagens privados e até mesmo nas ruas, tem sufocado o diálogo entre essas forças opostas e contaminado todas as instituições, incluindo a instituição familiar. Esse grau de radicalismo não deixa espaço para civilidade, tolerância ou respeito às opiniões divergentes, caracterizando-se mais como batalha entre inimigos a serem eliminados do que busca por soluções. Essa escalada se aproxima perigosamente da barbárie.
Essa radicalização, baseada em ressentimentos e na culpabilização do adversário político pelos problemas enfrentados, ameaça a própria democracia. A estratégia utilizada, sobretudo pela extrema-direita, de apontar culpados na esquerda e nos movimentos sociais sem oferecer soluções tem sido eficaz para incitar o ódio e criar seguidores fanáticos, porém é ineficaz na resolução dos problemas reais da população.
Neste ambiente hostil, a civilidade, a razão e a verdade são substituídas por narrativas muitas vezes desprovidas de evidências, alimentando-se do negacionismo e das fake news. A persistência desse clima de conflito pode trincar os pilares democráticos, minar a confiança nas instituições políticas e desqualificar a política como instrumento civilizatório.
Esse desgaste do tecido social, que já vem ocorrendo no cotidiano das pessoas, atinge seu auge sempre que há consulta popular, como o plebiscito sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) ou eleições presidenciais, como as ocorridas nos últimos 8 anos nos Estados Unidos, no Brasil e na Argentina, quando emergem os sentimentos e até os instintos mais primitivos do ser humano.
Nas eleições municipais deste ano, especialmente nas médias e grandes cidades, não será diferente.
De fato, a escalada dessa divisão entre brasileiros preocupa especialmente, porque as táticas da extrema-direita, ancoradas em acusação sem provas e na desqualificação da política e de suas lideranças, buscam mesclar religião e política, explorando a fé e a ignorância de parte da população, além de também contar com financiamento de setores empresariais e partidos políticos.
Se não for contida, essa escalada levará seus seguidores à realidade paralela, desconectada dos fatos.
Nesse clima conflituoso e beligerante, a democracia e a política, que foram concebidas pela humanidade para resolver, de forma pacífica e pactuada, as contradições que os indivíduos na sociedade não podem nem devem resolver por si mesmos, estão em risco. E não há solução para os problemas coletivos fora da política. Sem essa, é cada 1 por si.
Para enfrentar esse desafio, além do trabalho que já está sendo realizado pelas instituições estatais, especialmente pelo Supremo Tribunal Federal, são urgentes esforço conjunto do governo e das instituições da sociedade e abordagem multifacetada que promova o diálogo, a tolerância e a racionalidade.
Esse esforço deve envolver educação cívica, reformas regulatórias para coibir práticas antidemocráticas, reforma no Sistema Político e, principalmente, mudança comportamental por parte das lideranças políticas e da mídia.
Sem esse esforço de pacificação do País, as eleições municipais estarão sujeitas à violência e à intolerância, prejudicando o debate público e o interesse das comunidades locais. O ovo da serpente está sendo chocado e não podemos permitir que essa nasça e cresça!
(*) Jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV. Sócio-diretor das empresas “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”, foi diretor de Documentação do Diap. É membro do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República – Conselhão.