Economista defende reajuste da aposentadoria: Mais velhos se tornaram responsáveis financeiros pelas famílias
Entre as fontes de renda de que têm garantido a assistência de muitas famílias neste momento de vulnerabilidade e aumento do desemprego, Quadros destaca a aposentadoria. “Uma fonte importante de renda para essas pessoas e famílias tem sido a aposentadoria. Quem é aposentado tem uma renda garantida. Nesse sentido, preservar e valorizar as aposentadorias é algo importante, porque a grande maioria da população vive com uma aposentadoria de um salário mínimo. A correção das aposentadorias seria uma medida altamente efetiva nesse momento porque uma parte expressiva desses aposentados é responsável pelas famílias”.
O atual nível de desemprego, pontua, deveria acelerar a instituições de programas de distribuição de renda e a instituição de uma renda mínima. “Neste momento, temos que apostar no auxílio emergencial, para ‘tirar as pessoas do buraco’ imediatamente, e na renda mínima universal como algo permanente”, afirma.
Confira a entrevista
IHU – O que os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD revelam sobre o aumento da pobreza no país, especialmente sobre o contingente populacional que está vivendo sem renda do trabalho?
Waldir Quadros – Trabalho com os dados de duas PNADs: a anual, a PNAD rendimento de todas as fontes, na qual é possível verificar os dados das famílias (sobre educação, trabalho, rendimento e habitação), e a PNAD trimestral, que capta dados sobre a renda do trabalho. A última gera uma coluna que corresponde aos dados das pessoas que vivem sem renda do trabalho. Eu sempre estive preocupado em analisar os dados acerca da renda das famílias, mas, dada a conjuntura atual, essa é a primeira vez que estou trabalhando especificamente com os dados sobre as famílias que vivem sem ter acesso à renda do trabalho.
População sem acesso à renda do trabalho
Os dados sobre o contingente da população que vive sem renda do trabalho é o grande “achado” deste momento, porque explicitam a realidade do aumento da pobreza no país. Esses dados mostram as famílias em que não há nenhum membro ocupado nem recebendo renda oriunda do trabalho. Uma parcela dessas famílias é composta por aposentados, que não têm renda do trabalho, mas recebem renda da aposentadoria, geralmente, no valor de um salário mínimo. Nesse quadro estão também os pensionistas, os que recebem o benefício do Programa Bolsa Família e aqueles que recebem algum tipo de renda que não é oriunda do trabalho. E 80% desse pessoal é pobre.
Aumento do desemprego
No segundo semestre de 2014, 26.332 milhões de pessoas estavam nessa categoria dos que não têm renda do trabalho. Em 2019, em função da recessão que começou com o governo Dilma e se manteve até 2018, o número de pessoas nessa situação aumentou para 34.602 milhões. De 2014 a 2019, mais de sete milhões de pessoas passaram a viver em uma situação de desemprego, sem ter acesso à renda.
Quando analisamos os dados dos segundo semestres de 2019 e 2020, há um aumento de quase 13 milhões de pessoas – 12,8 milhões – que passaram a viver sem renda do trabalho. Comparando a situação do primeiro semestre de 2020 com o primeiro semestre de 2021, houve um aumento de 2,5 milhões pessoas vivendo sem renda do trabalho.
O que esses dados indicam? Como interpreta a quantidade crescente de pessoas que passaram a viver sem renda do trabalho no país?
Que essa situação é fruto, de um lado, da crise econômica e, de 2020 para cá, da pandemia. A situação de 2014 a 2019 é atribuída à recessão que começou no governo Dilma e se manteve nos anos seguintes. Os grandes períodos de impacto foram 2016 e 2017, porque os efeitos deletérios permaneceram. A responsabilidade desse cenário é da política econômica da Dilma e do Levy. O governo Temer, posteriormente, agravou a situação e armou uma bomba relógio com a aprovação do teto de gastos.
Em função dos efeitos da pandemia, de 2019 a 2020, em um ano, quase 13 milhões de pessoas deixaram de ter acesso à renda do trabalho. Isso mostra o grande impacto do desemprego em um curto período. Esse contingente de pessoas sem renda evidencia o que vem sendo discutido no país: é preciso de um auxílio emergencial.
As pessoas que trabalham com reciclagem, por exemplo, são enquadradas dentro daquelas que vivem com renda do trabalho – a PNAD inclui todos os trabalhadores, sejam eles informais ou formais. Então, quem está nessa situação de viver sem a renda do trabalho, nem catador de lixo é. A reciclagem já é uma ocupação estabilizada. Ou seja, essa situação da qual estamos falando é mais grave ainda, está diretamente relacionada ao desemprego e à situação dos moradores de rua, que explodiram nas capitais.
Em Campinas, em cada farol, aparece uma pessoa com uma tabuleta pedindo dinheiro para comprar comida. Esse é o lado dramático desse número e é isso que precisamos enfatizar. É preciso deixar claro para a sociedade e para quem tem o mínimo de influência, principalmente para os parlamentares, a necessidade urgente de um auxílio emergencial robusto. Agora é a hora de aumentar o número de pessoas em programas sociais de distribuição de renda, aumentar o valor dos benefícios e dar auxílio emergencial para quem não é beneficiado pelo Programa Bolsa Família.
O argumento para não fazer isso é o teto de gastos, ou seja, o Estado não pode gastar. Esse é o drama em que chegamos com o neoliberalismo. Isso precisa mudar. Enquanto estivermos nessa situação, não tem o que fazer a não ser investir em auxílio emergencial.
Esses dados representam qual percentual da população brasileira que vive sem renda do trabalho?
Neste ano, 21% da população está vivendo nessa situação, sem renda do trabalho, totalizando 43 milhões de pessoas. Se dividirmos 43 milhões por quatro – que é o número médio de membros de uma família, o resultado é aproximadamente 11 milhões de famílias nessa situação. E 80% é pobre ou miserável.
Quais são as fontes de renda das famílias que não possuem renda do trabalho e qual a importância dessas rendas em momentos de vulnerabilidade como o que se vive?
Uma fonte importante de renda para essas pessoas e famílias tem sido a aposentadoria. Quem é aposentado tem uma renda garantida. Nesse sentido, preservar e valorizar as aposentadorias é algo importante, porque a grande maioria da população vive com uma aposentadoria de um salário mínimo. A correção das aposentadorias seria uma medida altamente efetiva nesse momento porque uma parte expressiva desses aposentados é responsável pelas famílias. Nas PNADs completas é possível verificar que a principal renda de muitas famílias – ou a única renda – vem de um membro sem ocupação, que é justamente o aposentado.
O Serviço de Prestação Continuada também é uma fonte de renda garantida e atrelada ao salário mínimo, portanto, uma política social importantíssima.
Os benefícios emergenciais e o Programa Bolsa Família não estão vinculados ao salário mínimo. O Bolsa Família é importantíssimo, mas seu valor é muito baixo. O auxílio emergencial foi expressivo quando iniciou com 600 reais e ficou acima do valor do Bolsa Família. Ele garantiu o mínimo de atividade no início da pandemia, porque as pessoas gastam, sobretudo com alimentação e aluguel. Se fosse dado um auxílio emergencial robusto, seria possível reativar uma parte da economia, além de dar renda imediata para quem consome.
Como o senhor avalia as discussões em torno da PEC 29/2020, que está tramitando no Congresso, sobre a instituição de uma renda básica, considerando o cenário que descreve? Que tipo de política de Estado seria necessária?
O auxílio emergencial, como o nome diz, é emergencial, para uma situação específica. A renda mínima, ao contrário, deve ser constitucional. Essa discussão foi iniciada pelo [Eduardo] Suplicy no Brasil, mas hoje o mundo todo está discutindo essa saída porque não tem mais emprego. A renda mínima é altamente oportuna porque não vai ter emprego para todos, tendo em vista as mudanças tecnológicas. Nesse sentido, uma renda universal que dê conta das necessidades básicas poderá dar dignidade às pessoas, evitando que elas tenham que se sujeitar a qualquer situação. É altamente relevante e oportuna a discussão da renda básica, a qual vamos debater cada vez mais daqui para frente. Esse é um problema que veio para ficar.
Neste momento, temos que apostar no auxílio emergencial para “tirar as pessoas do buraco” imediatamente, e na renda mínima universal como algo permanente. Será difícil ela ser aprovada e implantada rapidamente, justamente por causa dos argumentos relativos ao teto de gastos, aos cortes do orçamento, a como diminuir os custos etc. Não vejo factibilidade imediata de aprovação da proposta na situação em que estamos vivendo.
Microdados da Pnad 2020 – Rendimento de todas as fontes, antecipando dados que serão divulgados no final do mês, mostram que a população brasileira está mais jovem e a renda das famílias está mais baixa. O que isso indica sobre o país? Esse cenário é consequência do momento conjuntural ou diz respeito a um cenário mais preocupante para o futuro?
É difícil fazer uma análise neste momento. Quase impossível, porque esses dados são de 2020, mas já estamos discutindo os dados trimestrais de 2021. No início do próximo ano, vou escrever um artigo sobre os dados completos que serão divulgados pela PNAD no final do mês, analisando a situação de mobilidade. Mas os dados de 2020 já estão impactados pela crise da pandemia. É difícil, ao analisá-los, separar quais impactos são relativos à crise conjuntural ou à situação estrutural. Tem as duas coisas. O impacto do desemprego na renda das famílias, independentemente da pandemia, já era uma realidade: a redução do emprego é algo que vem acontecendo ano a ano. Estou me referindo especificamente aos empregos qualificados, porque quando as pessoas perdem o emprego qualificado, passam a trabalhar em atividades que não precisam de qualificação, seja no trabalho autônomo ou no informal, que também são formas de precarização.
O problema é que estamos vivendo, desde a década de 1990, uma deterioração do mercado de trabalho e da economia, com o processo de desindustrialização. Por isso, fica difícil, ao analisar o dado agregado, atribuir quais são os efeitos da tecnologia ou da crise econômica no desemprego, porque a desindustrialização hoje ainda tem um impacto muito mais forte na indústria do que as transformações tecnológicas.
Se tudo der certo no Brasil, se em 2022 o país fizer uma política econômica adequada à crise, ainda assim teremos muitos problemas a serem enfrentados. Se houver uma reindustrialização, com desenvolvimento científico e tecnológico nos próximos dez anos, os impactos da tecnologia sobre o emprego ainda assim ocorrerão. Então, a renda permanente é oportuna desde já e será cada vez mais oportuna.
A renda mínima, como o nome diz, é para garantir o mínimo. Agora, tem outras formas de o Estado intervir nessa situação. Uma delas é com bolsas de estudos, evitando que o jovem vá para o mercado de trabalho. Isso foi feito entre 2004 e 2014. Nesse período, a pressão dos jovens sobre o mercado de trabalho caiu porque as famílias tinham recursos e eles não precisavam trabalhar, e podiam estudar, mesmo entre os pobres. O jovem só deveria procurar trabalho depois de realizar um curso técnico. Bolsas de estudo, nesse sentido, são tão importantes quanto outras medidas; diria que são cruciais. O Estado precisa gastar.
Outra possibilidade são as aposentadorias precoces. Como o pleno emprego foi implementado no welfare state? Com aposentadoria precoce, retardando o ingresso dos jovens e antecipando a saída dos que estão no mercado de trabalho. Tudo isso tem que ser financiando. Aí entra a importância do Estado, do gasto social. Por isso, o teto de gastos é uma loucura. É um problema essa cantilena do setor financeiro de que é preciso ter equilíbrio fiscal o tempo inteiro. Que equilíbrio teremos nessa situação? O equilíbrio fiscal é necessário, mas o Estado tem que gastar e reativar a economia.
Por que neste momento não há uma reação social diante do aumento da pobreza, do desemprego e da própria inflação?
Essa certa apatia diante do tamanho da crise é algo que chama a atenção. Uma parte disso é explicada pela pandemia. Sem a pandemia, as mobilizações teriam tido mais repercussão. A situação é desesperadora e o perigo é de manifestações não organizadas porque ainda não começaram os saques. Hoje, o que se vê é o bandidismo, roubo de celulares nas ruas, ações de vandalismo. Mas o aumento de saques é uma reação possível.
Há também uma fragilidade dos partidos de esquerda, uma dificuldade por parte dos sindicatos, que estão lutando para sobreviver, e os movimentos sociais também estão impactados. Os partidos de esquerda, por exemplo, só pensam em eleição.
Quais são as expectativas para o enfrentamento desse quadro social a partir da próxima eleição presidencial?
Tenho esperança de que o governo mude em uma direção progressista. Isso é possível. Tem a candidatura do Lula. Goste-se ou não, é uma candidatura forte, com pouca rejeição, com grande popularidade. Espero que ele tenha amadurecido. Quem tem tido contato com ele diz que ele amadureceu muito, tem mais clareza da gravidade da situação – não da social, que é visível, mas dos desafios econômicos.
Se Lula vencer as próximas eleições, ele não vai se deparar com aquele cenário de 2003, de crescimento do país, no qual ele navegou e pôde fazer política social sem mexer na estrutura tributária e no ganho do setor financeiro. Agora não dá. Agora, se quiser fazer qualquer coisa relevante, vai ter que tributar os ricos, tributar dividendos e lucros.
A tributação dos ricos para poder gastar com os pobres é crucial. E não só com os pobres, mas com obras, infraestrutura, tecnologia, desenvolvimento científico, recuperação das universidades, escolas e do SUS. Está tudo massacrado, mas para mudar é preciso ter recursos tributários, fundamentalmente. Mas, em um primeiro momento, é preciso garantir recursos da forma que for possível, porque o Banco Central e o Tesouro podem gastar.