Educação domiciliar opõe bolsonaristas a educadores na Câmara
A Câmara dos Deputados debateu nesta segunda-feira, 5, o Projeto de Lei 3179/12, que trata da educação domiciliar (conhecida pelo termo inglês “homeschooling”). A proposta foi defendida pelos ministros da Educação, Milton Ribeiro, e da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, e pelo autor do projeto, deputado Lincoln Portela (PL-MG). Foi condenada pelos trabalhadores e gestores do setor que participaram do debate. A relatoria do projeto é da deputada Luisa Canziani (PTB-PR).
Além dos ministros e parlamentares, discutiram o assunto a vice-presidenta no Paraná da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e dirigente municipal de Educação de Cascavel/PR, Márcia Aparecida Baldini; Maria Helena Guimarães de Castro, presidenta do Conselho Nacional de Educação (CNE); e o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Vitor de Angelo.
O projeto do parlamentar mineiro acrescenta parágrafo ao art. 23 da Lei nº 9.394, de 1996, de diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educação básica.
Para Maria Helena, a proposta tem problemas que dizem respeito à necessidade de competências didáticas e pedagógicas sobre como ensinar e sobre como as crianças aprendem, como também a questão da restrição da convivência em importantes grupos sociais. “A importância do acesso à escola como garantia do direito fundamental à educação nunca se mostrou tão imprescindível quanto neste momento de pandemia e isolamento. São muitos os dados, pesquisas, constatações e diversas situações abordadas por diferentes órgãos nacionais e internacionais que corroboram para a relevância da escola e do convívio social e evidenciam o surgimento ou agravamento, inclusive, da depressão emocional entre as crianças e jovens que estão nas suas casas; as dificuldades das famílias em garantir as aprendizagens em ambientes domésticos; a valorização do trabalho dos professores e o aumento da violência doméstica como relatado por algumas pesquisas”, pontuou.
“Na minha visão, a regulamentação do ensino domiciliar compromete a convivência com diferentes grupos sociais, parte essencial do processo educativo e de humanização, pelos quais se estabelece relações de empatia, de solidariedade e de cidadania, essenciais para o desenvolvimento social, afetivo, psíquico e cognitivo de crianças e jovens”. E acrescentou: “Acho legitimo que uma família religiosa defenda o criacionismo, mas acho importante que o filho dessa família possa conhecer outras teorias, como a teoria de Darwin sobre a evolução das espécies”.
Direito constitucional
Márcia Baldini afirmou que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, conforme previsto no art. 205 da Constituição Federal: “Escola e família são instituições complementares e não são capazes de substituir, uma a outra, no processo de ensino. Este debate se pauta no dever do estado expresso pela Constituição Federal. Não somos contrários ao ensino domiciliar, mas almejamos que seja discutido, e que sejam oferecidas condições aos sistemas de ensino. Condições essas que não sejam apenas na criação de um sistema paralelo de ensino, mas que sejam respeitados os princípios e diretrizes da educação tais como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), sistemas de avaliação, financiamento e dadas as condições de acompanhamento e avaliação”.
Para ela, faltam evidências científicas sobre a eficácia do ensino domiciliar e destacou a dificuldade de muitas famílias de garantir a educação de crianças e jovens em isolamento social durante a pandemia de Covid-19. “Um médico, muitas vezes, não sabe como dar uma aula de matemática, assim como um professor não consegue fazer uma cirurgia cardíaca”, disse. Solicitou aos deputados que coloquem na pauta do Congresso assuntos como ensino híbrido; a regulamentação do ensino remoto e do ensino mediado por tecnologias; a destinação de recursos para que seja implementado, de fato, acesso à internet nas escolas brasileiras; o acompanhamento na implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Vitor de Angelo considerou o debate acerca da educação domiciliar extremamente restrito e cobrou: “Gostaríamos de ver a participação do ministro Milton Ribeiro em pautas fundamentais e incontornáveis. Estamos falando de pandemia, de alunos que estão em casa neste momento com problemas de aprendizagem, problemas de conexão, essas são para nós pautas prioritárias. Chamamos a atenção para a necessidade de se ter a mesma energia neste debate em pautas que são urgentes e que atingem milhões de estudantes brasileiros”. Reforçou que a escola é essencial para o processo de socialização e também defendeu a necessidade de professores ou tutores terem formação específica.
Posição bolsonarista
O ministro, Milton Ribeiro, que é pastor evangélico, preferiu acusar o que chamou de “politização do tema” e defendeu colocar “”na legalidade mais de 35 mil alunos cujas famílias optaram pelo homeschooling”, buscando justificar a priorização do tema por Bolsonaro. Opinou que “a escola oferece a socialização dos alunos, mas existem outras formas de socializar, na família, nos clubes, nas bibliotecas e até mesmo nas igrejas”.
A ministra Damares Alves, também pastora evangélica, pregou que o ensino domiciliar reside no campo dos direitos e que seu Ministério está defendendo o direito das famílias em exercer uma educação domiciliar e que sofrem pela não regularização do ensino.
Para o presidente Frente Parlamentar Mista da Educação, deputado Israel Batista (PV-DF), após iniciar as etapas de universalização e de formação de professores, o Brasil deveria ter como foco a melhoria da qualidade do ensino e não priorizar o ensino domiciliar. “Isso pra mim é uma confusão mental. Isso não deveria ser a prioridade. Isso demonstra a falta de planejamento e de projeto para educação brasileira”, criticou.
A relatora Canziani, que promoveu o debate, informou que pretende construir o substitutivo ouvindo quem entende e faz educação no Brasil para elaborar um texto equilibrado, sensato e regulamentar o direito às famílias e às crianças. “Vamos ouvir nossos professores, servidores, diretores de escola, as famílias, crianças, as representações dos ministérios, especialistas, experiências internacionais de regulamentação e de não regulamentação”, comprometeu-se. Anunciou que na próxima quinta-feira, 8, o debate será sobre experiências internacionais de homeschooling, com representantes do Chile, da Finlândia e dos EUA.
Contee contra o homeschooling
No ensino domiciliar, a educação recai sobre os próprios familiares do aluno, geralmente os pais ou grupos de pais, ou depende da contratação de professores particulares, chamados de tutores. A Constituição Federal estabelece que a educação é “dever do Estado e da família” e, desde 2013, a Lei de Diretrizes e Bases Educacionais (LDB) exige que pais ou responsáveis matriculem os filhos em escolas da educação básica a partir dos quatro anos de idade. Até 2013, a idade mínima era 6 anos.
Já o Código Penal define como crime de abandono intelectual deixar, sem justa causa, uma criança de 6 a 14 anos fora da escola. Pais que não matriculem e cobrem a presença dos filhos na escola podem ser punidos com detenção de 15 dias a 1 mês ou multa.
Em diversas oportunidades a Contee tem se posicionado contrária ao ensino domiciliar pretendido pelo Governo Bolsonaro. Em abril do ano passado, a coordenadora da Secretaria de Assuntos Educacionais, Adércia Bezerra Hostin dos Santos, alertou que o ataque governista à educação escolar decorre “do papel social, moral e de emancipação que ela promove, pois é nesse espaço plural que o povo tem oportunidade de passar por um processo de esclarecimento e de construção de uma sociedade livre, soberana e fraterna, que pressupõe dignidade aos cidadãos” (leia aqui http://contee.org.br/o-
Também a coordenadora da Secretaria Geral da Contee, Madalena Guasco Peixoto, argumentou: “A educação domiciliar traz consigo diversos retrocessos e perigos: fere o direito à socialização, essencial para o desenvolvimento socioafetivo de crianças e adolescentes; deixa crianças que sofrem abuso de qualquer natureza dentro de suas casas à mercê de seus abusadores; compromete o desenvolvimento intelectual dos estudantes, uma vez que esse é associado ao desenvolvimento social; representa mais uma medida de desprofissionalização do professor, substituindo um profissional com formação universitária e pedagógica obrigatória de no mínimo quatro anos por qualquer pessoa e/ou manual de aprendizagem” (leia aqui http://contee.org.br/ensino-
Além do PL 3179/12, o assunto consta de outras sete propostas favoráveis em tramitação na Câmara dos Deputados, inclusive o Projeto de Lei 2401/19, enviado por Bolsonaro, e de outras para proibi-lo.
Carlos Pompe