Educação e pandemia
O grande mérito deste momento é dos professores e professoras, que se agigantaram diante dos problemas e debilidades e que se reinventam a cada momento, desde o início da pandemia
Por Conceição Fornasari* e Maria Clotilde Lemos Petta**
Na situação de emergência de pandemia, ocasionada pela Covid-19, muitos países, incluindo o Brasil, adotaram medidas para tentar travar a propagação do vírus, entre elas o fechamento dos estabelecimentos de ensino. Essa ação fundamentou-se em inúmeros estudos de epidemias passadas, que revelaram que o fechamento das escolas reduziu de forma significativa o contágio e foi vital para a superação de epidemias.
No Brasil, essa questão assume uma grande importância face ao fato de que os setores relacionados à educação — trabalhadores, estudantes e familiares — envolvem mais de 50 milhões de brasileiros. Neste contexto, nos governos, nas universidades, nas escolas e nas famílias, repercute o debate a favor e contra o fechamento das escolas e de volta às aulas presenciais. Essa questão é extremamente complexa e sem dúvida exige considerar o posicionamento dos professores.
Entre as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a tomada de posição de retorno às aulas presenciais, está a de que devem ser levados em consideração os interesses dos estudantes e seus familiares, mas também as condições gerais de saúde pública dos países e contextos locais, já que o retorno depende diretamente das medidas sanitárias de cada localidade e também das condições das escolas para uma volta segura.
Com o início do ano letivo, após um período de fechamento, os governos e os gestores escolares decidiram pela abertura das escolas públicas e privadas, no momento em que os indicadores são reveladores de uma segunda onda da pandemia e seu agravamento devido a novas variantes mais agressivas e contagiosas. Além disso, cabe considerar que a maioria das escolas brasileiras não tem estrutura adequada para o cumprimento das normas de segurança. Em decorrência, a cada dia surgem novos casos e denúncias de escolas sem as mínimas condições de segurança sanitária, colocando em risco não somente a comunidade escolar, mas todos os brasileiros. Vale destacar que muitas das instituições atingidas pelo vírus são obrigadas a fechar.
Neste contexto, as organizações sindicais dos trabalhadores em educação das várias regiões do país se posicionam contrárias ao retorno às aulas presenciais sem o maior controle da pandemia e sem a devida proteção à saúde de todos os setores envolvidos. Consideram que essa proteção implica o cumprimento de todos os protocolos sanitários e um programa de vacinação em andamento e em estágio avançado, que possa atender grande parte da população.
A Contee e suas entidades filiadas têm reforçado o movimento da #VacinaçãodaEducaçãoJá, que implica a inclusão dos trabalhadores da educação no grupo prioritário para a vacinação. Esse posicionamento se fundamenta no fato de que, se as escolas são insubstituíveis e é importante o retorno das aulas presenciais, os trabalhadores do ensino devem ser considerados como sendo da “linha de frente”, já que têm contato direto com todas as faixas etárias da população. Cabe também considerar as condições de trabalho da maioria dos professores brasileiros que, com raras exceções, atuam em exposição direta com estudantes, em ambientes fechados, mal ventilados e com grande número de alunos por sala. Não há dúvidas de que a saúde física e mental dos professores fica fragilizada, diminuindo as defesas do organismo e ampliando os riscos da contaminação.
Nesta luta, algumas vitórias, mesmo parciais, têm sido conquistadas pelos sindicatos filiados à Contee, que têm conseguido incluir os professores no grupo prioritário de vacinação, como é o exemplo dos professores da base do Sinpro Piauí e de outras regiões. Destacamos também vitórias jurídicas como a o Sinpro Campinas e Região, que, numa ação civil pública, estipulou, entre outras exigências para o retorno às aulas presenciais, o teste obrigatório de todos os professores e os protocolos de higiene e segurança, além de proibir a convocação de docentes do grupo de risco ou que coabitem com pessoas pertencentes ao grupo, inclusive com pesadas multas às escolas pelo descumprimento dessas medidas.
Não bastasse o quadro dramático que atinge a todos, é preciso combater argumentos que desqualificam o posicionamento dos professores, não tendo base na realidade. Alegar que os professores não querem voltar às aulas presenciais porque não gostam de trabalhar, além de desrespeitoso com uma categoria de muita importância social, é um argumento totalmente falacioso.
O grande mérito deste momento é dos professores e professoras, que se agigantaram diante dos problemas e debilidades e que se reinventam a cada momento, desde o início da pandemia. Aulas remotas, mídias sociais, plataformas digitais, aulas gravadas, contatos diuturnos com alunos, pais, colegas e gestores, horas insones, sem descanso e lazer, acarretam um “sobretrabalho” não remunerado. Os professores brasileiros estão entre os mais mal remunerados do mundo.
Com o retorno das aulas presenciais, o que era ameaça tornou-se realidade, cruel e avassaladora: professores, alunos e mesmo familiares são contaminados nas escolas privadas e públicas, além de carregar para os espaços escolares essa chaga que aflige o município, o país e o mundo. É preciso denunciar a concepção negacionista de que nada ocorreria, própria da necropolítica e da ganância, que colocam interesses menores acima do direito à vida.
Sendo assim, os trabalhadores da educação devem ser priorizados na vacinação contra a Covid-19. As aulas presenciais no Brasil só devem retornar após a vacinação desses profissionais, garantindo a segurança sanitária da comunidade escolar e da própria população brasileira.
*Conceição Fornasari é presidente do Sindicato dos Professores de Campinas e Região e diretora da Federação dos Professores do Estado de São Paulo (Fepesp)
**Maria Clotilde Lemos Petta é professora da PUC-Campinas, diretora do Sinpro Campinas e Região, coordenadora da Secretaria de Relações Internacionais da Confederação Nacional dos Estabelecimento de Ensino (Contee) e vice-presidente da Confederação dos Educadores Americanos (CEA)