Educação perde R$ 1,2 bilhão por gastos abaixo do piso durante a pandemia
Valor ainda pode crescer, já que 1,5 mil municípios e oito estados ainda não prestaram contas de seus gastos; Ministério Público cobra pendências
Por Bruno Alfano
Uma emenda constitucional de 2021 tirou pelo menos R$ 1,2 bilhão da educação ao eximir prefeitos e governadores de cumprirem o mínimo constitucional naquele ano e no anterior por conta da pandemia da Covid-19. Esse valor ainda pode crescer, já que 1,5 mil municípios e oito estados ainda não prestaram contas de seus gastos ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). A cifra foi calculada pelo GLOBO com base em uma listagem da Comissão Permanente de Educação (Copeduc), do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça, que compilou as pendências cidade a cidade.
A regra permitiu a prefeitos e governadores não aplicarem o mínimo de 25% da arrecadação em educação em virtude da crise sanitária. Sem essa medida, gestores municipais e estaduais poderiam sofrer sanções como o impedimento de receber verbas da União ou a imputação de crime de responsabilidade.
— Tem município que em 2020 não aplicou nada em educação — afirma Lucas Sachsida, promotor de Alagoas e integrante Copeduc.
A emenda exigia como contrapartida que o ente federativo deveria “complementar na aplicação da manutenção e desenvolvimento do ensino, até o exercício financeiro de 2023” o dinheiro não gasto em 2020 e 2021. O destino da verba precisaria ser em ações básicas como salário e formação de professores e de outros profissionais da educação, melhorias na infraestrutura das escolas, acesso à internet, aquisição de materiais, transporte escolar ou execuções de obras.
Porém, de acordo com o levantamento da Copeduc, 127 municípios e o Espírito Santo não cumpriram essa contrapartida até 2023. Porto Alegre, por exemplo, teria mais de R$ 300 milhões não repostos.
Procurada, a prefeitura da capital gaúcha alegou que já repôs o que devia. Segundo a Secretaria municipal de Fazenda, uma parte da complementação foi feita no pagamento de aposentadorias, o que foi aceito pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), mas não contabilizado pelo FNDE. Já o governo do Espírito Santo afirmou apenas que as contas de 2019 a 2022 foram aprovadas pelo TCE local.
Durante a pandemia, as escolas ficaram quase dois anos fechadas. Logo nos primeiros meses, a falta de merenda (aliada ao aumento da pobreza causada pelo desemprego e as dificuldades de trabalhadores informais) deixou muitas famílias em dificuldade para garantir todas as refeições para as crianças. A adaptação ao ensino remoto — garantindo plataformas e acesso dos estudantes a dispositivos digitais — também demorou e nunca foi completamente garantida a todos os estudantes.
O problema não reduziu após a quarentena. Sachsida lembra que o Brasil está chegando ao fim do Plano Nacional de Educação (2014-2024) com 80% das metas não atingidas, como a oferta de vagas em creches e de escolas em tempo integral (com mais de sete horas diárias de aulas).
A partir desse ano, com as entregas dos balanços financeiros, foi possível identificar quem não devolveu valores não usados em 2020 e 2021. Em Alagoas, Sachsida tem chamado os municípios para negociar uma forma de recompor esses valores nos próximos anos.
Punições e juros
Vice-presidente de Relações Político-Institucionais da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Cezar Miola confirma que a falta de atendimento à contrapartida exigida pela emenda constitucional pode resultar em responsabilização dos gestores.
— Os recursos precisarão ser repostos, mesmo que fora do prazo, mas com correção monetária — frisou.
Sachsida afirma que é preocupante o alto número de entes federativos que ainda não prestaram contas. Nessa lista estão os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Pernambuco, Alagoas, Pará e Amapá. Entre as capitais, Cuiabá, Maceió, Teresina e Macapá.
— A falta de informação pode gerar falta de repasses de verba, como uma parte do Fundeb, a complementação Valor Aluno Ano Total, que só é paga para quem cumpre uma série de requisitos. Significa perdas milionárias às redes que não entregam o balanço — explicou o promotor.