Em creches e pré-escolas conveniadas, professores ganham menos que piso
Salas de aula lotadas, infraestrutura do prédio precária, professores com pouca formação acadêmica e com remuneração menor que o piso nacional da categoria. Esse é o cenário da educação infantil oferecida nas redes conveniadas às prefeituras, isto é, nas creches e pré-escolas de instituições privadas ou filantrópicas que se tornam parceiras do município com o intuito de complementar as vagas oferecidas no sistema público.
O retrato é fruto de uma pesquisa encomendada pela Fundação Victor Civita à Fundação Carlos Chagas que analisou 180 escolas públicas e conveniadas de seis capitais brasileiras de quatro regiões (os municípios são mantidos em sigilo e as conveniadas representam 27% da amostra).
Os dados do levantamento revelam que, nas cidades mapeadas, 72% dos professores das conveniadas recebem menos que o piso salarial nacional do magistério (R$ 1.451, em 2010) e 40% dos docentes e diretores dessas instituições completaram apenas o ensino médio – na rede direta, apenas 5% dos professores não concluíram o curso superior.
Além disso, a maioria dos docentes das entidades conveniadas não conta com horários de planejamento remunerados, não possuem incentivos previstos na carreira e raramente são liberados do trabalho para comparecer a eventos de formação.
Essa situação reflete, segundo Ana Benedita Brentano, educadora que atua como formadora de professores de educação infantil no Instituto Avisa Lá, o modelo de convênio que tem sido firmado de norte a sul do País para dar conta do aumento da demanda. São parcerias que, segundo ela, prezam pelo acompanhamento sistemático das questões financeiras, porém não contemplam, como deveriam, a questão pedagógica e tudo o que diz respeito a ela.
“Como a procura por vagas está cada vez maior, até mesmo nas pequenas cidades, a prática dos convênios aparece como uma solução rápida e, na maioria dos casos, se o acerto de contas estiver em dia, o contrato é mantido e renovado. Nada mais se fiscaliza”, afirma.
Supervisão. Por isso, na medida em que cresce esse tipo de parceria no País todo – em uma das cidades consideradas na pesquisa, por exemplo, 75% da educação infantil era oferecida pela rede conveniada -, é importante revisar as diretrizes, exigências e compromissos desse acordo, tendo como pressuposto a supervisão da Secretaria de Educação. “Por falta de pessoal ou em nome de uma autonomia dessas instituições, isso ainda não tem sido feito”, diz Ana Benedita.
Com a demanda crescente e parte dela ainda sem atendimento – as grandes cidades têm filas gigantescas de crianças à espera de vaga em creche -, a solução não é encerrar a prática do convênio, mas aperfeiçoar a gestão, avalia a coordenadora da pesquisa, Maria Malta Campos, da Fundação Carlos Chagas.
“Terminar com as conveniadas é mandar crianças de volta para casa e não expandir o atendimento. Esse não é o melhor caminho. É possível trabalhar em parceria desde que a celebração desse convênio seja feita com rigor, especificando padrões de qualidade e punição para quem não cumpri-los”, afirma.
Esses critérios já estão estabelecidos pelo MEC, mas são comumente ignorados mesmo porque muitos municípios não cumprem com sua parte nessa parceria. “Há secretários que assumem que o repasse financeiro é insuficiente”, acrescenta Malta (mais informações nesta página).
Numa das cidades consideradas nesse levantamento, por exemplo, como os recursos repassados pela prefeitura eram insuficientes para manter as unidades, permitia-se que elas arrecadassem mensalidades dos pais, uma prática ilegal.
Retrato. Para a diretora executiva da Fundação Victor Civita, Angela Dannemann, a situação das conveniadas é uma mostra de como esse nível de ensino é subestimado pelas Secretarias de Educação. “Os professores do infantil deveriam ser os mais bem formados de todos. Se precisamos de doutores, eles deveriam estar nesse segmento”, afirma.
Uma afirmação que faz sentido, diz Ely Harasawa, gerente de Programas da Fundação Maria Souto Vidigal – instituição voltada à primeira infância. Ela explica que o estímulo recebido até os 3 anos se reflete em todo o desenvolvimento da criança. “Por isso, não basta limpar e alimentar. É um tempo de aprendizado.”
Fonte: Estadão