Entenda o que é prevaricação, crime que Bolsonaro é suspeito no caso das vacinas
Presidente é suspeito de ter cometido prevaricação ao não mandar investigar suspeita de propina na compra das vacinas Covaxin. Crime pode afastar Bolsonaro e dar de três meses a um ano de detenção e multa
A palavra prevaricação tomou conta do noticiário e das redes sociais depois que Jair Bolsonaro (ex-PSL) foi acusado de não ter tomado nenhuma providência após ter sido informado que agentes públicos e aliados políticos teriam cometido ilegalidades na compra da vacina indiana Covaxin, contra a Covid-19. A compra da Covaxin foi a única que teve intermediários entre o laboratório e o Ministério da Saúde. Um representante da Precisa Medicamentos intermediou a negociação superfaturada.
Para entender as acusações contra Bolsonaro, o advogado criminalista do escritório Garcez, Edgard Monteiro, explica que prevaricação é um crime que está no código penal e que prevê de três meses a um ano de detenção e pagamento de multa.
“O crime de prevaricação está previsto no artigo nº 319 do código penal, que decorre do espírito da Constituição de que haja na administração pública princípios de moralidade e impessoalidade. O artigo visa proteger a moralidade do erário público, o nosso dinheiro”, diz Monteiro.
Sobre o tempo de penalidade, o advogado criminalista explica que as leis brasileiras determinam que só vai para a cadeia, em reclusão, quando a pena é maior do que quatro anos. Sentenças abaixo deste tempo podem ser em regimes semiabertos e domiciliar, a detenção.
“O artigo 44 do código penal para quem é réu primário, sem antecedentes, oferece várias possibilidades de liberdade. Na prática não dá cadeia, mas o servidor pode ser afastado do cargo”, afirma Monteiro.
Apesar de não ser, num sentido amplo, um funcionário público, Bolsonaro é o chefe da administração do Executivo. E neste cargo, ao deixar de agir imediatamente quando se tem uma notícia-crime de um subordinado a ele, como é o caso de indícios de superfaturamento de uma vacina e retardamento de outra, o presidente comete um crime de prevaricação.
Entenda a decisão do STF de abrir investigação contra Bolsonaro
O pedido de notícia-crime nº 9.760 enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra Bolsonaro foi feito pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO). Os senadores denunciaram que o governo se comprometeu a pagar pela Covaxin um valor 1000% superior ao estimado por executivos da empresa em agosto do ano passado: US$ 15 (R$ 80) por dose.
Na prática quem tem competência para investigar o presidente é a Polícia Federal (PF) desde que o pedido seja feito pela Procuradoria Geral da Republica (PGR) / Ministério Público Federal (MPF), sob o comando de Augusto Aras, o procurador-geral.
Ocorre que Aras ao tomar conhecimento da denúncia contra Bolsonaro e para não incorrer em crime de prevaricação decidiu pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) que as investigações fossem feitas após o fim da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura as responsabilidades sobre as quase 525 mil mortes causadas no país pela covid-19, dizendo que a denúncia já está sob investigação da CPI. Mas, a ministra do Supremo Rosa Weber, decidiu que o inquérito deveria ser aberto imediatamente e deu um prazo de 90 dias para as investigações.
Após a decisão da ministra, a PGR pediu uma investigação sobre Bolsonaro no caso das vacinas Covaxin.
O advogado criminalista explica que pelo sistema brasileiro, o Supremo é o órgão máximo do poder Judiciário, que julga, mas a Corte não pode ter papel de protagonista, de investigar e participar ativamente do processo.
“Quem pede a abertura é a PGR, no caso, mas o STF tem o poder de intimar a PGR a se manifestar a respeito da abertura do inquérito”, afirma Monteiro.
Bolsonaro afastado
O afastamento de Bolsonaro da Presidência só será possível se a PF concluir que houve crime, a PGR enviar a notícia-crime ao STF, que deve enviar a denúncia à Câmara Federal. Neste caso, 342 (2/3) dos 513 deputados federais terão de aceitar o pedido para que a Suprema Corte possa fastar o presidente do cargo.
“No caso de um servidor público, a denúncia seria enviada a um juiz comum, que poderia afastá-lo, mas o cargo de presidente tem as suas particularidades que envolvem o legislativo e por isso que o Judiciário não pode afastar um presidente sem autorização da Câmara Federal”, conta Monteiro.
Saída é pedir impeachment nas ruas
” Todo este processo é demorado, creio que não termine antes das eleições de 2022. Mas, o avanço das denúncias pode ser influenciada pelas manifestações das ruas. O povo tem o poder de influenciar os atuais aliados políticos, o centrão, para que seja aberto um processo de impeachment”, diz o advogado criminalista.
O secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo, também acredita que a saída para as crises econômica e institucional é o impeachment de Bolsonaro, sob pena de se degradar ainda mais o país.
“Estamos descendo a ladeira. A população passa fome, a miséria e a corrupção só aumentam. Não é possível dar sustentação a este desmonte. Por isso devemos ir às ruas e provocar as autoridades competentes para que tomem as providências e retirem Bolsonaro da Presidência da República”, afirma Sérgio Ronaldo.
Estabilidade, reforma Administrativa e corrupção
A denúncia feita pelo servidor público de carreira do Ministério da Saúde, Luis Roberto Miranda, demonstrou mais uma vez a importância da estabilidade do funcionalismo, pois sem ela um servidor pode ser demitido ao desagradar os governantes de plantão, caso não se submeta às ordens da chefia mesmo diante de um crime. Se não tivesse feito a denúncia, Luis Miranda teria cometido crime de prevaricação.
Para Sérgio Ronaldo, a possibilidade de retirar a estabilidade do servidor público, como quer o governo Bolsonaro ao enviar ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC nº 32), é uma forma de retirar as barreiras que inibem a corrupção que campeia a passos largos no setor público.
“Bolsonaro tinha conhecimento das negociatas com militares do seu staff e o líder do seu governo na Câmara [Ricardo Barros (PP-PR)], mas o que ele fez foi dar um cargo de R$ 27 mil no Conselho de Administração da Itaipu Binacional para a mulher de Barros. São absurdos os casos de corrupção deste governo”, critica o dirigente.
Cida Borghetti, mulher e ex-governadora do Paraná, por oito meses em 2018, vai receber R$ 27 mil mensais para participar duas vezes ao mês de uma reunião do Conselho da Itaipu. Ela foi nomeada um mês após o servidor público, Luís Miranda ter, segundo ele, denunciado a Bolsonaro, a compra da Covaxin.