Escola sem Partido ‘disfarçada’ avança na Câmara Municipal de São Paulo
São Paulo – Há em todo o país pelo menos 125 projetos de lei para a criação da chamada Escola sem Partido em estabelecimentos de ensino municipais e pelo menos 25 para que essa ideologia seja implementada na rede estadual, conforme mapeamento do coletivo Professores contra o Escola sem Partido.
Na cidade de São Paulo, o mais antigo é o PL 01-222/2017, de autoria do vereador Fernando Holiday (DEM). No entanto, o PL 816/2017, apresentado pelo ex-vereador Gilberto Nascimento Júnior (PSC), atual secretário estadual de Desenvolvimento Social na gestão Márcio França, tem todo o jeito de ser mais um no sentido de criminalizar o debate e a prática docente nas escolas.
O projeto de Escola sem Partido “disfarçado”, como está sendo chamado, determina que “qualquer atividade dentro ou fora do estabelecimento de ensino” deverá ser notificada minuciosamente aos “pais e responsáveis”, que terão o direito de vetar a participação de seus filhos nas atividades escolares alegando “motivos de crenças, opiniões ou valores familiares”.
Com parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a proposta é apoiada pela maioria da base de apoio da gestão João Doria/Bruno Covas, ambos do PSDB, e outros de perfil igualmente conservador. Para a vereadora Sâmia Bomfim (Psol), que encabeça um abaixo-assinado eletrônico contra a proposta, trata-se de uma manobra para aprovar um Escola Sem Partido disfarçado. “Todos sabem que o projeto original, de autoria de Fernando Holiday (DEM/MBL) não tem chances de ser aprovado, por conta de sua total ilegalidade”.
A opinião é compartilhada pela professora Fernanda Moura, do Coletivo Professores contra o Escola sem Partido. “Dentre esses mais de 150 projetos de lei em todo o Brasil que têm como objetivo censurar a educação através da limitação da autonomia docente, alguns recebem o nome Programa Escola Sem Partido, outros não têm nome algum e outros colocam um outro nome bem diferente de Escola Sem Partido, como, por exemplo, Escola Livre, que foi o nome dado ao projeto de censura no estado de Alagoas”, destaca.
“Por sinal, é o único projeto do tipo aprovado em esfera estadual e está com os efeitos suspensos após avaliação do ministro Luís Roberto Barroso, até que seja julgado no STF. Temos observado que os PLs com nome de Escola Sem Partido têm mais dificuldade de ser aprovados do que os projetos que buscam estabelecer o mesmo tipo de censura com um discurso mais brando”.
Na sua avaliação, ao prever que todas as atividades de cunho “cultural, ideológico, religioso, filosófico ou político” devem ser comunicadas com 5 dias de antecedência aos responsáveis explicitando “de maneira exaustiva” o motivo de sua realização é também uma forma de fazer o professor atuar como se fosse um “marketeiro”, convencendo os pais de que seus filhos devem realizar cada uma das atividades.
“E se os pais não forem ‘convencidos’, então eles poderão negar aos seus filhos o direito de participar da atividade. Mas as crianças são sujeitos de direitos e elas têm seu direito à educação garantido mesmo que essa não seja a vontade dos pais e responsáveis. Tanto que qualquer um pode ser responsabilizado criminalmente por não garantir a permanência dos menores sob sua responsabilidade na escola”, observa.
Para ela, o PL 816/2017 tenta burlar a lei federal, uma vez que o aluno estará na escola, mas não realizando as atividades propostas por seus professores, o que seria a mesma coisa que não estar na escola. Afinal, não estarão sendo educadas.
“A Constituição federal estabelece que a educação da criança é obrigação do Estado, dos pais e responsáveis e de toda a sociedade. Também de acordo com a nossa Constituição, a finalidade da educação nacional é garantir que o indivíduo se forme enquanto pessoa, enquanto cidadão e enquanto trabalhador. Para formar os alunos dentro destas três dimensões, os professores, que são pessoas que tiveram formação para esse fim, e portanto detém um saber profissional, vão elaborar os mais diferentes tipos de atividades. E a participação dos alunos nestas atividades não é facultativa.”
Fernanda lembra ainda o compromisso firmado pelo Estado brasileiro com outros países e organismos internacionais para garantir que uma educação que garanta a promoção de valores democráticos e a defesa dos direitos humanos.
“Se os pais não concordam com estes valores e querem educar seus filhos dentro de uma cultura de intolerância, racista ou misógina, eles podem o fazer em casa, mas não podem interferir nos objetivos da educação nacional que devem ser garantidos pela escola”, diz.
Na avaliação da professora, não se trata apenas de um desrespeito ao direito do aluno de aprender, de participar de debates sobre machismo, homofobia, racismo, intolerância religiosa e de se organizar em grêmios. “Há ainda o desrespeito a figura do professor, que tem seu saber profissional desrespeitado e sua pratica docente inviabilizada pelo fato de ter de convencer os pais que seus filhos devem participar de atividades educativas.”
Todos esses projetos, segundo ela, guardam similaridade com o decreto-lei 477/69, da época da ditadura, demonstrando o caráter obviamente autoritário e antidemocrático destes projetos atuais.
Conforme ressalta, nos anos que se seguiram à redemocratização do pais, principalmente na década de 1990 e nos anos 2000, a aprovação ou mesmo a apresentação de projetos desse tipo seriam impensáveis.
“Entretanto temos visto nos últimos anos o avançar de uma onda fundamentalista religiosa e conservadora, que tem tornado possível a apresentação e aprovação desse tipo de projetos. Principalmente os contrários às discussões de gênero na escola, chamadas por esses grupos conservadores de ‘ideologia de gênero’, são aprovados com mais facilidade justamente por irem ao encontro do pânico moral difundido na sociedade nesse momento. E com uma Câmara Municipal conservadora como esta, são grandes as chances de aprovação deste PL.”